Última parada, Bruges. Érico Nogueira nos leva a Veneza do norte, pequena pedra preciosa da europa.
Por Érico Nogueira
Bruges é um presépio de pedra incrustado em Flandres. No centro da cidadezinha, onde as lojas de chocolate & quinquilharias se acumulam -- e os turistas se apinham --, parece fake, como o centro de Campos do Jordão. Mas, ainda como Campos do Jordão, tem recantos impagáveis: os monastérios; certas igrejas recônditas, a quinze minutos a pé do centro de mentira; e as livrarias, claro, que são em número exorbitante numa cidade tão pequena.
E são-no pelo seguinte: em Bruges nasceu o maior poeta flamengo dos tempos modernos, o padre Guido Gezelle (1830-1899). Qual não foi então a nossa fortuna quando, depois de igrejas e monastérios e moinhos, demos com um professor e seus alunos adolescentes, para os quais explicava -- em flamengo, sim, como não? -- a vida e a obra de Gezelle. Pedi-lhe permissão para me juntar ao grupo; a aula estava no final: o professor pediu que aguardássemos um pouco.
Dispensando os seus alunos, ele nos falou um pouco, dessa vez em inglês, sobre a relação especial de Flandres -- i.e., a Bélgica de língua neerlandesa -- com os seus poetas; que muitos deles ou foram padres, ou latinistas e filelenos, ou ambos; e que eu, se queria mesmo, como lhe dizia, aprender neerlandês para ler o que se escrevera na língua, devia procurar, além da poesia de Gezelle, a do latinista, fileleno e também padre Anton van Wilderode (1918-1998), geralmente considerado o maior poeta flamengo do pós-guerra.
As "Confissões" de Santo Agostinho nos ensinam muito sobre muita coisa; sobretudo, creio, a confiar na Providência. Por que digo isso? Porque, assim que o professor mencionou van Wilderode - de que eu nunca ouvira falar até então -, eu tirei de uma sacola da Brugse Boekhandel um exemplar recém-adquirido da sua volledig dichtwerk, ou poesia completa, esgotado, segundo verifiquei depois, na editora, e por que pagara a bagatela de € 15. O professor ficou perplexo; disse-lhe a verdade, que comprara o livro, primeiramente, porque um calhamaço de mais de mil páginas, em capa dura e papel bíblia, por aquele preço era muito barato, -- e, além disso, porque, folheando a obra, vira um poema chamado "Homero", e outro "Safo", e isso me chamou a atenção.
Voltamos a Bruxelas e jantamos com Lusten. Na manhã seguinte voamos de volta pra Roma.
Procurando por van Wilderode na rede, descubro que, além de poeta imenso, o homem traduziu, afora muito Horácio e muita lírica grega, simplesmente TODO o Virgílio, graças ao que ganhou o epíteto nada modesto de Virgílio flamengo... Estou tentando traduzir-lhe alguns poemas. Se Deus quiser, em breve vocês vão ler e me dizer se é isso ou não é.
Retirado de Ars Poetica
Um comentário:
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