por Leandro Oliveira
Lamento o passar do tempo não por ficar mais velho ou pelo que me resta: é por perceber que com ele não fico mais sábio.
Por isso, adoro a forma como se organiza nosso calendário. Ignorante e cheio de falhas como sou, tomo como instrumental a ordem externa cheia de ciclos e celebrações. Organizo a vida para recomeçar, tentar melhorar e ser mais útil, mais paciente, mais gentil com os outros.
O Drummond escreveu algo a respeito. Que em 2011 me inspire a voz do poeta!
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
A escrita como uma tecnologia que reestrutura a mente - Parte III
por Leandro Oliveira
Retomando as citações sobre o assunto para seguir em frente no início do ano que vem:
As Havelock’s recent monograph, “The Linguistic Task of the Presocratics” (1983), has painstakingly shown, before writing had taken possession of the Greek consciousness, the central question of metaphysics, the nature of being, Aristotle’s to ti ēn einai, could not effectively suggest itself to the human mind. All science needs writing in order to achieve the tight, sequential, linear, “logical” organization that science requires. But metaphysics needs writing not only to organize itself analytically as a science but also to become aware of its quarry, being or existence as such. Oral cultures concern themselves with doings, with happenings, not with being as such: they narrativize their own existence and their environment. Metaphysics is not fond of narrative. It wants to know what a thing is, and ultimately what is or being or existence itself is. To oral peoples, such questions appear trivializing. What does all this say about the intimate relationship of the deepest interior of the human mind to technology? Without the technology of writing, it appears, the mind cannot fi nd, or even take an interest in, the subject-matter of metaphysics. (...)
It seems a far cry from the relatively simple technology of writing or even from print to the vast technologies whose products we know today—an automobile, an airplane, a spacecraft, an automated automobile manufacturing plant. The line from writing to print to the computer is really a direct line, as earlier suggested, moving toward greater and greater linear, quantified, analysis achieved by more and more refined management of local motion. Yet writing, print, and the computer are all ways of technologizing the word. The other gargantuan technologies have mostly to do with the creation of machines or other products for physical use—high-rise buildings, for example—that themselves have nothing to do with technologies for the management of thought and expression.
Walter J. Ong in "Orality-Literacy Studies and the Unity of the Human Race"
Retomando as citações sobre o assunto para seguir em frente no início do ano que vem:
As Havelock’s recent monograph, “The Linguistic Task of the Presocratics” (1983), has painstakingly shown, before writing had taken possession of the Greek consciousness, the central question of metaphysics, the nature of being, Aristotle’s to ti ēn einai, could not effectively suggest itself to the human mind. All science needs writing in order to achieve the tight, sequential, linear, “logical” organization that science requires. But metaphysics needs writing not only to organize itself analytically as a science but also to become aware of its quarry, being or existence as such. Oral cultures concern themselves with doings, with happenings, not with being as such: they narrativize their own existence and their environment. Metaphysics is not fond of narrative. It wants to know what a thing is, and ultimately what is or being or existence itself is. To oral peoples, such questions appear trivializing. What does all this say about the intimate relationship of the deepest interior of the human mind to technology? Without the technology of writing, it appears, the mind cannot fi nd, or even take an interest in, the subject-matter of metaphysics. (...)
It seems a far cry from the relatively simple technology of writing or even from print to the vast technologies whose products we know today—an automobile, an airplane, a spacecraft, an automated automobile manufacturing plant. The line from writing to print to the computer is really a direct line, as earlier suggested, moving toward greater and greater linear, quantified, analysis achieved by more and more refined management of local motion. Yet writing, print, and the computer are all ways of technologizing the word. The other gargantuan technologies have mostly to do with the creation of machines or other products for physical use—high-rise buildings, for example—that themselves have nothing to do with technologies for the management of thought and expression.
Walter J. Ong in "Orality-Literacy Studies and the Unity of the Human Race"
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Os melhores de 2010 - II
por Jonas Lopes
Alguns grandes livros de 2010:
Javier Marías – Seu Rosto Amanhã: 3. Veneno, Sombra e Adeus. Finalmente os leitores brasileiros têm à disposição a integral do estupendo romance em três partes do escritor madrileno (e não uma trilogia, como alguns críticos brasileiros imaginam...). Nessa meditação sobre o tempo, o medo e a indefectível tendência humana de trair o próximo, Javier Marías conseguiu levar ao extremo sua particular arquitetura literária, formada por períodos quilométricos, digressões metafísicas que duram dezenas de páginas e insights sobre Oxford, a ditadura de Franco e o serviço secreto britânico. Não por acaso, a crítica internacional tem feito comparações com Proust e Henry James. Dá para contar nos dedos quantos autores vivos conseguem ainda levar o romance de ideias a tal patamar.
Philip Roth – A Humilhação. Roth dispensa apresentações: desde "Operação Shylock", de 1993, não para de produzir obras-primas. A novela "A Humilhação" integra uma tetralogia sobre a morte composta ainda por "Homem Comum", "Indignação" e o recente "Nemesis", programado para sair no Brasil em 2011. Mais uma vez Roth explora o massacre que é a velhice através da história de Simon Axler, ator dedicado aos grandes personagens do cânone teatral (Falstaff, Tio Vânia, Peer Gynt) que um dia simplesmente perde a magia. A abordagem do autor, mais uma vez, é cáustica: mais do que se preocupar com a proximidade do fim e com seu senso de finitude, Axler precisa encontrar um modo de apodrecer dignamente. Uma chance ocorre quando se relaciona com uma mulher bem mais jovem. Quanto à atmosfera do livro, impossível não pensar em "Death", poema de Yeats (que tem um verso utilizado como referência por Roth para o título de outra obra, "O Animal Agonizante"): “He knows death to the bone/ Man has created death”.
Juan José Saer – O Grande. Saer morreu tragicamente cedo, em 2005, aos 67 anos, e sua produção continua saindo a ritmo de conta-gotas no Brasil (corra atrás de "A Pesquisa" e "As Nuvens"). Inspirado na "Grosse Fuge" de Beethoven e na "Nona Sinfonia" de Schubert, "O Grande" ficou inacabado. Nada que atrapalhe o ritmo febril e tortuoso do texto saeriano, tão ensaístico quanto o de Marías. Algo mítica, a trama trata do retorno de Willi Gutiérrez à região natal, no norte de Argentina, depois de trinta anos vivendo na Europa. Em sete capítulos, um referente a cada dia da semana, Saer destrincha as mudanças ocorridas na população da pequena e abafada Rincón devido a esse inesperado regresso.
Henry James – Os Embaixadores. Pode parecer mentira, mas aquele que concorre seriamente ao posto de mais perfeito livro de Henry James – e que the master himself considerava o seu predileto – nunca tinha sido editado no Brasil. Agora foi, graças aos esforços da Cosac Naify e do crítico e professor Marcelo Pen, estudioso da obra do escritor (vale a pena ler sua tese de doutorado, que traça paralelos pertinentes entre este romance e "Memorial de Aires"). Exemplar típico do estilo tardio de James, "Os Embaixadores" é uma obra-prima de transição entre a velha narração novecentista e o nascente modernismo. Em poucos trabalhos percebe-se tão bem como o americano aproveitou a rápida carreira de dramaturgo (abortada pela incompreensão e estupidez do público) para criar uma prosa alusiva, rica em sugestões e ambiguidade. Por meio de um narrador espertamente incerto e não-confiável, James vasculha cada canto da consciência de Lambert Strether e induz o leitor a confrontar os conflitos morais antes mesmo do protagonista.
Liev Tolstói – Ressurreição. Ainda tem muita gente que associa os livros do final da vida de Tolstói às ideias sobre moral, religião e arte que o gênio russo adotou na época. Bobagem. Como negar as imensas qualidades de "A Sonata a Kreutzer" ou de "Khadji-Murát" (aliás, também relançado este ano)? Ressurreição encaixa-se nessa categoria: por vários anos o romance foi considerado uma mera pregação. Azar de quem não reconhece o impacto desse mergulho nos meandros da redenção. Trata-se, em especial, de um ataque feroz ao desejo do Estado de nos conduzir como carneirinhos. A tradução é de Rubens Figueiredo, agora debruçado sobre o monumental "Guerra e Paz". Encontro marcado, portanto, daqui a um ano, nesta mesma lista, neste mesmo blog.
Mas houve muito mais coisa em 2010, inclusive de não-ficção, como "O Outono da Idade Média" (Johann Huizinga), "O Poder da Arte" (Simon Schama), "Aforismos" (Karl Kraus), "O Tempero da Vida" (Chesterton) e "Arte Moderna na Europa" (Giulio Carlo Argan). Na literatura brasileira, destaco livros de três gêneros: poesia ("Em Alguma Parte Alguma", de Ferreira Gullar), conto ("Uma Fome", de Leandro Sarmatz) e romance ("Passageiro do Fim do Dia", de Rubens Figueiredo). Entre as reedições, "As Viagens de Gulliver" enfim ganhou versão de um tradutor digno, Paulo Henriques Britto, e tivemos novas edições de Bellow, Cheever, Bioy Casares, Bulgákov, Carver, Gógol, Sebald, Sarmiento...
Retirado de Dicta.com.br.
Alguns grandes livros de 2010:
Javier Marías – Seu Rosto Amanhã: 3. Veneno, Sombra e Adeus. Finalmente os leitores brasileiros têm à disposição a integral do estupendo romance em três partes do escritor madrileno (e não uma trilogia, como alguns críticos brasileiros imaginam...). Nessa meditação sobre o tempo, o medo e a indefectível tendência humana de trair o próximo, Javier Marías conseguiu levar ao extremo sua particular arquitetura literária, formada por períodos quilométricos, digressões metafísicas que duram dezenas de páginas e insights sobre Oxford, a ditadura de Franco e o serviço secreto britânico. Não por acaso, a crítica internacional tem feito comparações com Proust e Henry James. Dá para contar nos dedos quantos autores vivos conseguem ainda levar o romance de ideias a tal patamar.
Philip Roth – A Humilhação. Roth dispensa apresentações: desde "Operação Shylock", de 1993, não para de produzir obras-primas. A novela "A Humilhação" integra uma tetralogia sobre a morte composta ainda por "Homem Comum", "Indignação" e o recente "Nemesis", programado para sair no Brasil em 2011. Mais uma vez Roth explora o massacre que é a velhice através da história de Simon Axler, ator dedicado aos grandes personagens do cânone teatral (Falstaff, Tio Vânia, Peer Gynt) que um dia simplesmente perde a magia. A abordagem do autor, mais uma vez, é cáustica: mais do que se preocupar com a proximidade do fim e com seu senso de finitude, Axler precisa encontrar um modo de apodrecer dignamente. Uma chance ocorre quando se relaciona com uma mulher bem mais jovem. Quanto à atmosfera do livro, impossível não pensar em "Death", poema de Yeats (que tem um verso utilizado como referência por Roth para o título de outra obra, "O Animal Agonizante"): “He knows death to the bone/ Man has created death”.
Juan José Saer – O Grande. Saer morreu tragicamente cedo, em 2005, aos 67 anos, e sua produção continua saindo a ritmo de conta-gotas no Brasil (corra atrás de "A Pesquisa" e "As Nuvens"). Inspirado na "Grosse Fuge" de Beethoven e na "Nona Sinfonia" de Schubert, "O Grande" ficou inacabado. Nada que atrapalhe o ritmo febril e tortuoso do texto saeriano, tão ensaístico quanto o de Marías. Algo mítica, a trama trata do retorno de Willi Gutiérrez à região natal, no norte de Argentina, depois de trinta anos vivendo na Europa. Em sete capítulos, um referente a cada dia da semana, Saer destrincha as mudanças ocorridas na população da pequena e abafada Rincón devido a esse inesperado regresso.
Henry James – Os Embaixadores. Pode parecer mentira, mas aquele que concorre seriamente ao posto de mais perfeito livro de Henry James – e que the master himself considerava o seu predileto – nunca tinha sido editado no Brasil. Agora foi, graças aos esforços da Cosac Naify e do crítico e professor Marcelo Pen, estudioso da obra do escritor (vale a pena ler sua tese de doutorado, que traça paralelos pertinentes entre este romance e "Memorial de Aires"). Exemplar típico do estilo tardio de James, "Os Embaixadores" é uma obra-prima de transição entre a velha narração novecentista e o nascente modernismo. Em poucos trabalhos percebe-se tão bem como o americano aproveitou a rápida carreira de dramaturgo (abortada pela incompreensão e estupidez do público) para criar uma prosa alusiva, rica em sugestões e ambiguidade. Por meio de um narrador espertamente incerto e não-confiável, James vasculha cada canto da consciência de Lambert Strether e induz o leitor a confrontar os conflitos morais antes mesmo do protagonista.
Liev Tolstói – Ressurreição. Ainda tem muita gente que associa os livros do final da vida de Tolstói às ideias sobre moral, religião e arte que o gênio russo adotou na época. Bobagem. Como negar as imensas qualidades de "A Sonata a Kreutzer" ou de "Khadji-Murát" (aliás, também relançado este ano)? Ressurreição encaixa-se nessa categoria: por vários anos o romance foi considerado uma mera pregação. Azar de quem não reconhece o impacto desse mergulho nos meandros da redenção. Trata-se, em especial, de um ataque feroz ao desejo do Estado de nos conduzir como carneirinhos. A tradução é de Rubens Figueiredo, agora debruçado sobre o monumental "Guerra e Paz". Encontro marcado, portanto, daqui a um ano, nesta mesma lista, neste mesmo blog.
