Algumas pessoas transpõem montanhas com aparente facilidade, outras sequer conseguem organizar o equipamento necessário para a escalada. O fato é que cada um de nós é talentoso para algumas coisas, e evidentemente inapto para tantas outras... Talyta Carvalho retorna explorando um pouco a questão do que é ser genial, ter algum talento e - finalmente - cortar um dobrado para fazer coisas minimamente decentes.
Por Talyta Carvalho
Sou mestranda em fase final de pesquisa. Ora, o que isso quer dizer? Quer dizer apenas que experimento uma mistura de angústia profunda - em razão dos prazos apertados, da cobrança pessoal para fazer um bom trabalho, e etc. – e uma eminência de felicidade intensa – afinal, o fim se aproxima, e ao que tudo indica, sobreviverei!
Ressalva: eu sinto esse mix de sentimentos somente quando não estou em dinâmica de surto, o que acontece com uma freqüência, digamos... ah, deixa pra lá!
Sofro do que os manuais de psiquiatria chamam de TOC? Não consigo parar de reescrever meu texto porque sou vítima de uma insatisfação intelectual crônica; por isso, sempre acho que o texto pode melhorar e fico reescrevendo-o até que uma boa alma me force a parar, (quando não é uma boa alma a cumprir esse papel quem o assume é própria Pontifícia que me manda recados singelos, cujo conteúdo é algo como “sua bolsa acabou, portanto, entregue logo essa dissertação”, mas, evidentemente, escrito com muito mais delicadeza do que eu sou capaz de expressar.)
A pergunta que o leitor deve estar se fazendo, provavelmente, é: “Por que diabos essa garota sofre de insatisfação intelectual crônica consigo mesma”? Respondo: Porque eu não sou talentosa.
Que eu não seja mal compreendida, veja bem caro leitor, não tenho problemas de auto-estima e tampouco tenho o vício da modéstia. Não é disso que falo quando afirmo não ser talentosa. Tento dizer com isso que preciso me esforçar mais que os outros (os talentosos) para fazer algo bom. Faço o que gosto por escolha, não por dom. E, não raro, meu esforço me recompensa; mas isso não muda o fato original.
Passei a refletir sobre isso nessa fase final de meu trabalho de mestrado, e nessa segunda-feira deparei-me com a coluna semanal de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, narrando exatamente esse drama da mediocridade que a maioria de nós experimenta. Lembrei-me também de uma anedota que ouvi, certa feita, de um professor de Literatura acerca do Lord Byron que expressa muito bem essa questão.
(Como toda mulher, adoro anedotas em aulas pois elas são a versão nerd da fofoca; sempre me interesso para saber quem no cenário intelectual ficou com quem, quem brigou com que e porquê, bem ao gosto das mulheres mesmo...admito: eu me deleito com esses “momentos Contigo!” envolvendo os grandes nomes do conhecimento.)
Diz a anedota que Lord Byron fora um aluno terrível na adolescência. Havia um professor que sempre pedia aos alunos que escrevessem dissertações durante as aulas cujo tema variava de acordo com o texto que era lido em sala. Byron, na opinião do professor, era displicente com o exercício proposto: enquanto todos os alunos se esforçavam e escreviam dissertações de duas ou três páginas, Byron nunca entregava mais do que dez linhas escritas na folha de papel.
O professor já achava, então, que o jovem era por demais petulante e desinteressado. Byron justificava-se para o professor afirmando que não gostava muito de escrever. Um dia o professor propõe novamente o exercício, contudo, o texto sobre o qual os alunos fariam a dissertação não era fácil: tratava-se do texto bíblico das “Bodas de Caná” – para quem não está familiarizado com o repertório religioso eu passo a cola: é o texto que narra o primeiro milagre de Jesus, a transformação da água em vinho durante um casamento.
Bem, tudo ocorreu como sempre. Os alunos entregaram suas dissertações, todos com duas ou três folhas repletas de comentários sobre o texto. E então, o professor vê Byron se aproximando com sua folha. Podia-se notar, mesmo de longe, que nela havia apenas uma linha escrita. O professor já se sente ultrajado antes mesmo que Byron chegue à sua mesa. Quando esse chega e o professor lê o que estava escrito, ele dispensa a sala e fica em silêncio. O que estava escrito na folha?
Estava escrito: “E a água olhou para o Senhor e enrubesceu”.
2 comentários:
Sim, Talyta, entretanto, acredito que as pessoas ditas 'esforçadas', deveriam também ter certo crédito como talentosas. A persistência e garra em atingir um objetivo, nada mais é que uma tremenda habilidade - ou talento - em desenvolver uma faculdade não tão latente, mas existente. O que você acha?
Olá, Larissa!
Veja, não foi minha intenção desmerecer "os esforçados", de forma alguma, rs! Concordo com vc, penso que os "esforçados" mereçam sim crédito por sua perseverança e por sua determinação, mas julgo essas "habilidades" (para usar o mesmo vocabulário que vc) não são da mesma ordem do talento. Quando usei o termo "talento" pretendia significar uma capacidade que estava além da competência pessoal e do esforço, algo como um "dom". Talvez ajude pensar no talento aproximando-o do conceito de "graça" (é uma aproximação forçada, eu sei, mas talvez funcione, rs). Caso façamos essa aproximação temos que o talento é algo que a pessoa ou tem ou não tem, e que se manifesta nela de forma espontânea, em outras palavras, o talentoso assim o é "naturalmente", não precisa se esforçar para ser bom, ele simplesmente é. O esforçado é aquele que desejaria ter o talento, e como não o possui, busca desenvolver a mesma competência pelo esforço. Evidente que muitas pessoas esforçadas são realmente muito boas no que fazem. Isso não quer dizer que estabeleci uma hierarquia de valor entre o talentoso e o esforçado, não pensei dessa maneira...
Obrigada por seu comentário!
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