por Leandro Oliveira
A morte de Moacyr Scliar. Seu cuidado com a cultura judaica não é só um serviço de divulgação, como dizem muitos, mas a marca de uma estrela indomável que figurou por muito tempo como exótica em uma cultura literária que apenas muito recentemente abandonou o vício do regionalismo maneirista e do culto à miséria urbana - e suas correspondências metafísicas, por um lado ingênua, por outro nihilista.
Infelizmente não tive a oportunidade de ler nada exatamente extraordinário de Scliar, mas sequer li um terço de sua obra. Sei que no pouco que li, indubitavelmente, marcou-me o texto de um profissional sério, escritor cuidado e rigoroso com o estilo e o impacto de sua mensagem; alguém que, nesta atividade tão peculiar que é o trato com as palavras, se não foi um mestre, certamente fez por merecer seu lugar no panteão da literatura brasileira do pós-guerra como um de seus melhores artesãos.
Que a terra lhe seja leve!
****
"O Discurso do Rei" era meu favorito para o Oscar. Não exatamente por ser um capolavoro, mas por ser, este ano, o mais regular entre os filmes que concorriam. Afinal, por vezes queremos apenas ver uma boa história, contada de forma correta e bem cuidada - e isso efetivamente, Tom Hopper, faz.
Para isso, contou com elenco excelente, roteiro sóbrio e eficiente, personagens construídos de forma absolutamente coerente. Tudo a serviço de um caso extraordinário, ainda mais se levarmos em conta que parte dele tenha sido verdade.
A premiação para melhor filme, a meu ver, foi justa justíssima.
****
Do Rui Barbosa:
Tenham por averiguado que, onde quer que o colocarem, dará conta o sujeito das mais árduas empresas e solução aos mais emaranhados problemas. Se em nada se aparelhou, está em tudo e para tudo aparelhado. Ninguém vos saberá informar por quê. Mas todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. Não aprendeu nada, e sabe tudo. Ler, não leu. Escrever, não escreveu. Ruminar, não ruminou. Produzir, não produziu. E um improviso onisciente, o fenômeno de que poetava Dante: “In picciol tempo gran dottor si feo”.
A esses homens-panacéias, a esses empreiteiros de todas as empreitadas, a esses aviadores de todas a encomenda, se escancelam os portões da fama, do poderio, da grandeza, e, não contentes de lhes aplaudir entre os da terra a nulidade, ainda, quando Deus quer, a mandam expor à admiração do estrangeiro.
Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável excederem o nível da instrução ordinária, esses para nada servem. Por quê? Porque “sabem demais”. Sustenta-se aí que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até, ao incrível de se inculcar “medo aos preparados”, de havê-los como cidadãos perigosos, e ter-se por dogma que um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos. Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos. E o que eles, muita vez às escâncaras, e em letra redonda, por aí dizem.
Sócrates, certo dia, numa das suas conversações, que "O Primeiro Alcibíades" nos deixa escutar ainda hoje, dava grande lição de modéstia ao interlocutor, dizendo-lhe, com a costumada lhaneza: “A pior espécie de ignorância é cuidar uma pessoa saber o que não sabe... Tal, meu caro Alcibíades, o teu caso. Entraste pela política, antes de a teres estudado. E não és tu só o que te vejas nessa condição: é esta mesma a da mor parte dos que se metem nos negócios da república”.
Ouvi falar alguma coisa sobre o Emir Sader como o novo diretor da Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Nada mais a declarar.
A morte de Moacyr Scliar. Seu cuidado com a cultura judaica não é só um serviço de divulgação, como dizem muitos, mas a marca de uma estrela indomável que figurou por muito tempo como exótica em uma cultura literária que apenas muito recentemente abandonou o vício do regionalismo maneirista e do culto à miséria urbana - e suas correspondências metafísicas, por um lado ingênua, por outro nihilista.
Infelizmente não tive a oportunidade de ler nada exatamente extraordinário de Scliar, mas sequer li um terço de sua obra. Sei que no pouco que li, indubitavelmente, marcou-me o texto de um profissional sério, escritor cuidado e rigoroso com o estilo e o impacto de sua mensagem; alguém que, nesta atividade tão peculiar que é o trato com as palavras, se não foi um mestre, certamente fez por merecer seu lugar no panteão da literatura brasileira do pós-guerra como um de seus melhores artesãos.
Que a terra lhe seja leve!
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"O Discurso do Rei" era meu favorito para o Oscar. Não exatamente por ser um capolavoro, mas por ser, este ano, o mais regular entre os filmes que concorriam. Afinal, por vezes queremos apenas ver uma boa história, contada de forma correta e bem cuidada - e isso efetivamente, Tom Hopper, faz.
Para isso, contou com elenco excelente, roteiro sóbrio e eficiente, personagens construídos de forma absolutamente coerente. Tudo a serviço de um caso extraordinário, ainda mais se levarmos em conta que parte dele tenha sido verdade.
A premiação para melhor filme, a meu ver, foi justa justíssima.
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Do Rui Barbosa:
Tenham por averiguado que, onde quer que o colocarem, dará conta o sujeito das mais árduas empresas e solução aos mais emaranhados problemas. Se em nada se aparelhou, está em tudo e para tudo aparelhado. Ninguém vos saberá informar por quê. Mas todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. Não aprendeu nada, e sabe tudo. Ler, não leu. Escrever, não escreveu. Ruminar, não ruminou. Produzir, não produziu. E um improviso onisciente, o fenômeno de que poetava Dante: “In picciol tempo gran dottor si feo”.
A esses homens-panacéias, a esses empreiteiros de todas as empreitadas, a esses aviadores de todas a encomenda, se escancelam os portões da fama, do poderio, da grandeza, e, não contentes de lhes aplaudir entre os da terra a nulidade, ainda, quando Deus quer, a mandam expor à admiração do estrangeiro.
Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável excederem o nível da instrução ordinária, esses para nada servem. Por quê? Porque “sabem demais”. Sustenta-se aí que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até, ao incrível de se inculcar “medo aos preparados”, de havê-los como cidadãos perigosos, e ter-se por dogma que um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos. Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos. E o que eles, muita vez às escâncaras, e em letra redonda, por aí dizem.
Sócrates, certo dia, numa das suas conversações, que "O Primeiro Alcibíades" nos deixa escutar ainda hoje, dava grande lição de modéstia ao interlocutor, dizendo-lhe, com a costumada lhaneza: “A pior espécie de ignorância é cuidar uma pessoa saber o que não sabe... Tal, meu caro Alcibíades, o teu caso. Entraste pela política, antes de a teres estudado. E não és tu só o que te vejas nessa condição: é esta mesma a da mor parte dos que se metem nos negócios da república”.
Ouvi falar alguma coisa sobre o Emir Sader como o novo diretor da Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Nada mais a declarar.