Mas houve muito mais coisa em 2010, inclusive de não-ficção, como "O Outono da Idade Média" (Johann Huizinga), "O Poder da Arte" (Simon Schama), "Aforismos" (Karl Kraus), "O Tempero da Vida" (Chesterton) e "Arte Moderna na Europa" (Giulio Carlo Argan). Na literatura brasileira, destaco livros de três gêneros: poesia ("Em Alguma Parte Alguma", de Ferreira Gullar), conto ("Uma Fome", de Leandro Sarmatz) e romance ("Passageiro do Fim do Dia", de Rubens Figueiredo). Entre as reedições, "As Viagens de Gulliver" enfim ganhou versão de um tradutor digno, Paulo Henriques Britto, e tivemos novas edições de Bellow, Cheever, Bioy Casares, Bulgákov, Carver, Gógol, Sebald, Sarmiento...
Retirado de Dicta.com.br.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Os melhores de 2010 - I
por Érico Nogueira
É claro que é uma bobagem jornalística esse troço de eleger os melhores do ano. Sílvio Santos que o diga, com o seu um dia famoso, hoje esquecido, troféu imprensa... Mas é um troço divertido, e, a título de distração, gostoso de fazer. Vamos lá.
Na minha coluna de hoje no Terra Magazine, defendo, respectivamente na poesia e na prosa de ficção, que "O cânone acidental", de Marco Catalão, e "As almas que se quebram no chão", de Karleno Bocarro, sejam os melhores de 2010. Meus argumentos são fracos - como qualquer argumento do gênero, diria o chinês de Königsberg --, mas, mesmo assim, em vez de simplesmente dizer "os melhores são Fulano e Beltrano", decidi apresentá-los ao leitor.
Digo que são os melhores porque, seguindo as pegadas do tal chinês - mais um ensaio batido do mais que batido T. S. Eliot -, são livros que "chacoalham", digamos assim, a tradição que os precede, como uma estrela nova que, surgindo na constelação, muda o desenho que enxergamos... Aliado à descrição das suas características - estilo, enredo, etc. -, isso é tudo o que posso dizer sobre eles.
Há outros livros, claro. A modéstia me impede de me indicar a mim mesmo como um possível candidato ("Dois" foi publicado este ano...), então, ah, bem, -- temos Adélia Prado e João Ubaldo Ribeiro, respectivamente com "A duração do dia" e "O albatroz azul". Só li o último: é bom, sim, e João Ubaldo talvez seja o maior estilista vivo da língua, superior, a meu ver, ao próprio Staramago, recém-falecido.
Saindo do circuito 'professora de português', gostaria de notar que a recente produção de Ricardo Domeneck, mais um e outro poema novo de Dirceu Villa disponível na rede - e ainda os últimos poemas de José Rodrigo Rodriguez -, constituem as pérolas do ano: isoladas, de vez que não saíram em livro, mas ainda assim pérolas. E, finalmente, pra deixar o Brasil pra trás, eu citaria "As desaparições", do café-com-leite Alexei Bueno, aparecido em dezembro de 2009 -- que, convenhamos, é quase 2010...
Geoffrey Hill publicou alguns poemas novos neste ano, e prepara a edição dos seus complete poems. Durs Grünbein publicou "Aroma", o melhor lançamento que tenho lido, em matéria de poesia, desde que me tenho por gente. E Gonçalo M. Tavares acaba de lançar "Uma viagem à Índia", uma epopéia que, a despeito do estilo frouxo, não deixa, por isso, de ser uma epopéia - e, pois, um feito.
O melhor melhor mesmo, porém, foi aquele que, há dois mil anos, está lá, soberbo no alto do cânon, o insuperável, o inigualável, o inefável Virgílio: que me tem ensinado a fazer verso latino e português, e que me fez chorar, lendo em voz alta os divinos hexâmetros do canto IV da Eneida, quando a rainha de Cartago morre. São muitas emoções.
Agradeço a Deus, à minha mulher e à minha família, por este ano maravilhoso. E a vocês, meus queridos, pela paciência. Abraço a todos e um Feliz Natal.
Retirado de Ars Poetica.
É claro que é uma bobagem jornalística esse troço de eleger os melhores do ano. Sílvio Santos que o diga, com o seu um dia famoso, hoje esquecido, troféu imprensa... Mas é um troço divertido, e, a título de distração, gostoso de fazer. Vamos lá.
Na minha coluna de hoje no Terra Magazine, defendo, respectivamente na poesia e na prosa de ficção, que "O cânone acidental", de Marco Catalão, e "As almas que se quebram no chão", de Karleno Bocarro, sejam os melhores de 2010. Meus argumentos são fracos - como qualquer argumento do gênero, diria o chinês de Königsberg --, mas, mesmo assim, em vez de simplesmente dizer "os melhores são Fulano e Beltrano", decidi apresentá-los ao leitor.
Digo que são os melhores porque, seguindo as pegadas do tal chinês - mais um ensaio batido do mais que batido T. S. Eliot -, são livros que "chacoalham", digamos assim, a tradição que os precede, como uma estrela nova que, surgindo na constelação, muda o desenho que enxergamos... Aliado à descrição das suas características - estilo, enredo, etc. -, isso é tudo o que posso dizer sobre eles.
Há outros livros, claro. A modéstia me impede de me indicar a mim mesmo como um possível candidato ("Dois" foi publicado este ano...), então, ah, bem, -- temos Adélia Prado e João Ubaldo Ribeiro, respectivamente com "A duração do dia" e "O albatroz azul". Só li o último: é bom, sim, e João Ubaldo talvez seja o maior estilista vivo da língua, superior, a meu ver, ao próprio Staramago, recém-falecido.
Saindo do circuito 'professora de português', gostaria de notar que a recente produção de Ricardo Domeneck, mais um e outro poema novo de Dirceu Villa disponível na rede - e ainda os últimos poemas de José Rodrigo Rodriguez -, constituem as pérolas do ano: isoladas, de vez que não saíram em livro, mas ainda assim pérolas. E, finalmente, pra deixar o Brasil pra trás, eu citaria "As desaparições", do café-com-leite Alexei Bueno, aparecido em dezembro de 2009 -- que, convenhamos, é quase 2010...
Geoffrey Hill publicou alguns poemas novos neste ano, e prepara a edição dos seus complete poems. Durs Grünbein publicou "Aroma", o melhor lançamento que tenho lido, em matéria de poesia, desde que me tenho por gente. E Gonçalo M. Tavares acaba de lançar "Uma viagem à Índia", uma epopéia que, a despeito do estilo frouxo, não deixa, por isso, de ser uma epopéia - e, pois, um feito.
O melhor melhor mesmo, porém, foi aquele que, há dois mil anos, está lá, soberbo no alto do cânon, o insuperável, o inigualável, o inefável Virgílio: que me tem ensinado a fazer verso latino e português, e que me fez chorar, lendo em voz alta os divinos hexâmetros do canto IV da Eneida, quando a rainha de Cartago morre. São muitas emoções.
Agradeço a Deus, à minha mulher e à minha família, por este ano maravilhoso. E a vocês, meus queridos, pela paciência. Abraço a todos e um Feliz Natal.
Retirado de Ars Poetica.
domingo, 26 de dezembro de 2010
I will never give in
por Leandro Oliveira
Estou no Rio e, como sempre quando na cidade, é momento de rever amigos, reavaliar referências, cultivar nostalgias.
Ontem ao jantar, comentávamos todos sobre as novidades nada felizes do mercado recente - e entre os tantos "causos" típicos da mesquinharia de nosso meio musical, o mais triste deles, a controversa saída do maestro Tibiriçá do projeto de Heliópolis.
Logo depois, como que ironicamente, pudemos rever algumas horas de gravações extraordinárias - o que afinal é nosso passatempo predileto quando estou na Babilônia Maravilhosa. Retomamos um dos grandes cavalheiros do piano do século XX, o mestre Arthur Rubinstein.
Pouco a pouco, conforme subia o nível etílico e com ele minha melancolia, me dei conta de nossa miséria, exatamente ao entender uma época não tão distante onde a música era espaço para pessoas menos boçais e mais generosas. Para muito além de um dos mais inspiradores artistas do piano, maestro Rubinstein era (palavra old fashion) um gentleman. À luz das peripécias indecorosas dos nossos artistas - quase todos gênios do marketing ou mestres da política -, Arthur Rubinstein talvez nunca tenha sido tão jovem. E sua juventude é sua "precisão": quando buscamos nos palcos algo a admirar, seguimos sempre ao encontro daquilo que Rubinstein e tantos outros do passado preservavam cuidadosamente: a força "espiritual" da absoluta integridade artística, integridade que talvez tenha sido ilustrada nos conhecidos versos de Ricardo Reis:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Talvez não possa explicar melhor o que comentamos ontem, então sugiro esta entrevista que ilustra inequivocamente um pouco daquilo tudo. É o próprio Rubinstein, aos 90 anos, falando de sua arte. Vocês infelizmente não poderão comungar do vinho, a noite de luar, a piscina e o calor vexatório de ontem à noite, mas mesmo assim, acho que gostarão deste testemunho incomparável.
PS: Melhor: tenho certeza que gostarão. Nos dias de hoje, é fácil sentir "vergonha alheia"; este vídeo me dá a sensação contrária, de "orgulho alheio". Dê a si este presente e assista. Veja como podemos ser nobres.
Estou no Rio e, como sempre quando na cidade, é momento de rever amigos, reavaliar referências, cultivar nostalgias.
Ontem ao jantar, comentávamos todos sobre as novidades nada felizes do mercado recente - e entre os tantos "causos" típicos da mesquinharia de nosso meio musical, o mais triste deles, a controversa saída do maestro Tibiriçá do projeto de Heliópolis.
Logo depois, como que ironicamente, pudemos rever algumas horas de gravações extraordinárias - o que afinal é nosso passatempo predileto quando estou na Babilônia Maravilhosa. Retomamos um dos grandes cavalheiros do piano do século XX, o mestre Arthur Rubinstein.
Pouco a pouco, conforme subia o nível etílico e com ele minha melancolia, me dei conta de nossa miséria, exatamente ao entender uma época não tão distante onde a música era espaço para pessoas menos boçais e mais generosas. Para muito além de um dos mais inspiradores artistas do piano, maestro Rubinstein era (palavra old fashion) um gentleman. À luz das peripécias indecorosas dos nossos artistas - quase todos gênios do marketing ou mestres da política -, Arthur Rubinstein talvez nunca tenha sido tão jovem. E sua juventude é sua "precisão": quando buscamos nos palcos algo a admirar, seguimos sempre ao encontro daquilo que Rubinstein e tantos outros do passado preservavam cuidadosamente: a força "espiritual" da absoluta integridade artística, integridade que talvez tenha sido ilustrada nos conhecidos versos de Ricardo Reis:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Talvez não possa explicar melhor o que comentamos ontem, então sugiro esta entrevista que ilustra inequivocamente um pouco daquilo tudo. É o próprio Rubinstein, aos 90 anos, falando de sua arte. Vocês infelizmente não poderão comungar do vinho, a noite de luar, a piscina e o calor vexatório de ontem à noite, mas mesmo assim, acho que gostarão deste testemunho incomparável.
PS: Melhor: tenho certeza que gostarão. Nos dias de hoje, é fácil sentir "vergonha alheia"; este vídeo me dá a sensação contrária, de "orgulho alheio". Dê a si este presente e assista. Veja como podemos ser nobres.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Feliz Natal
Por Leandro OLiveira
O Natal é uma oportunidade que assumo com seriedade por motivos muito particulares. É que não sou católico, nem apropriadamente cristão; apenas me esforço diariamente para entender a dimensão transcendental de beleza e felicidade deste mistério que milhares de gerações nos legaram com tanto zelo. Este legado nos foi transmitido com um enorme esforço, um esforço que nos permite estar aqui como estamos hoje: discutindo as coisas do passado e do futuro num pequeno site na internet.
O nascimento de Cristo, a encarnação de Deus que através de Sua palavra, crucificação e ressurreição liberta o Homem, merece mais que uma gloriosa celebração. Afinal, é esta mitologia fundamental que nos revelará a Mensagem da individuação através do Amor absoluto, aquela que querendo ou não, gostando ou não, permite reconhecermo-nos Ocidentais.
O Natal é uma maneira singela de me fazer lembrar a dimensão de Sua presença.
Entre as grandes obras da nossa cultura dedicadas a este momento especial, o "Oratório de Natal" de Johann Sebatian Bach. Abaixo segue minha gravação preferida desta obra prima: o vídeo eu conheço há pelo menos quinze anos e não assistia desde então; encontrei-o neste pequeno milagre que é o youtube.
"Alegrai-vos, regozijai, ide, louvai estes dias!
Bendizei o que o Altíssimo realizou hoje!
Deixai as queixas, apartai o pranto,
Prorrompei cheios de júbilo e alegria!
Ofertai ao Altíssimo canções de louvor,
Honremos pois o nome do Senhor!"
