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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Aliena vitia in oculis habemus, in tergo nostra sunt


De gramáticos e loucos todos temos um pouco. Afinal, quem não fica atento ao que escreve - mesmo que o que escreve seja um email ou post no facebook -, inevitavelmente comete gafes. Mas há, entre aqueles que deveriam mais dedicar-se ao estudo da língua, os críticos dos que tentam estabelecer um ordenamento lógico para o idioma, e portanto algumas normas e "regras": eles detestam a "gramática prescritiva". É o que comenta Richard Costa.

Richard Costa

Assisti a uma palestra do Mamede Mustafa Jarouche que no geral foi boa. Quase no final ele estava discutindo algo sobre linguagem, e acabou citando Napoleão de Almeida, o qual não li e só conheço superficialmente. Mas foi o modo como ele citou o sujeito que achei curioso, algo assim: "Como dizia aquele quadrúpede (quadrúpede porque prescritivo) Napoleão de Almeida, etc..." — o que causou uma onda de risadinhas na plateia.

Um acadêmico de peso, inteligente (não li sua tradução de Mil e uma noites, mas tive em mãos os dois primeiros volumes e achei respeitável) diz uma coisa dessas numa universidade? O simples fato de ser prescritivo é motivo pra ser insultado em público? Até onde sei, Napoleão de Almeida era meio tosco como gramático normativo, então tá, fazer o quê, não vou defender a falta de finesse do sujeito. Mas essa unanimidade de que prescritivismo é sinônimo de preconceito linguístico, de ignorância, de ódio contra quem fala errado... isso é absurdo. Sujeitos como Marcos Bagno, por exemplo, acreditam que prescritivismo é praticamente um crime contra a humanidade. Para a grande maioria dos acadêmicos na área de letras e linguística, é injustificável afirmar-se prescritivista, é o mesmo que dizer publicamente que você nunca será um acadêmico respeitável e que será pária dos círculos que frequentar.

É verdade que um linguista de ambições antropológicas deve ser necessariamente descritivista, posto que, por exemplo, o estudo de um dialeto documentado durante uma pesquisa numa vila indígena, africana ou asiática, deverá ser neutro e desligado de uma tradição normativa. Mas o estudo de uma língua clássica ou moderna não pode prescindir de uma tradição normativa, ou será quase impossível extrair sentido de textos de qualquer época, especialmente textos literários. Alguns poderão dizer que, sendo uma língua passível de mudanças ao longo do tempo, não é possível estabelecer uma tradição normativa que seja aplicável a todas as variações da língua. Mas toda variação de uma língua num determinado período do tempo segue uma gramática normativa que é válida durante esse período.

Existe uma função tanto para o prescritivismo quanto para o descritivismo. Dizer que um exclui o outro, que são sempre antagônicos; que ser prescritivo é ser um quadrúpede.. isso é uma atitude ridícula e indigna de um linguista maduro e inteligente.

Existe um provérbio: A gramática é o túmulo da língua. Um túmulo implica que o morto será lembrado, que lhe foi dada a dignidade e o respeito que se deve aos mortos. Mas na opinião dos linguistas atuais, a gramática é a causa da morte da língua, como se a partir do momento em que uma língua é normalizada, fosse esfaqueada por gramáticos reacionários e racistas praguejando contra pobres e negros. A verdade, longe disso, toma a forma do meu professor de latim: um senhor de idade, prescritivo, de maneiras brandas e com tato e tolerância no trato com as pessoas, mesmo com alunos imbecis que odeiam a gramática.

2 comentários:

Thiago Cardoso disse...

Marcos Bagno fala mal de Napoleão Mendes de Almeida em praticamente todas as páginas d'O Preconceito Lingüístico.

Santo Agostinho critica os gramáticos e professores cuja didática consiste em franzir cenhos sombriamente e espancamentos leves.

Voto pelo retorno da pedagogia do espancamento.

Leonardo disse...

Estou quase com o Thiago, aqui. E o Bagno não deve ter tido capacidade de estudar e entender a gramática do Napoleão - aliás, nem o Mamede. A gramática do Napoleão ainda é a melhor, e outra: é tanto descritiva quanto prescritiva. Por que esses caras não escrevem seus livros sem o tão propalado "preconceito linguístico"?! São uns pulhas, isso sim!

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