Donald Francis Tovey já comentava que, no exercício de interpretação de obras de arte, é possível associar tudo a qualquer coisa; mas, concluía, isso não quer dizer jamais que aquilo que associamos seja de fato relevante para a interpretação. Boa parte da Arte Contemporânea vive da farsa da livre associação, uma espécie de nudez a ser apontada por "crianças" - gente invariavelmente pouco educada, de dedo em riste e alguma perplexidade bem humorada. Por vezes o Rei está nú, mas isso não o obrigará a deixar de se fazer muito importante. É o que nos mostra Joel Pinheiro da Fonseca em suas andanças por Nova Iorque.
Por Joel Pinheiro da Fonseca
Uma viagem parte turística, parte médica, tem me mantido ocupado aqui nos EUA e um tanto distante deste site. Mas agora que as coisas acalmaram, e que a Dicta terá, por um mês, um correspondente exclusivo em Baltimore, MD (”the greatest city in America”; ou pelo menos é o que está escrito nos bancos públicos ao longo do cais), tenho tempo de sobra para compartilhar as vivências culturais e sociais do coração do império.
Quero começar pela minha incursão ao MoMA (não vá ser grosseiro a ponto de errar as maiúsculas e minúsculas!) em Nova Iorque. Sim, sim, lá estão grandes clássicos da arte moderna (o Noite Estrelada de Van Gogh é, merecidamente, o maior destaque da casa); peguei até uma mostra especial de Matisse.
Mas para quê perder tempo com história antiga? O melhor da festa é o andar de arte contemporânea. Já de entrada se é brindado com cenas de muito bom-gosto em franca discordância com a moralidade sexual catoburgopuritana e uma mini-mostra de quadros protesto das “Guerrilla Girls”, que vai chacoalhar todos os seus preconceitos de gênero e raça.
Já devidamente conscientizado, pude elevar minha experiência estética com a obra de um artista – quem diria - brasileiro: Cildo Meireles. Vejam só a obra-prima (”first time on view at the MoMA”) que me aguardava.
Você é filisteu o bastante para ter achado que se trata apenas de um enorme bloco de feno? Think again...
Cildo Meireles
Brasileiro, nascido em 1948
"Thread" 1990-95
Quarenta e oito pacotes de feno, um fio de ouro 18 quilates, e cinqüenta e oito metros de fio dourado.
Presente de Patrícia Phelps de Cisneros, 2001
PRIMEIRA VEZ EM EXIBIÇÃO NO MoMA
Meireles cria esculturas e instalações que associam materiais ordinários a assuntos políticos e filosóficos mais amplos. "Thread" é um cubo modular, uma forma evocativa da racionalidade geométrica da arte Minimalista, construída de materias geralmente associados a agricultura. Um arame dourado envolve a estrutura de feno. Em uma ponta do arame, uma agulha única de ouro 18 quilates é inserido no cubo, remetendo a expressão popular "como achar uma agulha no palheiro." Ao associar substâncias com distintos valores monetários, apresentadas aqui de forma praticamente indistinguível visualmente, [Cildo] sugere a precariedade das relações econômicas; a pequena agulha, enclausurada no cubo massivo, o lugar do indivíduo dentro do sistema social.
Por mim, passaria horas naquela sala. Contudo, o doce aroma do feno que aos poucos adentrava minhas narinas acabou tendo um efeito diurético, e logo mais era minha vez de ter preocupações políticas e filosóficas enquanto promovia uma mistura de substâncias. Cota periódica de arte contemporânea: preenchida.
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