Feliz Natal a todos!
O Natal é uma oportunidade que assumo com seriedade por motivos muito particulares. É que não sou católico, nem apropriadamente cristão; apenas me esforço diariamente para entender a dimensão transcendental de beleza e felicidade deste mistério que milhares de gerações nos legaram com tanto zelo. Este legado nos foi transmitido com um enorme esforço, um esforço que nos permite estar aqui como estamos hoje: discutindo as coisas do passado e do futuro num pequeno site na internet.
O nascimento de Cristo, a encarnação de Deus que através de Sua palavra, crucificação e ressurreição liberta o Homem, merece mais que uma gloriosa celebração. Afinal, é esta mitologia fundamental que nos revelará a Mensagem da individuação através do Amor absoluto, aquela que querendo ou não, gostando ou não, permite reconhecermo-nos Ocidentais.
O Natal é uma maneira singela de me fazer lembrar a dimensão de Sua presença.
Entre as grandes obras da nossa cultura dedicadas a este momento especial, o "Oratório de Natal" de Johann Sebatian Bach. Abaixo segue minha gravação preferida desta obra prima: o vídeo eu conheço há pelo menos quinze anos e não assistia desde então; encontrei-o neste pequeno milagre que é o youtube.
"Alegrai-vos, regozijai, ide, louvai estes dias!
Bendizei o que o Altíssimo realizou hoje!
Deixai as queixas, apartai o pranto,
Prorrompei cheios de júbilo e alegria!
Ofertai ao Altíssimo canções de louvor,
Honremos pois o nome do Senhor!"
Feliz Natal a todos!
Pergunte ao Julio Lemos
Por Julio Lemos
Poderia expor a sua opinião a respeito do sucesso que vem obtendo os livros de auto-ajuda? Não há nada que se possa salvar nos escritos de, v.g., Paulo Coelho ou Zíbia Gaspareto? Agradeço desde já por responder.
Eles são fáceis de ler, iludem pessoas que querem ser enganadas e podem ser encontrados em qualquer livraria. Gostei muito do comentário forte de Woody Allen no seu último filme (You Will Meet a Tall Dark Stranger); ele mostra como o auto-engano faz sucesso como consolo ilusório, e o quão ridículo é. Algumas pessoas se beneficiam disso e, por esse motivo, nunca ataquei ninguém conhecido por ler essas coisas. Indicaria aquele livro do G. Reale "Mais Platão e menos Prozac". Mas não posso afirmar que não há nada que se possa salvar nesses livros; acho improvável, contudo. Cada um responda à sua consciência pelo emprego do seu tempo e pela qualidade de suas leituras.
Jesus Cristo comia carne, o que os veggies cristãos radicais têm a dizer sobre isso?
Quase todos se calam; mas alguns ainda tentam justificar que Cristo apenas estava contemporizando a galera para não chocar. Há passagens na Patrística defendendo a superioridade do vegetarianismo, mas - até onde li - sempre com um tom de penitência, e não de humanização dos animais. Várias ordens religiosas (entre as mais duras: cartuxos alemães, carmelitas descalços, trapistas e sei lá mais quem) têm como regra a abstenção de carne, mas por jejum. Quando almoçam fora - e em alguns casos há exceções em certos dias, em que comem carne dentro do mosteiro - não rejeitam a carne. O cabeça dos trapistas no Brasil - insuspeitos de contemporização -, quando vem a SP, sempre vai a uma churrascaria. E o homem é dos mais eruditos sujeitos reclusos vivendo no país (acho que ele é nova-iorquino). O vegetarianismo como superioridade é uma das teses mais gnósticas e anti-cristãs de que tive notícia. Eu já fui vegetariano e tenho certeza de que aquilo era pura vaidade e puritanismo.
"O uso de três verbos é sempre indício de português ruim." Mas quando se usa a locução verbal com "deveria" (deveria ter feito, deveria ter escolhido, etc.), não há alternativa.
Sim, sim. Quando não há alternativa é isso, não há alternativa :)
Neoliberais traçam paralelos entre nazi/fascismo e comunismo. Apesar do autoritarismo em comum, muitas manifestações nazifascistas eram justa e enfaticamente contra o comunismo. Fachada? Paradoxal? Como explicar?
O paralelo é perfeitamente legítimo. Há tanto em comum entre essas idéias (e práticas!) que dá até sono tentar diferenciar. A oposição era semelhante à diferença entre anarquistas e socialistas, entre socialistas e comunistas, etc etc etc. Todos utópicos, estúpidos, violentos e bregas.
Pois é. Sempre achei estranho ler uma apologia à intervenção estatal máxima nos textos do Mussolini e vê-lo atacando o marxismo. Pensei mesmo que fosse jogo de palavras. Valeu, Julio.
Ele e Hitler estavam intoxicados de marxismo, mais que de qualquer outra coisa. Ambos eram socialistas genuínos, com matizes diferentes (racialistas, nacionalistas). A luta nazifascista era meramente sectária.
Para fazer parte do "Pergunte ao Julio Lemos", clique aqui.
Poema de Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987). "Poema de Sete Faces" foi escrito no dia de Natal de 1928 e publicado em "Alguma poesia" (1930) o primeiro livro de Drummond.
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987). "Poema de Sete Faces" foi escrito no dia de Natal de 1928 e publicado em "Alguma poesia" (1930) o primeiro livro de Drummond.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Whisky leaks
Among the things that have come out in the WikiLeaks documents is that the king of Saudi Arabia has a more realistic understanding of the enormous dangers of an Iranian nuclear bomb than does the President of the United States.
Thomas Sowell
Thomas Sowell
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Funcionamento geral e 2011
por Leandro Oliveira
Entramos no período final de 2010 e o ritmo de postagem, conquanto siga de alguma forma, deverá reduzir sua velocidade.
Sempre que possível vou publicar um ou outro post. Mas as férias merecidas deste que vos escreve é contemporânea a compromissos vários dos outros editores: Edu Wolf anda ligeiramente atrasado com trabalhos e traduções, Julio Lemos finaliza questões doutorais.
Em breve, publicaremos informações sobre os próximos cursos - aliás, querendo realizar o cadastro para receber notícias deles, mande email para cursos@estudiodecultura.com.br.
Sigo na labuta - mas agora com a brisa do mar!
Entramos no período final de 2010 e o ritmo de postagem, conquanto siga de alguma forma, deverá reduzir sua velocidade.
Sempre que possível vou publicar um ou outro post. Mas as férias merecidas deste que vos escreve é contemporânea a compromissos vários dos outros editores: Edu Wolf anda ligeiramente atrasado com trabalhos e traduções, Julio Lemos finaliza questões doutorais.
Em breve, publicaremos informações sobre os próximos cursos - aliás, querendo realizar o cadastro para receber notícias deles, mande email para cursos@estudiodecultura.com.br.
Sigo na labuta - mas agora com a brisa do mar!
The Crack up
Of course all life is a process of breaking down, but the blows that do the dramatic side of the work -- the big sudden blows that come, or seem to come, from outside -- the ones you remember and blame things on and, in moments of weakness, tell your friends about, don’t show their effect all at once. There is another sort of blow that comes from within -- that you don’t feel until it’s too late to do anything about it, until you realize with finality that in some regard you will never be as good a man again. The first sort of breakage seems to happen quick -- the second kind happens almost without your knowing it but is realized suddenly indeed.
Scott Fitzgerald (1896 - 1940). Ensaio original da Esquire Magazin na íntegra aqui.
Scott Fitzgerald (1896 - 1940). Ensaio original da Esquire Magazin na íntegra aqui.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Marsílio Ficino e DEUS: uma abordagem metafísica
Dando seguimento à apresentação do filósofo do renascimento italiano Marsilio Ficino, Talyta apresenta um problema metafísico da mais alta conta.
Por Talyta Carvalho
Como prometi no post anterior sobre Marsílio Ficino, este post tem a intenção de “pincelar” algumas noções do que poderíamos determinar como o conceito de Deus na obra intitulada Teologia Platônica pelo filósofo. O leitor já passou comigo pela etapa árdua da conversa, aquela dos constrangimentos de minha parte, estão lembrados? Consideremos aquele post inicial como preliminar (em todos os sentidos), agora cumpre levar a tarefa à cabo: falemos de metafísica. Serei gentil e delicada - prometo que não vai doer nadinha.
Gostaria que assumissem Deus como Unidade, Verdade e Bondade. Ficino faz a demonstração no livro II, mas aqui vamos fingir que tudo mundo sabe disso (que os Transcendentais formam o princípio universal, e que nele unidade, verdade e bondade são a mesma coisa), pois do contrário escrever este post seria uma tarefa impossível. Bem, o que significa dizer que Deus é o princípio universal? Para Ficino, significa dizer que Deus é o primum in aliquo genere (aquele que possui a essência do universal e a comunica aos outros membros do gênero). É aquele que existe por si mesmo, perfeito e causa de seu gênero. Deus é o primeiro princípio, portanto o primum por excelência uma vez que é o primum do gênero Ser. Daí não podermos aceitar a hipótese de que um politeísmo seja verdadeiro.
Corrigindo Baudelaire
Por Leandro Oliveira
Charles Baudelaire em "Higyène":
A chaque minute nous sommes écrasés par l'idée et la sensation du temps. Et il n'y a que deux moyens pour échapper à ce cauchemar : le plaisir et le travail. Le plaisir nous use. Le travail nous fortifie. Choisissons.
Comentário de uma amiga dileta, já em clima de Ano-Novo:
Ói, seu Baudelaire, me deixe. Não escolho não, quero de tudo!
Charles Baudelaire em "Higyène":
A chaque minute nous sommes écrasés par l'idée et la sensation du temps. Et il n'y a que deux moyens pour échapper à ce cauchemar : le plaisir et le travail. Le plaisir nous use. Le travail nous fortifie. Choisissons.
Comentário de uma amiga dileta, já em clima de Ano-Novo:
Ói, seu Baudelaire, me deixe. Não escolho não, quero de tudo!
sábado, 18 de dezembro de 2010
Os Outros Nomes de Aslan
por Ieda Marcondes
Alguns acreditam que os filmes de antigamente, como conjunto de produção, eram muito melhores do que os que são feitos hoje em dia. Apesar da idéia parecer facilmente defensável apenas citando alguns poucos títulos, eu não acredito totalmente nisto. Acredito que conhecemos filmes de antigamente porque estes sobreviveram, porque foram escolhidos e perpetuados através dos tempos justamente por serem bons. Acredito que deveria haver muita coisa ruim que, a não ser que nos tornemos pesquisadores ferrenhos, simplesmente não tomamos ou sequer tomaremos conhecimento. Da mesma forma, não é possível que todos os filmes de um determinado país sejam bons porque os que conhecemos, se é que conhecemos, são alguns poucos selecionados, por festivais, por críticos, etc., por serem coisas dignas de nota ou mesmo extraordinárias. Tudo que há de ruim costuma ser esquecido, escondido - e muito justamente. Os clássicos são clássicos porque diferem dos demais, se destacam de todo o resto. Não é possível que tudo em determinada época ou lugar seja um clássico. Há de haver coisa ruim também. Mas se podemos considerar que os filmes de antigamente são melhores, levando em conta de que filmes são reflexos culturais de determinadas épocas, podemos dizer também que os filmes de agora são piores porque as pessoas são piores. Contra isto, eu já não tenho muitos argumentos.
Os três filmes de Nárnia, baseados na obra de C. S. Lewis, tentam formar, talvez de forma tristemente solitária, pessoas melhores. Pessoas mais fortes, com convicções, que não cederão às tentações freqüentes e farão sempre o melhor – pois esta é a atitude de reis e rainhas. O último filme, “As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada” pode não ter a novidade do primeiro ou a força do segundo, não é tão bem escrito ou mesmo filmado, mas ainda é um excelente formador de caráter. Algo que forma o caráter não precisa, é claro, ser chato e instrutivo. Os melhores contos são aqueles capazes de instruir aos homens, de prover exemplos a serem seguidos, mas também de divertir, de emocionar, pois é a emoção que atravessa todas as camadas do espectador e traz à tona seu coração, suas memórias e mesmo seu intelecto. Não há como ensinar com frieza, com distanciamento. Brecht estava errado.
Há um personagem novo que vai para Nárnia em “Viagem do Peregrino”, o primo chato dos Pevensies, Eustace, que, apesar da pouca idade, é um racionalista convicto. Mesmo ao se deparar com um rato e um minotauro que falam, ele acredita que estão todos loucos, que aquilo não pode ser real porque não há lógica. Ele não percebe que a realidade não tem nada a ver com razão ou lógica, que a realidade é simplesmente real. Ele é o ateu. É o bobo que não sabe o que todo mundo sabe, que não acredita no que ele mesmo pode ver ou tocar. Mas, no filme, ele é o primeiro a ver Aslan. Não porque merecesse, mas talvez porque fosse o que mais precisasse. Entre os Pevensies, ele é o personagem mais moderno, mais atual de todos. Ele é arrogante, esnobe, precoce – como muitas pessoas que conhecemos. Eustace é importante ao filme porque, apesar de Lucy e Edmund também enfrentarem seus próprios demônios, eles conhecem Aslan, eles sabem do que ele é capaz. O primo chato, ainda não. E sempre haverá primos chatos.
