Por Leandro Oliveira
"Hi Leonardo, here is Ute". Agruras nada típicas de um professor de história da cultura, ser interrompido no meio de divagações sobre Tocqueville por um número cheio de zeros (chamada internacional) ao celular - e ter o próprio nome confundido em uma língua que não a sua. Não, não sou Leonardo, senhora Lemper, mas Leandro, por favor. Como está, fez boa viagem?
A diva que deveria acompanhar pelos próximos dias me ligava do aeroporto pois o motorista havia atrasado. Fui por três anos diretor artístico da série de concerto internacionais da TUCCA, uma organização que cuida de crianças carentes com câncer e tem como estratégia para levantar recursos a programação de cinco concertos anuais na Sala São Paulo, concertos cuja renda é revertida para as atividades que promove. Ela trouxe Brad Mehldau há poucos dias. Naquele ano, Ute abriria nossas atividades ao lado da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal e o maestro Rodrigo de Carvalho.
Minha vida entre estrelas não começava ali. Na verdade, tratava-se de uma espécie de rotina do grand monde que eu habitara não sem muita timidez desde os 16 anos, quando começara a estudar piano a sério e pude conviver - por forças das circunstâncias bastante particulares, não do meu talento - com Nelson Freire, Antonio Meneses, Ricardo Castro, Jocy de Oliveira ou John Neschling (para ficar entre os brasileiros) e desde então assumir com certa naturalidade a mania carioca de chamar os mais próximos entre eles pelo diminutivo (Nelsinho, Ricardinho, Johnny etc...).
Ute nunca foi "Utinha", mas o "Senhora Lemper" caiu na segunda ligação. O motorista havia chegado - um anjo da guarda, por nome Marcelo. Ficamos juntos toda a semana. O ponto máximo de nossa intimidade foi a recepção para patrocinadores após o concerto, quando ela ao pé de meu ouvido pediu para ficar próximo, já que estava pouco à vontade entre tanta gente estranha falando uma língua esquisita.
Ute Lemper pouco à vontade?
Lembrei disso pois Ute esteve há pouco tempo no "Porto Alegre Em Cena". No show apresentou alguns de seus belíssimos cavalos de batalha como o "Die Moritat von Meckie Messer" (em versão particularíssima aqui) de Kurt Weil, e sua sempre emocionante "Ne me quittes pas" - que, aliás, não à toa foram as últimas palavras que falei para ela no aeroporto ano passado... Seus partners, sempre afinadíssimos, foram o pianista Vana (ou Werner Gierig para os não íntimos) e o bandoneonista Tito Castro (este último não esteve conosco no show em São Paulo).
Quem foi não esquecerá. Todos do Ocidentalismo.org que foram ficaram catatônicos e por isso, não conseguiram escrever. Eu não fui, então esta crônica a la Forrest Gump. Sei que dali ela partiu para o Rio e meus amigos que puderam assisti-la na Cidade Maravilhosa largaram a família ou embriagaram-se completamente pelo resto da vida. Poucos acreditam que eu tenha sobrevivido tendo tido sua voz sussurrante à minha direita.
Um comentário:
Belíssimo texto!
És um cara de sorte...
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