Em semana eleitoral, é justo perguntar: e como vai a cultura? Paola faz um singelo protesto sobre a indigência da atividade de dança - certamente extensivo a outras áreas. Ela quer seu Rio de Janeiro de volta. Assim como todos nós.
Por Paola Secchin Braga
Sem vontade e sem entusiasmo de minha parte, o assunto do momento vem se impondo e uma pergunta insiste em aparecer no meio dos pensamentos: o que será da dança no Rio de Janeiro depois dessas eleições? Falo do Rio porque esta é a cidade onde vivi e trabalhei, onde vi a dança ter seu boom nos anos 80/90, passar por altos e baixos nos anos subseqüentes e pulverizar-se lentamente, até atingir o nível assustador em que se encontra hoje. O Rio de Janeiro, que já foi um dos mais importantes pólos da dança brasileira, palco onde se produzia a dança de ponta do país, se vê hoje reduzido a poucos sobreviventes trabalhando num nível assustador de precariedade, e que mesmo assim insistem em continuar, quase por implicância.
Sim, porque o que hoje ocorre nesta cidade é resultado da falta de uma política cultural pensada, planejada, duradoura. Houve um tempo em que ainda tínhamos a esperança de que, nos diversos níveis, seríamos ouvidos e respeitados. Quantas foram as reuniões organizadas, os comitês intimados, as comitivas criadas! Quantas horas gastas por inúmeros bailarinos, coreógrafos e amadores (aqueles que amam a dança) para exprimir em palavras as inúmeras necessidades da profissão! Não que em algum momento tenha havido de fato um pensamento político que levasse essas necessidades em conta, com planos e metas de longo prazo, que visasse ao crescimento e fomentasse a produção. Houve paliativos. Houve algumas pequenas ações. Ações sempre independentes e desconectadas do discurso da classe, tendo por conseqüência a criação de elefantes brancos, desnecessários e problemáticos, de idéias sem sentido, em desalinho com as demandas da profissão.
O mais estarrecedor do debate político atual é que, via de regra, o assunto política cultural nem sequer é mencionado. Nenhum tipo de proposta é feito. Alguém ouviu falar dos projetos para a área cultural de algum dos candidatos à presidência? Ou ao governo dos estados? Ou ainda às Assembléias Legislativas e à Câmara Federal? Ah, podem dizer os mais céticos, com tantos problemas de primeira ordem nas cidades, nos estados e na nação, por que haveríamos de nos preocupar com políticas culturais, e com uma política específica para a dança, no caso do Rio de Janeiro? Paro aqui e chamo em meu auxílio a professora e crítica de dança Helena Katz. Diz ela:
Sem sonhos, sem lazer, o homem não sobrevive. Desde sempre os homens sentiram necessidade de produzir maneiras de superar a morte. Quando alguém deixa algo escrito, compõe ou pinta, por exemplo, está fazendo isso, ou seja, pondo no mundo algo que tem chance de durar mais do que o tempo da existência de quem fez. Desde as primeiras cavernas que o homem usou para se proteger dos bichos, o fato de se sentir protegido não bastou; ele precisou fazer um desenho nas paredes da caverna para se sentir forte o suficiente na hora de enfrentar o bicho que o ameaçava lá fora, e até colocou cor neste desenho. Ou seja, atribuiu a esse desenho funções simbólicas. Isso se constitui como traço de sobrevivência. (O corpo que dança – Guia Brasileiro de Produção Cultural 2001)
Posta essa necessidade, reformula-se a pergunta inicial: se tal necessidade se constitui como traço de sobrevivência, quem garantirá a continuidade? E de que forma, já que não há reflexão a respeito disso? E, mais grave ainda, não estando garantido esse traço de sobrevivência, como vamos lidar com os “bichos” que nos ameaçam?
Só nos resta torcer e esperar que em algum momento “a ficha caia” na esfera política.
Um comentário:
Tem certeza que você quer Serra ou Dilma decidindo os rumos da arte no Brasil?
Postar um comentário