Ao final do filme, Aslan diz à Lucy, que não retornará novamente a Nárnia, que ele tem outro nome no mundo real. Que conhecê-lo em Nárnia ajudaria a identificá-lo e encontrá-lo no mundo real. Isto resume a importância da arte, da literatura, do cinema; conhecer Deus na ficção para encontrá-lo na realidade. Lucy chora e abraça Aslan da mesma forma que faríamos com determinados livros, determinados filmes, porque sabemos que são de certa forma sagrados e que não podemos esquecê-los jamais, porque nos trouxeram algo de valioso, algo de verdadeiro. Ao fechar um livro ou sair de uma sala de cinema, precisamos saber reconhecer constantemente na vida real aquilo que um dia nos pareceu sagrado, importante, bom. E apenas querer isto já nos torna melhores.
Diversão para adultos
Por Rodrigo de Lemos
Quaisquer que sejam as suas opiniões políticas e religiosas sobre Alain (isso supondo que no Brasil de hoje alguém ainda as tenha), os "Propos sur l’éducation" têm lá seu brilhantismo. Num dos melhores propos do livro (o quinto), Alain critica o gosto dos pedagogos da época, e não só da época, pelo “lúdico”; para ele (assim como para qualquer um que já tenha dado dois minutos de reflexão ao problema da educação), todo prazer superior, espiritual, só pode ser conquistado com um esforço intelectual a que o aluno deve ser acostumado desde a primeira infância. Assim, para o estudo das artes e da literatura, Alain recomendava que a criança começasse exatamente por aquilo que ela não vai entender - Corneille, Hugo, Rafael:
Or, dès que nous nous approchons des pensées réelles, nous sommes tous soumis à cette condition de recevoir d'abord sans comprendre, et par une sorte de piété. Lire, c'est le vrai culte, et le mot culture nous en avertit. L'opinion, l'exemple, la rumeur de la gloire nous disposent comme il faut. Mais la beauté encore mieux. C'est pourquoi je suis bien loin de croire que l'enfant doive comprendre tout ce qu'il lit et récite. Prenez donc La Fontaine, oui, plutôt que Florian ; prenez Corneille, Racine, Vigny, Hugo.
Mais cela est trop fort pour l'enfant ? Parbleu, je l'espère bien. Il sera pris par l'harmonie d'abord. Écouter en soi-même les belles choses, comme une musique, c'est la première méditation. Semez de vraies graines, et non du sable. Qu'ils voient les dessins de Vinci, de Michel-Ange, de Raphaël ; et qu'ils entendent Beethoven dans leur berceau.
Valéry conta que, no liceu, detestava absolutamente Racine; foi só quando adulto, relendo "Bajazet" e "Andromaque" e "Athalie", que começou a apreciar o fluir do alexandrino raciniano, chegando mesmo a erigi-lo como modelo de perfeição.
Aparentemente, o caso de Valéry desmente as idéias de Alain. Como explicaria o pedagogo contemporâneo da minha imaginação (e, temo, não só dela), Valéry quando criança foi confrontado com um texto superior à sua capacidade intelectual à época, e “ninguém consegue gostar do que não entende” é um chavão que todos já devemos ter ouvido mais de uma vez. Mais tarde, homem maduro, com uma sensibilidade poética desenvolvida, ele conseguiu perceber e apreciar as qualidades de Racine.
Quaisquer que sejam as suas opiniões políticas e religiosas sobre Alain (isso supondo que no Brasil de hoje alguém ainda as tenha), os "Propos sur l’éducation" têm lá seu brilhantismo. Num dos melhores propos do livro (o quinto), Alain critica o gosto dos pedagogos da época, e não só da época, pelo “lúdico”; para ele (assim como para qualquer um que já tenha dado dois minutos de reflexão ao problema da educação), todo prazer superior, espiritual, só pode ser conquistado com um esforço intelectual a que o aluno deve ser acostumado desde a primeira infância. Assim, para o estudo das artes e da literatura, Alain recomendava que a criança começasse exatamente por aquilo que ela não vai entender - Corneille, Hugo, Rafael:
Or, dès que nous nous approchons des pensées réelles, nous sommes tous soumis à cette condition de recevoir d'abord sans comprendre, et par une sorte de piété. Lire, c'est le vrai culte, et le mot culture nous en avertit. L'opinion, l'exemple, la rumeur de la gloire nous disposent comme il faut. Mais la beauté encore mieux. C'est pourquoi je suis bien loin de croire que l'enfant doive comprendre tout ce qu'il lit et récite. Prenez donc La Fontaine, oui, plutôt que Florian ; prenez Corneille, Racine, Vigny, Hugo.
Mais cela est trop fort pour l'enfant ? Parbleu, je l'espère bien. Il sera pris par l'harmonie d'abord. Écouter en soi-même les belles choses, comme une musique, c'est la première méditation. Semez de vraies graines, et non du sable. Qu'ils voient les dessins de Vinci, de Michel-Ange, de Raphaël ; et qu'ils entendent Beethoven dans leur berceau.
Valéry conta que, no liceu, detestava absolutamente Racine; foi só quando adulto, relendo "Bajazet" e "Andromaque" e "Athalie", que começou a apreciar o fluir do alexandrino raciniano, chegando mesmo a erigi-lo como modelo de perfeição.
Aparentemente, o caso de Valéry desmente as idéias de Alain. Como explicaria o pedagogo contemporâneo da minha imaginação (e, temo, não só dela), Valéry quando criança foi confrontado com um texto superior à sua capacidade intelectual à época, e “ninguém consegue gostar do que não entende” é um chavão que todos já devemos ter ouvido mais de uma vez. Mais tarde, homem maduro, com uma sensibilidade poética desenvolvida, ele conseguiu perceber e apreciar as qualidades de Racine.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Do perdão e outros demônios
Por Leandro OLiveira
O vocalista do grupo Simply Red, Mick Hucknall, fez um pedido público de desculpas em entrevista para o jornal inglês The Guardian. As desculpas são endereçadas às cerca de mil mulheres (!) com quem ele calcula ter dormido enquanto desfrutava o auge do sucesso.
O mundo é um pouco louco e, embora não possamos duvidar da sinceridade do Hucknall, é claro que tem algo de artificioso ou leviano na declaração pública de um pedido de desculpas sobre coisas sentimentais. Afinal este verdadeiro Don Giovanni contemporâneo não deve nada ao público do Simply Red ou a nós, posto que nada do que ele fez nos custou um centavo ou hora de sono. Deve desculpas às meninas e à sua família que foi magoada.
O que me ligou na notícia foi outra coisa: a natureza do perdão.
Afinal, pedimos desculpas para que aquele ofendido se sinta aliviado, não por nós mesmos. Aquele que ofende pode ter talvez um alívio de segunda mão, ao reconhecer no perdão do próximo a superação da ofensa mas jamais poderá, em seus pedidos de desculpas, aliviar-se por si. Nas palavras de Borges "não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me." Então, como salvar-me - ou, colocando em termos menos místicos, como ter as falhas e culpas "lavadas", largar a bola de pedra da foto acima?
Atualmente, o mecanismo utilizado pela elite intelectual ocidental é cruel ao tentar descaracterizar a culpa como um sentimento nobre. Ela seria mais uma "construção da sociedade burguesa" etc e tal. Nada disso me importa: sei que quando machuco pessoas que amo me sinto mal, e sei que é bom sentir-me mal quando faço mal aos outros; ou seríamos uma sociedade de psicopatas.
Reiteradamente uma solução se coloca: o esquecimento, "o único perdão". Mas o esquecimento tampouco seria um caminho de duas vias. Esquecer, neste sentido, é ser esquecido, esquecer é morrer completamente. É ser não uma "falta que não é a ausência" como aquela do poema de Drummond, mas a falta que é a ausência, o nada ou um sonho da memória.
Esquecer é vingar-se.
A propósito: vocês viram este filme melancólico que é "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" (a música, com Beck, chama-se "Everybody gotta learn sometimes...")?
O filme trata disso e, curiosamente, revelando seu problema sugere uma solução. Parte da idéia de uma máquina do esquecimento como a saída daqueles que sofrem por amor, incapazes de perdoar. Mas, caminho imperfeito, o esquecimento com todas suas dores e perdas não liberta o espírito. Só a consciência o permite, e a liberdade do espírito é a possibilidade da escolha - mesmo que, como no caso do filme, a escolha do reencontro. Ao fim e ao cabo, Joel e Clementine não precisam esquecer quem são ou o que fizeram para seguir juntos. Seu perdão é uma aposta, uma aposta de um no outro. Pedir perdão parece ser pedir para que os votos de confiança se renovem.
Para encerrar este post que começa a ficar anárquico: o nome do filme "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", é retirado do verso de um belíssimo poema de Alexander Pope que deve ser lido absolutamente. Chama-se Eloisa to Abelard e é inspirado na triste história de amor de Heloise d'Argenteuil e Peter Abelard, figuras reais - ele um professor de lógica, ela sua aluna dileta - que apaixonados não conseguem viver o amor, impossível pelas circunstâncias e... ah, mas isso é outra história.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Bruckner, crítica e um místico
Por Leandro Oliveira
A música de Bruckner tem sido motivo de diversas controvérsias, desde o tempo quando o autor era ainda um pouco conhecido professor do Conservatório de Viena. Comenta Sigmund von Hausegger:
Como no "Caso Wagner", os partidários e oponentes de Bruckner fizeram uso livre do tipo de exagero que serve para aguçar antagonismos pessoais mais do que clarear as questões de fato envolvidas. (...) Compositores assim como críticos litigaram com opiniões extravagantes, e ali a linha demarcatória seguia de maneira muito próxima a divisão entre 'brahmsianos' e 'wagnerianos'. Wagner aceitou de Bruckner a dedicatória da Terceira Sinfonia, convidou-o a Bayreuth e abençoou como 'o único sinfonista que se aproxima de Beethoven...' No terreno de Brahms, armas erguidas, mesmo o compositor, usualmente reticente quanto a controvérsias públicas, comentou em algum momento: 'Bruckner? Este é uma fraude que será esquecida um ano ou dois depois de minha morte.... Após a morte de Wagner seu partido naturalmente precisa de outro papa, e eles tramam de forma a não restar nada melhor que Bruckner. Você realmente acha que alguém nessa massa imatura tem a menor noção do que estes selvagens são?' Bastaria ainda este que é o cúmulo da extravagância, publicado por um dos mais admiravelmente distantes e críticos dos compositores, Hugo Wolf - 'um toque de cimbale em Bruckner vale mais a pena do que todas as sinfonias de Brahms, com suas serenatas jogadas ao largo' - para demonstrar a dimensão como o partidarismo acrítico e subjetivo dominava o julgamento musical.
Até hoje a controversia segue, não só no terreno da avaliação da composição, mas ainda da leitura de sua música. Sergiu Celibidache chegou a dizer
Há regentes brucknerianos que nunca tocaram uma sinfonia de Bruckner! São como pilotos de camelo que jamais entenderão qualquer coisa sobre Bruckner.
Ai, doeu né? Mas olhando o sujeito preparar a Sinfonia nª9 de Bruckner, não temos como não tirar o chapéu.
A Osesp executa esta semana a Sinfonia nº 9 em ré menor, WAB 109 de Anton Bruckner (1824 - 1896).
A música de Bruckner tem sido motivo de diversas controvérsias, desde o tempo quando o autor era ainda um pouco conhecido professor do Conservatório de Viena. Comenta Sigmund von Hausegger:
Como no "Caso Wagner", os partidários e oponentes de Bruckner fizeram uso livre do tipo de exagero que serve para aguçar antagonismos pessoais mais do que clarear as questões de fato envolvidas. (...) Compositores assim como críticos litigaram com opiniões extravagantes, e ali a linha demarcatória seguia de maneira muito próxima a divisão entre 'brahmsianos' e 'wagnerianos'. Wagner aceitou de Bruckner a dedicatória da Terceira Sinfonia, convidou-o a Bayreuth e abençoou como 'o único sinfonista que se aproxima de Beethoven...' No terreno de Brahms, armas erguidas, mesmo o compositor, usualmente reticente quanto a controvérsias públicas, comentou em algum momento: 'Bruckner? Este é uma fraude que será esquecida um ano ou dois depois de minha morte.... Após a morte de Wagner seu partido naturalmente precisa de outro papa, e eles tramam de forma a não restar nada melhor que Bruckner. Você realmente acha que alguém nessa massa imatura tem a menor noção do que estes selvagens são?' Bastaria ainda este que é o cúmulo da extravagância, publicado por um dos mais admiravelmente distantes e críticos dos compositores, Hugo Wolf - 'um toque de cimbale em Bruckner vale mais a pena do que todas as sinfonias de Brahms, com suas serenatas jogadas ao largo' - para demonstrar a dimensão como o partidarismo acrítico e subjetivo dominava o julgamento musical.
Até hoje a controversia segue, não só no terreno da avaliação da composição, mas ainda da leitura de sua música. Sergiu Celibidache chegou a dizer
Há regentes brucknerianos que nunca tocaram uma sinfonia de Bruckner! São como pilotos de camelo que jamais entenderão qualquer coisa sobre Bruckner.
Ai, doeu né? Mas olhando o sujeito preparar a Sinfonia nª9 de Bruckner, não temos como não tirar o chapéu.
