"Entre orientais nos tornamos bárbaros" e para livrarmo-nos da bárbarie convidamos Leonardo Valverde para ser nosso guia por tais searas. Se somos ocidentais por condição e por gosto, é fato que uma das mais fascinantes qualidades de nossa cultura é a abertura para o estudo e compreensão de outras formas de participar do mundo. Orientemo-nos, pois.
Por Leonardo Valverde
Esta semana passei por mais uma etapa da edição do śiva sūtra.
E revisando um dos sūtra, fiquei tentado a comentá-lo, como se faz tradicionalmente.
Na terceira e última parte da obra, encontramos:
धीवशात् सत्त्वसिद्धिः
dhīvaśāt sattvasiddhiḥ
A perfeição da realidade (é alcançada) pelo inteligente. (3.12)
dhīvaśāt (m. abl. sing. √dhī + vat ‘perceber’, ‘refletir’) - do inteligente.
sattva (n.) - existência, realidade.
siddhiḥ (f. nom. sing. √sidh ’ser consumado, consolidado’) - consumação, perfeição.
1.
Traduzi a palavra siddhi aqui como perfeição porque denota um objetivo consolidado e estágio final de qualquer processo - isso falando de forma geral. Já especificamente, um significado bastante adotado (e verdadeiro) é poder místico, devido a associação àqueles que se dedicam a uma vida ascética. Mas lembrando: esses ‘poderes’ não constituem um legado espiritual propriamente dito, pois trata-se de ‘poderes místicos’ sobre a matéria.
2.
A palavra acima não vem sozinha, está em composição com outra palavra: sattva. E por sua formação temos o significado existência ou realidade. Temos sat + tva; na primeira um particípio presente da raiz (dhātu) √as (cl.2.), ou ’ser, existir’, por isso existente, na segunda um sufixo usado para formar nomes abstratos, e por isso o significado acima. E preferi priorizar realidade por causa do teor filosófico da palavra sânscrita - já explico.
3.
E por último a primeira palavra do sūtra, dhīvat, cuja raiz significa refletir, perceber. E seu significado completo “aquele que possui reflexão, percepção, inteligência”.
Explicação:
Como falei, optei pela palavra realidade para traduzir sattva, porque a existência em si tem três qualidades (guṇa), e dessas qualidades, a sattva tem um efeito ascensional, ou seja, de elevação, e, portanto, de um “estágio” em que é possível entender a existência e suas nuances de forma mais completa. Só que o sūtra vai ainda mais longe, ele não fala só dessa realidade, fala de uma perfeição, ou, dos poderes gerados a partir deste guṇa.
Só que (e agora o detalhe mais importante do sūtra) esta perfeição só é alcançada pelos inteligentes, por aqueles que refletem, percebem, e não por qualquer um. Só o inteligente é capaz de perceber a perfeição da realidade.
Retirado de www.leonardovalverde.com.
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