Em sua penúltima parada - Bruxelas - Érico nos leva a dois poetas de gerações distintas, a boas cervejas e talvez alguma esperança. O texto em francês, sobretudo o primeiro, não deve assustar: é obra de mestre. Comentávamos no final de semana que se tivesse condições financeiras Ocidentalismo.org deveria manter Érico eternamente na Europa; gostamos de imaginar que suas andanças por lá quase nos fazem bem mais que a ele.
Por Érico Nogueira
Saímos de Amsterdã neste último dia primeiro, com destino a Bruxelas; duas horinhas e meia, e pumba, já estávamos lá. Meu amigo, o poeta Zachary Lusten, nos reservara um hotel próximo da sua casa, a uns 20 minutos a pé de Brussel-Centraal. Tudo muito perto, tudo muito interessante.
Lusten nos fez de guia, e passou as primeiras horas daquela tarde a discursar sobre a cidade do seu coração: a diferença ente flamengo e holandês, Bélgica e Holanda, catolicismo e protestantismo, o reinado de Carlos V de Espanha, a independência da Bélgica -- e poesia, claro, francófona e neerlandesa, principalmente. Presenteou-me com Dans la chaleur vacante, do seu mestre André du Bouchet:
EXTINCTION
Le noeud du souffle qui rejoint,
plus haut, l'air lié,
et perdu.
Ce lit dispersé avec le torrent,
plus haut, par ce
souffle.
Pour nous rêver torrent, ou inviter le froid, à travers
tout lieu habité.
De la montagne, ce souffle, peut-être, au début du
jour.
L'air perdu m'éblouit, se fermant sur mon pas.
Le noeud du souffle qui rejoint,
plus haut, l'air lié,
et perdu.
Ce lit dispersé avec le torrent,
plus haut, par ce
souffle.
Pour nous rêver torrent, ou inviter le froid, à travers
tout lieu habité.
De la montagne, ce souffle, peut-être, au début du
jour.
L'air perdu m'éblouit, se fermant sur mon pas.
Depois vieram as cervejas - sim, evidentemente, sempre as cervejas, sobretudo nos Países Baixos! Lusten e eu nos conhecemos no ano 2000, em Munique, quando ambos estudávamos alemão no Instituto Goethe. Foram 8 semanas inesquecíveis, naquele fin-de-siècle de então: aprendi muito com a sua figura cosmopolita, com a sua tristesse savante que é como a marca do verdadeiro poeta, sobretudo em língua francesa. Dez anos depois, ambos emocionados pelo reencontro e pela "De Konick", ele disse: "Você era um aspirante a poeta quando te conheci, Érico; hoje vejo que você estudou, que fez algo da vida, me diz coisas inteligentes; acho que ficou até mais inteligente do que eu..." - então rimos. Não se trata de comparação, claro está. O ponto é que Lusten, além de ser poeta - e dos bons -, vive como tal; fez dois mestrados, estudou pacas, lê muito: mas não consegue se encaixar, seu natural se rebela sempre. Sua poesia também; - vai sempre pelo lado mais difícil. Olhem só:
Des choses à dire à dédire sobre sourdine de la latence.
L'éblouissement empaqueté accroche la plongée de la parcelle. Des panneaux intercèdent au piège du décollage.
Le monolithe s'évade articulé par la tache. Le miroir penche le relief de l'écrasement
La chair grouille comme l'écho du glacis.
Des rebuffades portent le promontoire de la fosse.
Ci-gît l'extension verticale.
"Érico, amanhã, em Bruges, não se esqueça desse nome, Guido Gezelle, OK? E me liga quando voltarem". Assim ele se despediu de nós, já quase meia-noite, no ponto em que tínhamos de descer do ônibus. "Legal o seu amigo, Érico", me disse Adriana. E fomos dormir, pensando em Bruges, assistindo a um canal flamengo. "Que língua maravilhosa". Adormeci.
Retirado de Ars Poetica
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