A Osesp executa esta semana a Sinfonia nº 9 em ré menor, WAB 109 de Anton Bruckner (1824 - 1896).
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
QUEM AQUI NÃO TEVE UMA NAMORADINHA QUE TEVE QUE ABORTAR?
Sérgio Cabral, candidato reeleito Governador do Rio de Janeiro é, antes de tudo - e a despeito de sua competência ou incompetência, não entraremos no mérito - é antes de tudo, dizíamos, um falastrão. Sua última máxima é uma mínima. Talyta Carvalho discute o caso.
por Talyta Carvalho
Sou jovem, mulher, namorada, filha e tento ser “filósofa-intelectual-acadêmica”. Sou uma daquelas garotas que as pessoas olham com a impressão (pouco importa se certa ou errada) de que à minha frente há um mundo de possibilidades, de coisas a serem vividas, de vitórias a serem conquistadas. Obviamente, não atingi nenhum ápice na vida ainda, seja ele o ápice pessoal ou profissional. A rigor, ainda não cheguei a lugar algum; muito embora pareça que a tendência é que um dia eu chegue, afinal, recebi os instrumentos para tanto. Imagine você leitor, o que uma gravidez acidental poderia representar neste exato momento da minha vida, que ao que tudo indica, caminha para um belo futuro?
Falo hipoteticamente, é claro. Sei que o leitor sabe que não estou, de fato, grávida. Apenas quis apontar o lugar de onde falarei sobre o polêmico tópico da legalização do aborto. Quis apenas que ficasse claro que, como se diz na Academia, tenho “capital simbólico” para discutir o assunto. Não pretendo fazer propaganda, não pretendo convencer ninguém da minha opinião, não pretendo fazer circo algum pegar fogo. Nunca quis escrever sobre este assunto, recuso propostas de falar sobre o tema, e nunca debato minha opinião fora do pequeno círculo de amigos próximos que tenho. Mas hoje eu vou falar sim neste assunto. Escrevo este post porque tem coisas quem ficam “entaladas” na garganta ao longo dos anos, e um dia a gente cansa de se omitir e dar espaço para que toda sorte de pessoas fale sem discernimento algum de coisa séria. Sim, aborto é coisa muito séria. Tão séria que é lamentável que a discussão gire em torno de argumentos que partem de certa “positividade e objetividade da lei”, o que quer que queiram dizer com isso. Já aviso: sou contra. Se você é a favor e se irrita com pessoas que, como eu, se recusam a passar a mão em sua cabeça como quem diz que “tudo bem fazer isso”, acha “evoluído” um país que aprova a legalização, e ainda que “a mulher tem direito de escolha sobre seu corpo”, uma dica: não continue lendo este texto. Você apenas irá ficar bravo(a) e sentir desprezo por uma pessoa como eu que não “entende” e não “respeita” o tal direito de escolha (“aliás, como pode uma menina esclarecida, estudada, pensar assim??”).
Antes de qualquer coisa: simpatizo com o sofrimento de mulheres que se encontram diante da agonia de uma gravidez indesejada; Eu mesma já passei pelo drama de suspeitar estar grávida de um namorado e me pegar angustiando o que eu poderia fazer para “resolver” a situação caso ela se confirmasse. Claro que a possibilidade de um aborto sempre passa pela cabeça de qualquer uma quando se vive o impasse na pele; perturbam sua cabeça questões como “meu namorado não quer esse filho, é justo o bebê não ter pai?”, “minha família vai me matar se eu disser que estou grávida”; “até quero ter filhos, mas o momento é péssimo, mal comecei minha vida, e um bebê agora vai mudar tudo”. A realidade é que nunca estive grávida, mas essas perguntas povoaram minha cabeça antes do teste resultar negativo. Eis aqui uma verdade inconveniente: decidir manter ou não uma gravidez é sempre uma decisão tomada em meio ao desespero. Uma mulher que diga ser capaz de decidir sobre isto baseada na reflexão e nas “conversas” com especialistas (médicos, assistentes sociais, psicólogos) e na ponderação do que é o “melhor” pra si, mente. É uma decisão terrível de ser tomada, e em uma instância, determinada principalmente por um afeto: medo.
Acho hipócrita gente que diz que é “hipócrita a discussão de aborto no país, que o Estado deve dar suporte a mulher pobre que faz aborto em clínica clandestina, blábláblá”. Mais ainda se quem fala é um homem. Homem que defende aborto alegando que o faz porque acha que a “mulher tem ser ouvida” e deve “ter direito sobre seu corpo” sempre soa a mim como um canalha. Ao menos tenha a coragem de admitir que você é a favor do aborto porque quer respaldo legal para não assumir a “bomba” que é a gravidez indesejada de sua namorada, amante, ficante ou caso de uma noite, e assim induzi-la a tirar o seu do reta sem pegar muito mal para você.
Aborto não é medida que se tome para não ter filhos em momentos indesejados. Todo mundo que transa sabe que pode ter uma surpresa rosinha e chorona depois de nove meses. Não é crime algum adiar, mesmo que para sempre, a maternidade: para isso é que existem os mais variados métodos contraceptivos. E se ainda assim vier um baby não desejado que poderá colocar todos seus sonhos abaixo ou ainda o qual você não terá condições de criar e sustentar, sempre há a opção de dá-lo para adoção: você não é obrigada por lei alguma a ser mãe de um bebê só porque você o gerou. O aborto não foi criminalizado, assim como o homicídio não foi criminalizado, por isso não aceito argumentos como o baseado na idéia de que a escolha deve ser permitida, algo como dizer “legalizando você assegura liberdade de escolha a todas as mulheres, se não concorda com a prática você tem o direito de não fazer. Quem quer faz, quem não quer não faz”. Isso me soa tão absurdo quanto dizer que se deve assegurar o direito dos cidadãos escolherem, por exemplo, em uma situação dramática qualquer, se cometem um homicídio ou não, sem que tenham de pagar em termos punição legal por isso. Sou a favor da vida, e a julgo inegociável.
Aborto não é mera questão de saúde pública. Converse francamente com uma mulher que tenha passado pela experiência (e antes que perguntem: sim, já conversei com muitas sobre isso, ricas e pobres). Em primeiro lugar, ela terá dificuldade de explicar como decidiu pelo aborto e, muitas vezes, fará referências a falas e conselhos de terceiros (em geral do pai, do namorado, amante, professora, analista) os quais ela desconfia que não deveria ter ouvido em um momento de tanta fragilidade e angústia. Em segundo lugar, por mais insensível que você seja, você vai notar com nitidez que o relato dela sobre a experiência exala uma percepção de que o que aconteceu naquele momento, naquela sala de uma clínica qualquer (clandestina ou super-higiênica e cara) foi uma violência com ela, e que antes fosse apenas uma violência física. Não conheço mulher alguma que tenha abortado e superado a experiência. Que ninguém se iluda pensando que é um ato que encerra ao final de um procedimento médico.
(EM TEMPO: Os postos de saúde distribuem gratuitamente camisinhas. Seu namorado, amante, caso de uma noite na balada, não tinham e não gostam de usar? Sem problemas -pelo menos no quesito “gravidez”. Advinha? Também distribuem anticoncepcionais de graça!!! Sim, você leu bem: DE GRAÇA!!! Quem diria, né?
EM TEMPO 2: No fundo no fundo, eu também acredito que a mulher tem direito sobre seu corpo: dá se quiser, se não quiser não dá. E também ingere remédios contraceptivos porque escolheu assim fazer e por ser “dona” de seu corpo pode muito bem impedir com essa atitude que outro ser ali se instale (em seu útero, precisamente) contra sua vontade. Mas uma vez que tenha escolhido (uma vez que há escolha) o risco de ter ou não outro ser como “inquilino”, aí já não há “direito sobre o corpo” que valha. Lembremos que são dois corpos agora, e embora tenha um “hóspede” indesejado em seu corpo, ela não tem direito sobre ele. Antes de tudo, ela “deixou” ele ali se instalar, sabia que poderia acontecer. Ele (o feto) é que tem direito sobre si. Então, que ele decida um dia após nascer se o melhor para ele é dar fim a sua vida ou não.)
De te fabula narratur(?)
Por Leandro Oliveira
Lt. Colonel Kilgore - You smell that? Do you smell that?
Soldier - What?
Kilgore - Napalm, son. Nothing else in the world smells like that. I love the smell of napalm in the morning. You know what, one time we had a hill bombed for twelve hours and when it was all over I walked up. We didn't find one of 'em, not one stinkin' dink body. The smell, you know that gasoline smell, the whole hill.... smelled like... victory. Someday this war's gonna end.
Lt. Colonel Kilgore - You smell that? Do you smell that?
Soldier - What?
Kilgore - Napalm, son. Nothing else in the world smells like that. I love the smell of napalm in the morning. You know what, one time we had a hill bombed for twelve hours and when it was all over I walked up. We didn't find one of 'em, not one stinkin' dink body. The smell, you know that gasoline smell, the whole hill.... smelled like... victory. Someday this war's gonna end.
As lentes particulares de Jan Troell
Um dos grandes cineastas de nosso tempo, em um pequeno perfil de Willian Silveira.
Por Willian Silveira
"Eu prefiro dizer que estive à luz de Bergman"
Tão ou mais raro que encontrar filmes que carregam a mesma assinatura na direção, no roteiro e na fotografia, é conhecer Jan Troell. O sueco nascido em Malmö, em 1931, manteve-se sempre ligado à fotografia. Ensaiou seus primeiros passos na sétima arte em 1962 ao assinar a direção de fotografia do curta "Pojken och draken" (algo como "O Menino e o Dragão"), de autoria do compatriota Bo Winderberg (1930-1997). A parceria parece ter dado certo e rendido bons frutos, o que garantiu que fosse repetida um ano depois no longa "The Baby Carriage" (Barnvagnen, 1963). A partir de então, interesses distintos fizeram com que Winderberg e Troell seguissem caminhos inconciliáveis. Enquanto o primeiro optou por dar seguimento à carreira trabalhando para a indústria do cinema e da televisão, o segundo entendeu que a única maneira de preservar a originalidade dos projetos cinematográficos era evitando que se transformassem em mercadoria à mercê dos estúdios, produtores e tantos outros interesses. Procedeu da forma que planejou e, em 1966, o isolamento - facilmente entendido por muitos como um suicídio - rendeu-lhe o lançamento de "Here's your life", adaptação de um romance dos anos 30 do poeta sueco e prêmio Nobel de Literatura Eyvind Johnson (1900 - 1976).
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Amnésia Cultural - Sérgio Bernardes
Por Leandro Oliveira
Foi com Sérgio Bernardes que aprendi uma das melhores tiradas que conheço - que uso até hoje quando estou com alguma pequena doença qualquer: "ah, se não mandarem abrir estou excelente!". Era como Sérgio lidava com sua saúde já debilitada ao final da vida, no mesmo espírito alegre e simples com que ao chegar cumprimentava - fazia questão - todos funcionários e convidados da casa.
Para muito além do maior arquiteto brasileiro de sua geração - qualquer comparação possível somente talvez com as maiores inspiraçoes de Zanini -, Sergio Wladimir Bernardes (1919 - 2002) era um gentleman de rara inteligência e sensibilidade. Lembro a primeira vez que nos vimos: conquanto ele tivesse quase oitenta e eu cerca de vinte, as perguntas vinham dele. Pareceu uma curiosidade sincera, que hoje sei fruto menos de qualquer carisma de minha parte que de sua generosidade ao perceber minha timidez. Fazia questão de deixar-me à vontade.
Desde aquele primeiro encontro pude ficar algum tempo próximo de sua família, principalmente sua esposa Kykah, e seus netos Mana e Pedro, em aniversários e pequenas viagens ao litoral. Nunca fiquei sabendo de fato quem era Sérgio, pois conviver com um gênio nos faz crer que ele é alguém como nós. Sérgio não era.
"Aquele país idiota, cheio de moleques..."
Como queria assinar os textos de Érico... Este é um post-desabafo, uma petição de princípios que, se aqui parece focado em problemas específicos da literatura, deve na verdade ser entendido à luz de toda produção cultural pátria. Desfrutem.
Por Érico Nogueira
Se há um país idiota, no sentido etimológico do termo - em grego, idiotés, ou um particular que de tão particular chega a ser autista, e é, pois, incapaz de compreender o lógos comum sobre que se assenta a pólis -, esse país é o Brasil, nação que em regra não consegue entender os pressupostos mais básicos da civilização ocidental. Disso sabiam os Garotos Podres; a isso refere-se o "se não é jabuticaba, e dá só no Brasil, então é besteira".
O ponto é: ensina-se poesia, aqui, como uma justificada sucessão de assassinatos, até que, finalmente, se chegue ao modernismo mais chinfrim, do tipo "amor: humor", como se chega ao paraíso. Imaginem um professor italiano dizendo que Ungaretti, sim, é que é bom, e aquele almofadinha do Carducci faz muito bem em ficar na penumbra; ou um francês dizendo que Apollinaire salvou a França do rendilhado de Gautier; um alemão afirmando que Celan estirpou a praga de Rilke... Seria caso de polícia, acreditem. No Brasil não; e a criançada continua aprendendo que "amor: humor" é A poesia brasileira de verdade, enquanto "Ora o surdo rumor de mármores partidos" não passa de afetação...
