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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Um gigante e uma biografia gigantesca


Dostoiévski em breve se tornará o escritor mais citado no Ocidentalismo.org. Oba! A discussão de sua obra está permeada pela compreensão dos elementos biográficos com os quais precisou lidar - e neste sentido, a publicação monumental de Joseph Franck sobre sua vida é decisiva. Renato Moraes faz sua resenha sobre o livro.

Por Renato Moraes

Para minha satisfação, e em parte tristeza, terminei o último dos cinco volumes da biografia de Dostoiévski, escrita por Joseph Frank, que foi professor de Literatura nas universidades de Princeton e Stanford. A tristeza é aquela de quando terminamos um livro excelente, em cuja companhia permanecemos meses: começa a bater a saudade, e sabemos que nunca mais leremos aquela obra pela primeira vez.

Todos os volumes da biografia, editada no Brasil pela Edusp, somam mais de 3.000 páginas. Nem acredito que os enfrentei! No entanto, posso assegurar, sem medo de exagerar, que foi uma das melhores coisas que li na vida. Cada volume apresenta trechos antológicos, e não consigo destacar um em relação aos outros: tudo é muito interessante.

A biografia transita por três níveis: a vida propriamente dita de Dostoiévski, que é o fio que unifica tudo; a análise da sua obra literária; e o ambiente cultural e político daqueles anos na Rússia. Joseph Frank é habilidoso ao entretecer os assuntos, mantendo sempre o ritmo e chamando a atenção do leitor; parece até um romance do biografado.

Por sinal, a vida de Dostoiévski é impressionante. Sua formação intelectual, os flertes revolucionários da juventude, o tempo de prisão, os anos no exército, o retorno à vida cultural e a confecção das suas obras-primas, as disputas ideológicas nas quais se envolveu, a profunda humanidade da sua vida familiar, sua consagração pública nos últimos anos... Os vários eventos são contados com profundidade e agilidade, e o biógrafo chega às motivações religiosas e morais do biografado, que dão o sentido último de sua existência.

A grandeza do escritor russo chega a esmagar. Ao mesmo tempo, tomamos conhecimento das suas limitações – sua exagerada xenofobia, os laivos de antissemitismo, suas previsões exageradas a respeito da civilização européia, o temperamento irritadiço e difícil –, que não obscurecem a admiração que sentimos por ele. Afinal, como não nos sentirmos gratos com alguém que nos legou Crime e castigo, O idiota, Os demônios e Os irmãos Karamázov? Olhe que apenas falei de seus grandes livros, sem citar uma série de outros escritos de valor.

Por falar me gratidão, também me sinto em dívida com Joseph Frank, por ter feito algo tão bom! O livro é rigoroso, exato, maneja fontes primárias e há um enorme trabalho por trás dele. Poderia ser árido, mas é exatamente o contrário: uma leitura deliciosa. A tradução é bastante satisfatória: apesar de alguns erros, o português é de qualidade e fluido, o que se agradece. A Edusp merece uma salva de palmas por ter se metido nessa empreitada.

Haveria muito o que falar de Dostoiévski. Acredito que entendi melhor suas motivações e o ambiente no qual elaborou seus livros e artigos. Fico curioso para saber o que ele escreveria se estivesse no Brasil de hoje. Pois a Rússia trilhou o caminho contra o qual ele alertou durante décadas, e nesse sentido foi um derrotado na batalha ideológica que travou. No entanto, o comunismo soviético acabou por cair, enquanto Dostoiévski seguirá sendo lido, servindo de aviso contra a ideologia e o abandono da fé cristã pelos intelectuais.

Como pequena amostra, cito um trecho da biografia, que trata dos últimos momentos do autor com seus filhos, já no leito de morte, e que serve como um resumo de toda a obra:

“Pediu que seu exemplar do Novo Testamento [que ele recebeu trinta anos antes, quando estava na prisão] fosse dado ao filho Fédia e que se lesse aos filhos a parábola do Filho Pródigo. Liubov [filha de Dostoiévski] lembrou-se mais tarde de que ele disse: se algum dia cometessem um crime (prestupliénie, palavra que tem um sentido mais amplo do que um simples delito penal), confiassem em Deus seu Pai, pedissem-Lhe perdão e estivessem certos de que Ele se regozijaria com seu arrependimento, assim como fez o pai com a volta do Filho Pródigo. Era essa parábola de transgressão, arrependimento e perdão que queria deixar como última herança aos filhos; e podemos considerar que isso constitui seu próprio entendimento definitivo do sentido de sua vida e da mensagem de sua obra” (v. 5, p. 923).

Soube que, em inglês, foi lançada uma versão condensada dessa biografia em um único volume, com aproximadamente 1.000 páginas. Imagino que também será de qualidade, porque foi o próprio Joseph Frank quem a realizou. De qualquer modo, duvido que a trocaria pela versão completa.

Retirado de Dicta.com

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