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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vamos reabilitar o capitalismo?


"Uma flor é uma flor é uma flor", mas nem sempre. No terreno da vida real - já poderiam dizer os gramáticos na Idade Média, e hoje asseveram os semioticistas - uma flor é um presente, um elemento de processos ecológicos, um símbolo aristocrático... Os nomes das coisas dizem de referências que estão para além delas; neste sentido, o termo "capitalismo" guarda realidades muito distantes daquelas do senso comum. Sentidos a serem reabilitados, como bem nos diz Joel Pinheiro da Fonseca.

Por Joel Pinheiro da Fonseca

Numa língua “perfeita” (digo idealizada, irrealizável, não necessariamente melhor), cada palavra teria um único significado. De cada palavra, sempre saberíamos exatamente ao que ela se refere. No mundo real, as palavras podem ter muitos significados, o que todo mundo sabe, mas acontece que há, também, palavras sem significado nenhum, e ainda palavras que já tiveram significados e não têm mais.

É o caso de “capitalismo”. Produto da mente tortuosa de algum pensador alemão (Marx não inventou o termo, apesar de tê-lo popularizado) - ou seja, nenhum dos autores em geral associados ao capitalismo, como Adam Smith, jamais o escreveu - “capitalismo” se referia supostamente a um certo sistema econômico. O problema é que esse sentido original já era sem sentido. Diferentemente do socialismo, que é algo imposto à sociedade, uma série de regras, proibições e intervenções governamentais para moldar a sociedade segundo uma certa concepção, o capitalismo nada mais é do que as pessoas vivendo e interagindo livremente; é a ausência de um sistema. Produzo algo, troco com outra pessoa, ofereço meu trabalho por um preço combinado mutuamente para um contratante, etc. Cada um é dono do que é seu e pode usá-lo livremente. Isso é capitalismo. O termo ainda tinha o mérito de ressaltar a importância do capital, isto é, da poupança, para o crescimento. Uma nação só prospera se tiver capital; e como forma capital? Poupando. Em todo caso, mesmo esse bom sentido, contido no próprio nome, acabou se perdendo.

Acontece que associou-se “capitalismo” a outra coisa: uma certa relação entre governos e grandes empresas, a concessão de monopólios, governos preocupado em aumentar o PIB, em controlar a taxa de juros e a inflação. Como o mesmo termo era usado tanto para um conjunto de valores e idéias acerca da sociedade quanto para designar o dono de uma empresa, as duas coisas acabaram se confundindo. Assim, se um grande empresário (um grande capitalista) entra em conluio com o governo, então o capitalismo, enquanto idéias e valores, deve ter algo a ver com isso; o que é obviamente falso. Hoje em dia, “capitalismo” não tem propriamente um significado, um objeto que seja designado pelo termo. É antes um produtor de reações no ouvinte: alguns detestam, outros adoram, mas ninguém sabe bem do que se está falando.

Mesmo uma palavra sem significado pode ter seu valor. Apesar dos defeitos do suposto conceito, que dá aparência de sistema ao que é ausência de sistema, o nome tinha força. Queira-se ou não, a palavra “capitalismo” é forte. Quando digo a alguém, numa festa ou outro contexto apropriado, “ sou defensor o livre mercado”, ou ainda “sou liberal no sentido clássico, sabe?”, ouço bocejos e quem está à minha volta procura desculpas para sair de perto. Agora, se digo “sou capitalista!”, todos olham surpresos, a música para e tem início mais um belo e exaltado debate, uma produtiva troca de idéias e esclarecimento de termos. A palavra adquiriu uma força, um poder de entusiasmar ou indignar, que nenhum outro termo ou expressão sinônima tem.

Hoje em dia, quando o significado mambembe que ela tinha já foi quase totalmente perdido, e ela é ainda uma boa provocadora de reações. E é por isso mesmo que o termo deve continuar a ser usado, e que devemos lutar para imbuí-lo de significado; dessa vez um significado verdadeiro, que reflita o pensamento capitalista real, e não as tramóias de um empresário e um governantes que são seu exato oposto. Um bom sinônimo é livre mercado, que carece dessa potência sonora. Infelizmente, a própria idéia de liberdade, por ser muito mais vaga e aludir, antes de tudo, a pessoas voando soltas por aí, não tem a pegada de capitalismo, que conta ainda com os sons fortes de c, p e t em sequência. Em suma, está na hora do termo ser reabilitado. Onde estão o PCap (Partido Capitalista), o Instituto Capitalista, o Jornal Capitalista? É hora de fazer frente ao marxismo aguado que permeia nossa cultura, e nada melhor para começar do que um nome forte e inquietante.

Retirado de Terra à Vista.

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