O que fundamenta essa brutalidade é uma certa idéia de Brasil, mais ou menos arraigada em todos nós: o Brasil é o seu povo, e o seu povo é espontâneo, leve e cordial; a poesia genuinamente brasileira, pois, deve ter essas características, sob pena de ser mera macaqueação de modelos estrangeiros. É um apanhado de absurdos - e absurdos xenófobos, criados pelo Sr. Getúlio Vargas e decantados nas canções de Ary Barroso... O pior, porém, não são eles: é a releitura deles em chave socialista, obra máxima do cachaceiro presidencial, que já vai tarde: o Brasil é o seu povo, e o seu povo, espontâneo, leve e cordial, depois de longa luta de classes chega finalmente ao poder para não mais sair. Tudo o que não for povo, pois, não é Brasil, é 'elite', e deve, ou bem abrasileirar-se, ou... Como se vê, trata-se da reedição do inesquecível "Brasil: ame-o ou deixe-o". Dá vontade de vomitar.
Concluindo: a sofisticação formal, em poesia, nunca foi tão política como hoje. É resistência contra a imbecilização. É afirmação do indivíduo contra a massa de idiotas.
Retirado de Ars Poetica.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Cultura i(n)-útil
Por Leandro Oliveira
Para defesa pessoal podemos considerar como arma todo o qualquer objeto que possa ser usado em resposta a uma agressão. São cinco os tipos de objetos de defesa.
1) Os de tipo "martelo" são aqueles que permitem maior rigidez no contato. Ou seja: eles são usados como algo que sirva em substituição ao próprio punho ou pé pela sua eficiência e dureza. Uma cadeira, um cinzeiro ou um telefone celular, a ponta do sapato: tudo que é rígido é útil para golpear o adversário. Use a imaginação.
2) Os de tipo "perfurante" são não só as pontas de faca mas também os furadores de gelo ("Instinto Selvagem"?), os saca rolhas, as canetas, os espetos de churrasco, as hastes de óculos e, claro, para as meninas, os prendedores de cabelo. Não importando o tamanho (o tamanho diz sobretudo da distância com relação ao adversário), atingindo o lugar certo - os olhos, por exemplo - fazem maravilhas!
3) Os de tipo "cortante" são usadas, como o nome diz, para cortar. Aqui a referência óbvia são as facas - mas lâminas de alumínio, cacos de vidro, garrafas quebradas podem ser excelentes. É fácil por exemplo fazer um corte profundo com pontas de brinquedos quebrados... depois eu mostro.
4) "Dispersivos" são usados para serem arremessados contra o adversário. Mas atenção: você não está brincando de beisebol, então seu objetivo não é levar ninguém a nocaute, mas tirar a atenção ou confundir. Serve tudo: boné, casaco, dinheiro, chaveiro, areia... ou mesmo o celular, a cadeira, o prendedor de cabelo e a caneta. O problema é: distrair seu agressor para quê? Aí mora o busílis. Pode ser para sair correndo, para dar uns sopapos... depende de sua disposição. Mas saiba, os dispersivos devem ser encadeados em outras ações, necessariamente; não vale jogar o vinho de sua taça na cara do sujeito para ver o que acontece. Adianto: isso não vai acalmá-lo.
5) Objetos do tipo "corda": fios elétricos, fio dental, cordas para pular na ginástica, pedaços de arame. Bons para amarrar, evidentemente, mas quem viu filmes de ação sabe alguns usos diferentes - há muitos outros!
Não se deve duvidar de tudo
Joel Pinheiro faz uma pequena reflexão - que bem poderia ser uma espécie de "editorial" de Ano Novo. Que venha 2011!
Por Joel Pinheiro da Fonseca
Três argumentos: o ético, o filosófico, e o econômico.
Por duvidar quero dizer negar assentimento a uma proposição e procurar razões pelas quais ela possa não ser verdadeira.
O ético: crenças (e aqui falo no sentido mais amplo: afirmações sobre a realidade assentidas pelo indivíduo) levam a ações. Ações podem ser boas ou más. Assim, duvidar de uma crença qualquer pode fazer com que não mais façamos uma boa ação, ou com que façamos uma má ação. Se um abolicionista potencial duvidasse de que negros são seres humanos, a causa abolicionista perderia muita importância para ele. A máxima de Hume “Daring in thought, conservative in action” até funciona para impedir atrocidades, mas falha para nos convencer a agir bem (para além da mediocridade esperada) quando esse agir bem depende de crenças das quais duvidamos.
Esse argumento, contudo, tem uma grande falha que é submeter crenças à moralidade, que incentiva antes a suposição de contos de fada coloridos para preservar certas boas ações do que a procura da verdade acima de tudo e, como conseqüência dela, a descoberta de uma ética baseada na realidade. Ainda assim, em casos pontuais parece-me uma consideração legítima; há vezes em que é melhor não duvidar.
O filosófico: mesmo para se formular uma dúvida é preciso aceitar alguns pressupostos (por exemplo, que há tal coisa como verdade e falsidade). Portanto, é impossível duvidar de tudo de uma vez só. Seria, contudo, possível duvidar de tudo uma coisa de cada vez? Tampouco, pois há certos princípios (o mencionado acima é um deles) que devem estar presentes em todo e qualquer ato de duvidar; e mais, em todo e qualquer ato de pensar. Não é possível ser e não ser, uma coisa é o que ela é, etc. Dessas não podemos duvidar, pois ao duvidarmos estaremos aceitando-as. Se se trata de uma conseqüência da estrutura da mente (e portanto sem relação com a realidade em si) ou de uma percepção básica e inescapável da realidade vai do feitio filosófico de cada um.
O econômico (e favorito): A vida humana é finita e os recursos são escassos. Não temos nem tempo nem capacidade de fazer tudo o que gostaríamos; devemos priorizar o que se nos apresenta como sendo o melhor. Algumas dúvidas levam-nos a questões interessantes e a trabalhos intelectuais altamente proveitosos; outras são estéreis e contribuem muito pouco para nossa busca da verdade (que é a finalidade de toda e qualquer dúvida real). Duvidar demanda tempo. Portanto, é preciso priorizar aquelas dúvidas que têm o maior benefício esperado (do nosso ponto de vista) e deixar de lado outras que, embora possam até guardar um certo interesse, não parecem muito relevantes.
Portanto, ao contrário do que se diz por aí, não se deve duvidar de tudo. Talvez deva-se estar disposto a duvidar de grande parte das coisas caso bons motivos apareçam para tanto.
Retirado de Terra à Vista. Publicado originalmente no excelente Protosophos.
Notícias de um lançamento. Dicta 6 - Bráulio e Padilha
Por Leandro Oliveira
É o Bráulio contando um pouco sobre a história do segundo Tropa de Elite. O lançamento foi um badalo extraordinário, e a discussão de muito bom nível. Os únicos surpreendidos foram os amigos intelecteco-tuais, blasés como não poderiam deixar de ser, admirados com a inteligência de Bráulio e Padilha. Eles achavam ainda que sucesso + cultura popular não daria caldo inteligente.
PAFT: SE LIGA MERMÃO!
Quer novidades? Ano que vem tem muito mais debates...
É o Bráulio contando um pouco sobre a história do segundo Tropa de Elite. O lançamento foi um badalo extraordinário, e a discussão de muito bom nível. Os únicos surpreendidos foram os amigos intelecteco-tuais, blasés como não poderiam deixar de ser, admirados com a inteligência de Bráulio e Padilha. Eles achavam ainda que sucesso + cultura popular não daria caldo inteligente.
PAFT: SE LIGA MERMÃO!
Quer novidades? Ano que vem tem muito mais debates...
domingo, 12 de dezembro de 2010
Amnésia Cultural - Márcio Montarroyos
Por Leandro Oliveira
Exatamente três anos atrás ficamos órfãos de Márcio Montarroyos.
Apesar da distância de nossa idade, formávamos um círculo muito próximo e eclético de amigos: ele e a Cris sua esposa linda, Cesarina Riso, Nelson Freire, Miguel Abrãao, Alberto Vescovi e Sabina (meus cumpadres), Alberto Nicolau, David Hadjes, o Rubens Farias, Marquinhos Portinari, Malena belíssima... Cada um de nós fazendo nossas vidas e escolhas cheias de erros e acertos, tentando discernir o que "no meio do inferno não é inferno" e seguindo em frente. Uníamo-nos por tardes inteiras, tardes que se tornavam dias e noites cheias de música e vida. Momentos despretensiosos e inesquecíveis.
Monta foi um amigo querido em uma fase muito importante da minha vida - aquela onde tomamos as decisões sobre o futuro profissional, sobre quem queremos ser e o que queremos deixar no mundo. Na verdade, sigo tomando diariamente tais decisões, mas a convivência com Marcinho me fez imaginar que era aquela alegria, inteligência e prazer permanente da arte que definitivamente eu deveria perseguir.
E segui meu caminho. Com minha transferência para São Paulo, o "mantra" da cidade caos acabou com a regularidade extraordinária daqueles dias extraordinários. Comecei a trabalhar com Neschling na Osesp, sai e voltei à Sala São Paulo e desde então sigo aqui meus dias trabalhosos e heróicos.
Alguns de nós nos distanciamos. Às vezes penso que tudo tratou-se de um sonho; às vezes acordo de sonhos que me fazem imaginar a vida como uma premonição e intuo que tudo retornará, que nos encontraremos todos nos preparativos de uma pescaria interminável, amarrando o bote à lancha que nos levará à luz do Sol e às nuvens leves de uma baía eterna. Ali ouviremos uma sonata de Beethoven e o veredicto de Márcio que aquele acorde em Ré maior é azul - e gargalharemos e estaremos felizes.
"Wave" com o trompetista Márcio Montarroyos é um presente que recebi e compartilho com todos neste domingo 12 de dezembro de 2010.
Exatamente três anos atrás ficamos órfãos de Márcio Montarroyos.
Apesar da distância de nossa idade, formávamos um círculo muito próximo e eclético de amigos: ele e a Cris sua esposa linda, Cesarina Riso, Nelson Freire, Miguel Abrãao, Alberto Vescovi e Sabina (meus cumpadres), Alberto Nicolau, David Hadjes, o Rubens Farias, Marquinhos Portinari, Malena belíssima... Cada um de nós fazendo nossas vidas e escolhas cheias de erros e acertos, tentando discernir o que "no meio do inferno não é inferno" e seguindo em frente. Uníamo-nos por tardes inteiras, tardes que se tornavam dias e noites cheias de música e vida. Momentos despretensiosos e inesquecíveis.
Monta foi um amigo querido em uma fase muito importante da minha vida - aquela onde tomamos as decisões sobre o futuro profissional, sobre quem queremos ser e o que queremos deixar no mundo. Na verdade, sigo tomando diariamente tais decisões, mas a convivência com Marcinho me fez imaginar que era aquela alegria, inteligência e prazer permanente da arte que definitivamente eu deveria perseguir.
E segui meu caminho. Com minha transferência para São Paulo, o "mantra" da cidade caos acabou com a regularidade extraordinária daqueles dias extraordinários. Comecei a trabalhar com Neschling na Osesp, sai e voltei à Sala São Paulo e desde então sigo aqui meus dias trabalhosos e heróicos.
Alguns de nós nos distanciamos. Às vezes penso que tudo tratou-se de um sonho; às vezes acordo de sonhos que me fazem imaginar a vida como uma premonição e intuo que tudo retornará, que nos encontraremos todos nos preparativos de uma pescaria interminável, amarrando o bote à lancha que nos levará à luz do Sol e às nuvens leves de uma baía eterna. Ali ouviremos uma sonata de Beethoven e o veredicto de Márcio que aquele acorde em Ré maior é azul - e gargalharemos e estaremos felizes.
"Wave" com o trompetista Márcio Montarroyos é um presente que recebi e compartilho com todos neste domingo 12 de dezembro de 2010.
Poema de Amor
Por Leandro Oliveira
O mais belo poema de amor que conheço:
Elsa
Noites de longa insônia e de castigo
que ansiavam a alba e a temiam,
dias daquele ontem que repetiam
outro inútil ontem. Hoje os bendigo.
Como pressentiria nesses anos
de solidão de amor, que as atrozes
fábulas da febre e as ferozes
auroras não eram mais que os degraus
torpes e as errantes galerias
que me conduziriam à pura
culminância de azul que no azul perdura
dessa tarde de um dia e de meus dias?
Elsa, em minha mão está tua mão. Vemos
no ar a neve e a queremos.
Elsa
Noches de largo insomnio y de castigo
que anhelaban el alba y la temían,
días de aquel ayer que repetían
otro inútil ayer. Hoy los bendigo.
¿Cómo iba a presentir en esos años
de soledad de amor que las atroces
fábulas de la fiebre y las feroces
auroras no eran más que los peldaños
torpes y las herrantes galerias
que me conducirían a la pura
cumbre de azul que en el azul perdura
de esa tarde de un día y de mis días?
Elsa, en mi mano está tu mano. Vemos
en el aire la nieve y la queremos.
Jorge Luis Borges
Cambridge, 1967.
O mais belo poema de amor que conheço:
Elsa
Noites de longa insônia e de castigo
que ansiavam a alba e a temiam,
dias daquele ontem que repetiam
outro inútil ontem. Hoje os bendigo.
