Nossa sede de realidade parece não ser saciada jamais, e a força da arte realista, em suas variadas formas, dá a impressão de confirmar a hipótese. Será mesmo? Em seu texto de estréia para o Ocidentalismo.org, Willian Silveira oferece uma saborosa crônica sobre nossa relação – por vezes ingénue – com a sétima arte. E talvez com as as demais também...
Por Wllian Silveira
Segundo nos transmite o passado, Ésquilo, militar e dramaturgo, um dos três nomes responsáveis pelo que entendemos hoje por tragédia grega, morreu vítima de uma tartaruga. Ironicamente, aquele que foi capaz de vencer a fúria dos de Dario e de domar os vocábulos não foi páreo - e quem o é? - para o destino que veio preso às garras de uma águia.
Lembro de frequentar, ainda garoto, uma loja de música na qual os CDs ficavam dispostos na parede à esquerda, logo na entrada. O lugar era pequeno, mas o bom atendimento e a qualidade dos álbuns compensavam. Sem gosto musical definido, tateava pelos gêneros que descobria dia após dia. Pedi uma indicação ao vendedor e este apontou para um álbum que trazia na capa um homem junto a um cão. O animal era desses tipos robustos e peludos; o homem, desses de chapéu que antecipam o sotaque. Não pensem em uma imagem piegas, se possível. Ao me explicar sobre o cantor – ou seja, não era uma dupla – o vendedor contou-me uma história inusitada.
Apesar de certo sucesso, o músico era, digamos, vítima de duas características que prejudicavam radicalmente sua carreira. Sofria, para desespero daqueles que dependem das plateias, de fobia social e, como se isso não bastasse, de um medo intransponível de viajar de avião. Era o arquétipo perfeito do homem do sul dos Estados Unidos que havia se resignado a permanecer em casa na companhia do cão e considerava tal possibilidade uma bênção. Eis que então brilhou sobre ele (literalmente) o sorriso sádico do destino, e o medo de morrer se desfez quando um avião caiu sobre sua casa e levou a vida do caubói. Não recordo seu nome. Não comprei seu disco. Guardei somente a história e a perplexidade.
Falo de circunstâncias da vida que, por seu alto grau de improbabilidade, beiram o trágico e o cômico. Em março de 1999, após bater a cabeça numa pista de esquis para principiantes, a atriz Natasha Richardson faleceu – morte cerebral. Ao comentar o caso, um crítico de cinema fez a seguinte observação: “Nos filmes, a gente tem de preocupar (sic) com a verossimilhança. A realidade, não. A realidade é muito mais absurda do que a mais delirante ficção que a gente criar”.
Não é raro encontrarmos pessoas interpretando e utilizando o termo verossimilhança como sinônimo daquilo que é real, como substituto de "realidade". Contudo, o que o uso do termo tem de equivocado tem, também, de trivial, uma vez que sua utilização indiscriminada, durante tanto tempo, atribuiu-lhe nova significação. Um amigo pianista me diverte com uma história que ilustra de forma precisa a confusão. Sempre que assiste a filmes de ação nos quais depara com as tradicionais cenas de bomba-relógio, ele não se contém e acompanha o tempo correlativo no relógio de pulso. Ou seja, dimensiona o tempo fílmico e o real acreditando piamente que deveriam ser um e o mesmo. Reivindica, assim, que o filme não seja um projeto paralelo e próprio de realidade. Ainda que nunca tenha lhe perguntado se em alguma oportunidade o tempo fictício coincidiu com o real, é certo que na maioria das vezes não. Não é real, diz ele, mostrando o relógio. Mas e por que deveria?
Não tem verossimilhança, muitos alegariam. Vale lembrar que a remissão à verdade ou ao que é plausível não corresponde necessariamente ao que se pode compreender por realidade. A realidade, aliás, não faz a menor ideia do que seja a verossimilitude e serve, no máximo, como forma de autenticá-la artificialmente. O verossímil pertence à coerência estabelecida naquilo que nos é apresentado, e não a partir daquilo que conhecemos. O que não significa dizer, de forma alguma, que as possibilidades na criação artística existem independentes da realidade.
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