"Mad Men" vem fazendo estardalhaço entre os fãs de séries de televisão. Se alguns pensavam que "Os Sopranos" seria uma concessão exótica, eis que surge esta série charmosa, de texto saboroso e politicamente incorreto. A televisão é capaz de coisas extraordinárias e sua produção pode ser matéria prima para boas reflexões, como demonstra Julio Lemos neste pequeno ensaio.
Por Julio Lemos
A série "Mad Men", já em sua quarta temporada, apesar dos altos e baixos, tem sido considerada uma das melhores séries de televisão. Devido ao seu sucesso, dispenso apresentações; você pode conferir aqui uma apresentação razoavelmente bem informada.
Não sou contrário a muitas mudanças dos últimos 40 anos. No entanto, basta assistir a uma bela caracterização dos costumes dos anos 60 (o resultado duradouro dos anos 50 na América) — e eis um retrato bastante exato de "Mad Men" — para sentirmos, eu e uns tantos, algumas saudades do tempo em que não vivíamos.
O único aspecto que gostaria de ressaltar é o topos (lugar comum) da elegância. A dignidade, a graça e a simplicidade são marcas de certas atitudes e realizações humanas. Basta pensar nas demonstrações matemáticas: o acompanha-las produz grande prazer, algo de difícil definição; além disso, possuem utilidade. São inteligentes, breves e... belas. Perguntei certa vez a um amigo matemático o que lhe atraía na sua profissão. Ele disse: “As demonstrações elegantes — a beleza de uma prova”. E reparem no paradoxo: uma demonstração que esconde a sua arte. Quod erat demonstrandum...
A elegância, aplicada a uma pessoa, tem pouco que ver com a moda e o contexto em que está inserida. Evidentemente é possível ser elegante de modos distintos, de acordo com o contexto. Mas a essência da elegância é difícil de atingir. Por isso não se define elegância pelas roupas. Os atores, mais do que os figurinistas, precisam encarnar uma certa aura de dignidade — seja ao representar um ascensorista, seja ao assumir a persona de um milionário que compra jóias à eposa na Tiffany & Co.
Por isso tomo como exemplo duas personagens de classes sociais distintas. Ambas têm caráter, muitos defeitos — e são sobretudo elegantes. Trata-se da secretária Joan Holloway (mais tarde Joan Harris, interpretada por Christina Hendricks) e da esposa do canastrão central Don Draper, Elizabeth Draper (January Jones).
Joan encarna a inteligência prática: sabe como se conduzir, com sprezzatura e agilidade, em qualquer circunstância. É a secretária perfeita, apesar dos seus erros (quem não tiver defeito que atire pedras contra Mathew Weiner). Tive dificuldades sequer em imaginar alguém assim no mundo real — mas provavelmente há. Se cortamos certos diálogos excessivamente espertos, certos exageros do script, fruto da da tradição multissecular do acting, é possível talvez encontrar um exemplar de Joan por aí. Imitemos as suas virtudes; as séries de televisão também podem ser escola.
Talvez nos escandalizemos, alguns de nós, com a conduta tardia de Elizabeth Draper. Mas saibam que o Velho Testamento, a Torah dos cristãos, contém muito mais escândalos — e por isso é um retrato fiel dos homens. Não é sobre isso que gostaria de falar. O que me atrai nessa personagem (juntamente com a atriz, que não considero especialmente bonita) é o ser ao mesmo tempo uma dona de casa, com certa independência, e continuar atraente — não como sex symbol, mas como símbolo de elegância.
A elegância, como a sprezzatura de Castiglione, é a arte de esconder. O que nos atrai nela é mais o que permanece misteriosamente invisível do que o que é mostrado. Por isso me calo e convido o leitor a observar.
Reirado de dicta.com.br.
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