Como pressentiria nesses anos
de solidão de amor, que as atrozes
fábulas da febre e as ferozes
auroras não eram mais que os degraus
torpes e as errantes galerias
que me conduziriam à pura
culminância de azul que no azul perdura
dessa tarde de um dia e de meus dias?
Elsa, em minha mão está tua mão. Vemos
no ar a neve e a queremos.
Elsa
Noches de largo insomnio y de castigo
que anhelaban el alba y la temían,
días de aquel ayer que repetían
otro inútil ayer. Hoy los bendigo.
¿Cómo iba a presentir en esos años
de soledad de amor que las atroces
fábulas de la fiebre y las feroces
auroras no eran más que los peldaños
torpes y las herrantes galerias
que me conducirían a la pura
cumbre de azul que en el azul perdura
de esa tarde de un día y de mis días?
Elsa, en mi mano está tu mano. Vemos
en el aire la nieve y la queremos.
Jorge Luis Borges
Cambridge, 1967.
sábado, 11 de dezembro de 2010
Wikileaks
The dissolution of the distinction between the private and public spheres was one of the great aims of totalitarianism. Opening and reading other people’s e-mails is not different in principle from opening and reading other people’s letters. In effect, WikiLeaks has assumed the role of censor to the world, a role that requires an astonishing moral grandiosity and arrogance to have assumed. Even if some evils are exposed by it, or some necessary truths aired, the end does not justify the means.
Theodore Dalrymple
Theodore Dalrymple
Marsílio Ficino: Fé e Razão na Renascença
Talyta dedica este post às amigas Tati Ballan e Lou-Lou Wolf, "as quais, talvez por não estudarem filosofia, sempre que me ouvem falar de Ficino reagem com um encantamento que me supõe ser muito mais inteligente do que realmente sou." É resultado de sua defesa de dissertação de mestrado.
Por Talyta Carvalho
Sim, leitor do Ocidentalismo, realmente faz um bom tempo que não escrevo aqui. O motivo? Bem, passei os últimos dois meses estudando e me angustiando em razão daquela “malhação de Judas” acadêmica chamada “Defesa pública”. Aconteceu na semana passada (aliás, obrigada aos meus caros editores pela presença!) e com ela encerrou-se um ciclo de estudos que já vinha desde 2007. Uma das coisas que me ocorreu assim que a defesa terminou era de que havia uma pergunta em especial que eu não precisaria mais responder por um bom tempo: “O que você estuda no mestrado?” Perdi a conta de quantas vezes fiquei constrangida por causa dessa indagação. Por quê? Porque eu sabia qual seria a reação do interlocutor assim que eu respondesse “estudo Marsílio Ficino”: uma expressão facial blasé que, caso se fizesse verbal, diria “MARSÍLIO QUEM?”.
Não é um pecado intelectual uma pessoa (quer estude ou não filosofia) não saber quem é Marsílio Ficino. Meu constrangimento advinha do fato de nestes momentos eu me dava conta de que estava me tornando uma dessas pesquisadoras que não possuem interlocutor porque estudam um cara que ninguém conhece. Farei dois posts sobre Ficino. Este primeiro tem o objetivo de responder justamente a pergunta “Marsílio quem?”. O próximo deverá abordar o pensamento metafísico do autor.
Marsílio Ficino foi um filósofo neoplatonico nascido na Itália em 1433. Graças ao mecenato de Cosme de Médici pôde entrar em contato com toda a obra de Platão e de alguns neoplatonicos como Plotino e Proclo. Cosme havia adquirido manuscritos destes autores em grego (quando do Concílio de Ferrara e Florença) por meio de estudiosos bizantinos, e os entregou a Ficino para que os traduzisse para o latim. E foi justamente essa empresa de Cosme que nos legou um “primeiro” Ficino, o tradutor e divulgador das obras de Platão no Ocidente.
Em alguns anos todo o trabalho de tradução já estava concluído, e então, o filósofo passa a adicionar comentários dos textos às suas traduções. O ápice ocorre quando ele se propõe uma indústria própria e concebe sua maior obra, a "Teologia Platônica". Essa indústria a que me referi consistia, resumidamente, em provar por argumentos racionais a imortalidade da alma. A motivação de Ficino para tal projeto era por um lado religiosa e por outro intelectual. Ele identificava que em seu tempo o divórcio entre fé e razão caminhava para uma separação radical entre teologia e filosofia, o que ele considerava uma grande perda para as duas disciplinas, daí a motivação intelectual de reunir ambas em sua reflexão. Por outro lado, temos a motivação religiosa do autor. Ficino escreve para combater uma classe específica de pensadores: os averroístas, ainda bastante fortes e presentes no cenário intelectual da Renascença. o principal ponto de discórdia de Ficino com estes últimos era justamente a defesa da dissociação entre fé e razão, materializada conceitualmente na teoria da Dupla-Verdade.
A teoria da Dupla-Verdade não foi elaborada por nenhum averroísta, na realidade ela apenas ficou associada a estes pensadores. O que é, então, a teoria da Dupla-Verdade? Quando há dois corpos de doutrina (um deles elaborado teologicamente e o outro filosoficamente) que se propõem a analisar um mesmo objeto e as conclusões a que chegam são conflitantes, mas ainda assim ambas as doutrinas sustentam suas conclusões como verdadeiras, o resultado é uma teoria da Dupla-Verdade. Em suma, o que é válido nas bases da fé nem sempre vale nas bases da razão. Um averroísta do Renascimento (como p. ex. o paduano Pietro Pomponazzi) rejeita a razão como instrumento válido para reforçar os dogmas da fé. Daí não se poder provar, por exemplo, a imortalidade da alma individual. Marsílio Ficino supõe que a aceitação destes princípios desencadearia perda de fé e corrupção moral.
Ficino escrevia para um público específico que era o público erudito, por isso julgava necessário fazer provas racionais, pois se a fé não convence o letrado a razão deveria convencê-lo de que o caminho pelo qual se optava naquele momento poderia levar a consequências funestas.
Magister dixit. (minha pesquisa para o mestrado)
A descrição de projetos de dissertação de mestrado por vezes assemelha-se a contos fantásticos de Jorge Luís Borges. Leonardo Valverde comenta seu tema, sua justificativa e tudo o mais... À diferença das ficções do escritor maior argentino, no entanto, a pesquisa de Valverde é real.
por Leonardo Valverde
1. Delimitação do tema.
Os historiadores situam a descoberta da língua sânscrita como um dos grandes fatores para o desenvolvimento do estudo da linguagem. A partir desta descoberta temos os estudos filológicos comparativos do indo-europeu, e daí uma ciência geral da linguagem, que se chamaria por fim de linguística; embora alguns tratados antigos de língua já tenham sido estruturados linguisticamente, fazendo com que certas teorias modernas sejam apenas um ‘retorno’ ao conhecimento dos gramáticos antigos. Alguns desses historiadores, como R.H. Robins, consideram o ano de 1786 um marco inicial da ciência linguística contemporânea, onde possivelmente teria se dado a primeira das quatro ‘rupturas’ significativas ocorridas no desenvolvimento do que hoje entendemos por estudos linguísticos. Aconteceu neste ano a famosa declaração no Royal Asiatic Society por William Jones que “o sânscrito, sem levar em conta sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos” (ROBINS, 2004: 106). Aqui no Brasil, o nosso famoso linguista J. Mattoso Camara Jr. dedicou um capítulo de sua História da Lingüística ao sânscrito, dizendo que “os métodos e as concepções da gramática do sânscrito, que se encontravam em Pāṇini e seus seguidores, estimularam o espírito europeu no sentido de uma nova visão da linguagem” (CAMARA JR., 1975: 44).
Esta nova visão não se restringiu somente à linguística histórico-comparativa. O estudo do sânscrito deu origem a muitas análises de linguística sincrônica, já que as gramáticas originais desta língua abordaram praticamente todos os campos deste ramo. Os estudos linguísticos do sânscrito eram divididos em vyākaraṇa (análise linguística), śikṣā (fonética) e nirukta (etimologia), as três faziam parte de uma educação tradicional voltada para a linguagem chamada vedāṅga [1] (conhecimento auxiliar). Estes estudos, de acordo com Robins, podem ser considerados sob três aspectos: teoria linguística geral e semântica; fonética e fonologia; gramática descritiva (ROBINS, 2004: 109).
Das obras linguísticas da época, a gramática Aṣṭādhyāyī (Oito Capítulos) de Pāṇini, este conhecido gramático do século IV a.C., foi o primeiro tratado científico de uma língua, e chegou a ser considerada por Bloomfield como “um dos maiores monumentos da inteligência humana” (BLOOMFIELD, 1984: 11). As regras são todas organizadas em pequenas sentenças, sūtra ou “fio”, que surpreendem por tamanha economia com que conseguem formular suas afirmações linguísticas. Da obra de Pāṇini e da vyākaraṇa saíram conceitos como o termo fonológico sandhi (usado por Mattoso Camara Jr. para explicar certos casos do português), o desenvolvimento de processos de formação de palavras, o estudo morfofonêmico[2], e a representação zero de um elemento ou categoria - familiar aos linguistas modernos.
O processo descritivo de sua gramática, mais de dois mil anos depois, influenciou as análises que Saussure fez de certas palavras gregas, alguns importantes trabalhos do Bloomfield[3], e também sabe-se que a gramática gerativo-transformacional criada por Chomsky teve sua influência paniniana, porque em seu “trabalho de descrição, as regras são de tal modo ordenadas, que as últimas levam sempre em conta os resultados das primeiras. Isto permite obter maior economia no processo descritivo, o que era um dos objetivos primordiais da obra de Pāṇini” (ROBINS, 2004: 188).[4]
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Pergunte ao Julio Lemos
Por Julio Lemos
Sei que é pergunta de leigo, de jornalista, mas vou tentar de novo: qual é a importância do Direitor Romano nos dias atuais?
Se você fizer essa pergunta em Portugal, na Escócia, na Itália, na Espanha ou na Alemanha, vão achar que você é um alienígena. Quem me disse isso foi um jornalista português, João Pereira Coutinho. No Brasil não existe cultura. Ergo.
Situação concreta: o sujeito tem uma namorada, sente que gosta dela bastante pelo caráter, porque o trata bem, mas sente que não corresponde que ela não corresponde à imagem sedimentada há anos em seu interior "daquela que lhe foi destinada." Que fazer?
Não acredito em um alguém "destinado" a outro. A realidade está sempre por fazer: o futuro ainda não aconteceu. Ou ao menos é assim que a realidade se nos apresenta (o problema do determinismo pode ser resolvido da mesma forma); não temos informação para lidar com um mundo pré-determinado, com futuros já dados. No contexto 'romântico', é evidente que certas pessoas estão mais por assim dizer *talhadas* para nós. Mas é sempre bom reformular nossas expectativas cristalizadas sobre como deve ser uma mulher (ou um homem): pode se tratar de uma birra, de falta de realismo. Não há resposta exata a essa questão. De certo modo, acredito na Providência. Mas mesmo ela não é resultado de uma função matemática; e seus sinais são certamente inexatos.
O que você responderia a alguém que dissesse: "Eu não escolhi nascer. A vida é uma piada de mau gosto. O que quer que houvesse antes da existência, era melhor do que isto. Logo, por não ter escolhido, não aceito responsabilidades."
PAFT - ACT LIKE A MAN
Oscar Wilde, que pensas?
Um dos caras do final do séc. XIX: mestre da ironia, do sentido de mistério, um homem profundamente triste -- pari passu um escritor da alegria e da perda. Gosto montã daqueles contos publicados acho que em 1889, "The Happy Prince & Other Stories", uma das coisas mais líricas (em sentido impróprio) que li entre os ingleses. "The Nightindale and the Rose" é pura 'sad beauty', que nos faz querer chorar litros em agridoce.
Escondida nele - Wilde parecia muitas vezes um dandy sem mais, um homem frívolo e gratuitamente provocador - estava uma profunda sabedoria, algo quase chestertoniano, posto que depressivo.
Lembro de uma gafe numa obscura tradução portuguesa de "The Importance of Being Earnest" -- "A importância de ser Ernesto"... Só pra recomendar a leitura direto no original.
Quando entrou para o Dream Team?
Vc diz a Dicta? ˆˆ Sempre estive lá.
