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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Do perdão e outros demônios


Por Leandro OLiveira

O vocalista do grupo Simply Red, Mick Hucknall, fez um pedido público de desculpas em entrevista para o jornal inglês The Guardian. As desculpas são endereçadas às cerca de mil mulheres (!) com quem ele calcula ter dormido enquanto desfrutava o auge do sucesso.

O mundo é um pouco louco e, embora não possamos duvidar da sinceridade do Hucknall, é claro que tem algo de artificioso ou leviano na declaração pública de um pedido de desculpas sobre coisas sentimentais. Afinal este verdadeiro Don Giovanni contemporâneo não deve nada ao público do Simply Red ou a nós, posto que nada do que ele fez nos custou um centavo ou hora de sono. Deve desculpas às meninas e à sua família que foi magoada.

O que me ligou na notícia foi outra coisa: a natureza do perdão.

Afinal, pedimos desculpas para que aquele ofendido se sinta aliviado, não por nós mesmos. Aquele que ofende pode ter talvez um alívio de segunda mão, ao reconhecer no perdão do próximo a superação da ofensa mas jamais poderá, em seus pedidos de desculpas, aliviar-se por si. Nas palavras de Borges "não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me." Então, como salvar-me - ou, colocando em termos menos místicos, como ter as falhas e culpas "lavadas", largar a bola de pedra da foto acima?

Atualmente, o mecanismo utilizado pela elite intelectual ocidental é cruel ao tentar descaracterizar a culpa como um sentimento nobre. Ela seria mais uma "construção da sociedade burguesa" etc e tal. Nada disso me importa: sei que quando machuco pessoas que amo me sinto mal, e sei que é bom sentir-me mal quando faço mal aos outros; ou seríamos uma sociedade de psicopatas.

Reiteradamente uma solução se coloca: o esquecimento, "o único perdão". Mas o esquecimento tampouco seria um caminho de duas vias. Esquecer, neste sentido, é ser esquecido, esquecer é morrer completamente. É ser não uma "falta que não é a ausência" como aquela do poema de Drummond, mas a falta que é a ausência, o nada ou um sonho da memória.

Esquecer é vingar-se.

A propósito: vocês viram este filme melancólico que é "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" (a música, com Beck, chama-se "Everybody gotta learn sometimes...")?


O filme trata disso e, curiosamente, revelando seu problema sugere uma solução. Parte da idéia de uma máquina do esquecimento como a saída daqueles que sofrem por amor, incapazes de perdoar. Mas, caminho imperfeito, o esquecimento com todas suas dores e perdas não liberta o espírito. Só a consciência o permite, e a liberdade do espírito é a possibilidade da escolha - mesmo que, como no caso do filme, a escolha do reencontro. Ao fim e ao cabo, Joel e Clementine não precisam esquecer quem são ou o que fizeram para seguir juntos. Seu perdão é uma aposta, uma aposta de um no outro. Pedir perdão parece ser pedir para que os votos de confiança se renovem.

Para encerrar este post que começa a ficar anárquico: o nome do filme "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", é retirado do verso de um belíssimo poema de Alexander Pope que deve ser lido absolutamente. Chama-se Eloisa to Abelard e é inspirado na triste história de amor de Heloise d'Argenteuil e Peter Abelard, figuras reais - ele um professor de lógica, ela sua aluna dileta - que apaixonados não conseguem viver o amor, impossível pelas circunstâncias e... ah, mas isso é outra história.

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