Um verso roubado de Huizinga
Por Pedro Gonzaga
quando o mundo era quinze anos mais jovem,
costumávamos pensar que chegaria a hora:
o sangue nas artérias não conta então as voltas que dá -
bom sangue
ingênuo sangue
todas as células que decidiram ser seiva
inutilmente.
desperdício é um conceito futuro
compensação para a seca
enquanto opera o fogo-baixo
do escárnio.
eu me pergunto: para que serve o estoicismo tomado de Marco Aurélio
para quê, meu deus, para quê?
do corpo toda a energia se perde ou se dissipa
não se pode querer numa quarta-feira de 2010
a vida que vibrava em meus pés na hora do recreio
prodigalidade inteira dos meus 8 anos
não há acumulação
não há reservas.
poderá o desejo reconhecer a si mesmo em 2025?
quinze anos se passam
e cá estão apenas os escombros do desejo
lenha calcinada, nó de pinho negro entre as cinzas claras.
quem poderia prevê-lo,
me diga,
ao crepitar das chamas
quando o mundo era quinze anos mais jovem?
quando o mundo era quinze anos mais jovem,
costumávamos pensar que chegaria a hora:
o sangue nas artérias não conta então as voltas que dá -
bom sangue
ingênuo sangue
todas as células que decidiram ser seiva
inutilmente.
desperdício é um conceito futuro
compensação para a seca
enquanto opera o fogo-baixo
do escárnio.
eu me pergunto: para que serve o estoicismo tomado de Marco Aurélio
para quê, meu deus, para quê?
do corpo toda a energia se perde ou se dissipa
não se pode querer numa quarta-feira de 2010
a vida que vibrava em meus pés na hora do recreio
prodigalidade inteira dos meus 8 anos
não há acumulação
não há reservas.
poderá o desejo reconhecer a si mesmo em 2025?
quinze anos se passam
e cá estão apenas os escombros do desejo
lenha calcinada, nó de pinho negro entre as cinzas claras.
quem poderia prevê-lo,
me diga,
ao crepitar das chamas
quando o mundo era quinze anos mais jovem?
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
The cold solemnity of blasphemy
Por Leandro Oliveira
Atonalism, though plastic in minor details of texture, is in fact the least flexible and most monotonous of media, and for that reason alone it is unlikely to play much part in the music of the future. It will always remain a thing apart, having something of the hieratical solemnity and exclusiveness of a hereditary religious order; and the more we free ourselves from tonal prejudice and from the tyranny of textbook harmony the less appeal atonalism will have, because it is based on a direct reversal of academic method. Like blasphemy, it requires a background of belief for its full effect. Composers like Bartók or Vaughan Williams could no more become atonalists than a freethinker could take part in a Black Mass.
There is a strong flavour of the Black Mass about Schönberg. He has the complete lack of humour of the diabolist, while a glance at his earlier work indicates how devout a believer he once was. His later eccentricities are in direct ratio to his early conventionalities, just as the excesses of a revolution are in direct ratio to the previous oppression.
Constant Lambert, "Music Ho!"
Atonalism, though plastic in minor details of texture, is in fact the least flexible and most monotonous of media, and for that reason alone it is unlikely to play much part in the music of the future. It will always remain a thing apart, having something of the hieratical solemnity and exclusiveness of a hereditary religious order; and the more we free ourselves from tonal prejudice and from the tyranny of textbook harmony the less appeal atonalism will have, because it is based on a direct reversal of academic method. Like blasphemy, it requires a background of belief for its full effect. Composers like Bartók or Vaughan Williams could no more become atonalists than a freethinker could take part in a Black Mass.
There is a strong flavour of the Black Mass about Schönberg. He has the complete lack of humour of the diabolist, while a glance at his earlier work indicates how devout a believer he once was. His later eccentricities are in direct ratio to his early conventionalities, just as the excesses of a revolution are in direct ratio to the previous oppression.
Constant Lambert, "Music Ho!"
Ainda vale a pena ouvir Richard Wagner?
O caráter desprezível de Richard Wagner só pode ser comparado à sua genialidade. São diretamente proporcionais, como souberam quase todos aqueles que o apoiaram nas mais diversas fases de sua vida. Sua visão de obra de arte, pensada teoricamente e realizada em uma série de obras primas, é das mais influentes de todos os tempos; sua personalidade irascível e arrogante, das mais desprezíveis de todos os tempos. Tentando entender uma hipérbole é que David Goldman e a É Realizações entram no debate.
Por Martim Vasques da Cunha
A resposta a esta pergunta, segundo David P. Goldman, também conhecido como Spengler, é um sonoro “não“. Para ele, Richard Wagner – um dos gênios mais canalhas que já existiu na face desta terra – se tornou uma espécie de “muzak“, um exemplo a ser copiado na marcha imperial de Darth Vader ou na escala cromática de “Somewhere over the rainbow”. Deixemos o autor argumentar um pouco:
Wagner’s power comes, first of all, from his music, but we have lost the capacity to hear it the way Baudelaire and Mahler did. And our inability to hear Wagner’s music constitutes a lacuna in our understanding of the spiritual condition of the West. Despite Wagner’s reputation for compositional complexity, his musical tricks can be made transparent to anyone with a rudimentary knowledge of music. In some ways, Wagner is simpler to analyze than the great classical composers. Because—as Nietzsche said—Wagner is a miniaturist who sets out to intensify the musical moment, his spells, at close inspection, can be isolated.
Popular literature and program notes describe Wagner’s compositional technique in terms of the so-called leitmotif, or leading motive—a musical theme associated with a particular concept or character. This is true, but trivial. This device has become such a commonplace among film composers that we cannot help hearing, in Darth Vader’s “DA-da-da-DA-DUM-de-DA-DUM-de-DA,” a caricature of the giants’ motive in Das Rheingold—which is exactly what it is. Today we hear Wagner the same way we hear the background music to Star Wars. The lampoon has displaced our perception of the original work.
Contudo, o pessoal da É Realizações acha o contrário. Hoje, dia 9 de dezembro, começa uma seqüência de eventos que discutirá a importância de Richard Wagner, inclusive com o lançamento de um livro de ninguém menos que Roger Scruton.
Quais das versões você vai escolher? Ora não cabe a mim decidir. Afinal de contas, não foi para a posteridade que Wagner fez sua música?
Retirado de Dicta.com.br.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Aliena vitia in oculis habemus, in tergo nostra sunt
De gramáticos e loucos todos temos um pouco. Afinal, quem não fica atento ao que escreve - mesmo que o que escreve seja um email ou post no facebook -, inevitavelmente comete gafes. Mas há, entre aqueles que deveriam mais dedicar-se ao estudo da língua, os críticos dos que tentam estabelecer um ordenamento lógico para o idioma, e portanto algumas normas e "regras": eles detestam a "gramática prescritiva". É o que comenta Richard Costa.
Richard Costa
Assisti a uma palestra do Mamede Mustafa Jarouche que no geral foi boa. Quase no final ele estava discutindo algo sobre linguagem, e acabou citando Napoleão de Almeida, o qual não li e só conheço superficialmente. Mas foi o modo como ele citou o sujeito que achei curioso, algo assim: "Como dizia aquele quadrúpede (quadrúpede porque prescritivo) Napoleão de Almeida, etc..." — o que causou uma onda de risadinhas na plateia.
Um acadêmico de peso, inteligente (não li sua tradução de Mil e uma noites, mas tive em mãos os dois primeiros volumes e achei respeitável) diz uma coisa dessas numa universidade? O simples fato de ser prescritivo é motivo pra ser insultado em público? Até onde sei, Napoleão de Almeida era meio tosco como gramático normativo, então tá, fazer o quê, não vou defender a falta de finesse do sujeito. Mas essa unanimidade de que prescritivismo é sinônimo de preconceito linguístico, de ignorância, de ódio contra quem fala errado... isso é absurdo. Sujeitos como Marcos Bagno, por exemplo, acreditam que prescritivismo é praticamente um crime contra a humanidade. Para a grande maioria dos acadêmicos na área de letras e linguística, é injustificável afirmar-se prescritivista, é o mesmo que dizer publicamente que você nunca será um acadêmico respeitável e que será pária dos círculos que frequentar.
É verdade que um linguista de ambições antropológicas deve ser necessariamente descritivista, posto que, por exemplo, o estudo de um dialeto documentado durante uma pesquisa numa vila indígena, africana ou asiática, deverá ser neutro e desligado de uma tradição normativa. Mas o estudo de uma língua clássica ou moderna não pode prescindir de uma tradição normativa, ou será quase impossível extrair sentido de textos de qualquer época, especialmente textos literários. Alguns poderão dizer que, sendo uma língua passível de mudanças ao longo do tempo, não é possível estabelecer uma tradição normativa que seja aplicável a todas as variações da língua. Mas toda variação de uma língua num determinado período do tempo segue uma gramática normativa que é válida durante esse período.
Existe uma função tanto para o prescritivismo quanto para o descritivismo. Dizer que um exclui o outro, que são sempre antagônicos; que ser prescritivo é ser um quadrúpede.. isso é uma atitude ridícula e indigna de um linguista maduro e inteligente.
Existe um provérbio: A gramática é o túmulo da língua. Um túmulo implica que o morto será lembrado, que lhe foi dada a dignidade e o respeito que se deve aos mortos. Mas na opinião dos linguistas atuais, a gramática é a causa da morte da língua, como se a partir do momento em que uma língua é normalizada, fosse esfaqueada por gramáticos reacionários e racistas praguejando contra pobres e negros. A verdade, longe disso, toma a forma do meu professor de latim: um senhor de idade, prescritivo, de maneiras brandas e com tato e tolerância no trato com as pessoas, mesmo com alunos imbecis que odeiam a gramática.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Do hexâmetro em Português
Se algo chateia na música pop é a obviedade rítmica. Adorno sabia disso, Stravinsky sabia disso. Em poesia tem algo similar, como diz Érico Nogueira. Cansado do rock em "quatro por quatro"? Experimente o hexâmetro dactílico.
por Érico Nogueira
O hexâmetro, queridos, é o metro par excellence da poesia clássica, na qual o que conta não é a posição das átonas e das tônicas, como em quase todas as línguas modernas, senão a das longas e das breves, como em música:
Árma uirúmque canó, Tróiáe quí prímus ab óris
O acento agudo acima representa as sílabas longas, i.e., convencionalmente, aquelas que duram, na pronúncia, o dobro do tempo das breves. A chamada leitura escolar, porém, que todos fazemos no âmbito dos estudos clássicos, toma as longas mais ou menos como tônicas, como átonas as breves, reconduzindo-nos, pois, insensivelmente ou não, ao nosso próprio sistema acentual.
Toda essa patacoada para dizer que devemos ao ilustre Carlos Alberto Nunes a mais recente e bem sucedida tentativa de aclimatar o hexâmetro greco-latino ao português. Leiamos-lhe os versos iniciais da Ilíada:
Canta-me a cólera – ó deusa – funesta de Aquiles Pelida,
causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos
e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados
e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio
desde o princípio em que os dois, em discórdia, ficaram cindidos,
o de Atreu filho, senhor de guerreiros, e Aquiles divino.
Agora os mesmos versos, na recentíssima tradução de Frederico Lourenço:
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
Antes de mais, é curioso notar que a revolta contra as convenções, os hipérbatos e as figuras mais sutis e sofisticadas, em poesia, coincida, no tempo e no espaço, com o regime da ação direta, e o ódio às instâncias mediadoras, em política: o, digamos, 'imediatismo' poético contemporâneo nasceu de mãos dadas com os - sempre imediatistas e, pois, autoritários - movimentos de massa do começo dos novecentos. É o homem-massa, ou o homem vulgar - para usar expressões de Ortega y Gasset -, elevado a juiz do bom e a arauto do belo. Brutti tempi.
Pois bem: a tradução de Lourenço, numa palavra, não tem sal; o tradutor busca essencialmente verter o sentido do texto grego, e, por meio de uma distribuição mais ou menos regular das tônicas em cada linha -- mais algumas homofonias aqui e acolá --, imprimir uma aura de poesia à sua tradução em prosa. A Ilíada é solene -- é o que de mais solene já se escreveu; de modo que uma tradução, mesmo literal, fica 'poética', fica 'bonitinha'.
Mas para apreciar como convém a tradução de Nunes, é preciso de uma certa bagagem, o que a afasta um pouco do leitor 'comum': CANta-me a CÓlera -- ó DEUsa -- fuNESta de aQUIles PeLIda: trata-se de um hexâmetro clássico em português, sem tirar nem pôr. O leitor acredite: isso é uma proeza, e não é pequena.
Enfim: há um grande e mais ou menos recíproco desprezo, no que respeita à tradução dos clássicos - antigos e modernos -, entre Portugal e o Brasil. Portugal, às vezes com razão, recusando o coloquialismo e o excessivamente informal das traduções brasileiras; o Brasil, corretamente, vez por outra, fugindo do convencional e do muito engessado das portuguesas. São dois caipiras teimosos, dois inveterados provincianos.
Mudando de assunto, e à guisa de conclusão: um grande desafio seria reinventar o hexâmetro na própria poesia de língua portuguesa. Alguém se candidata?
Retirado de Ars Poetica.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Nelson Rodrigues e Arthur Moreira Lima
Por Leandro Oliveira
Frases de Nelson Rodrigues
O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!
Grandes são os outros, o Fluminense é enorme.
A Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense.
Pode-se identificar um Tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se destingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora.
Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória.
Nas situações de rotina, um `pó-de-arroz' pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas.
Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos
Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida tricolor leva um imperecível estandarte de paixão.
Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode - e nem se deseja - fugir.
Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar.
'Você é químico?' Não, sou Fluminense, respondi de pronto ao ser abordado por um vizinho que me viu brincando com alguns líquidos de diversas cores. Eu tinha apenas três anos de idade, mas com uma convicção clubística anterior ao meu nascimento, e, quem sabe, anterior ao útero materno.
Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação.
O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade...tudo pode passar...só o Tricolor não passará jamais.
Aos amigos do "Falando de Música", Arthur Moreira Lima ao piano apresenta o hino do nosso atual campeão brasileiro.
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