sábado, 20 de novembro de 2010
O Animal agonizante em três tempos
Por Willian Silveira
É interessante notar como certas obras se localizam à greta de outras. No caso de Philip Roth, a produção prolífica e o incessante acúmulo de premiações a partir dos anos oitenta catapultaram seu nome à posição de patriarca da literatura americana. Obras de talento irrefutável como O Complexo de Portnoy (Portnoy's Complaint, 1969), Teatro de Sabath (Sabbath's Theater, 1995) e Pastoral Americana (American Pastoral, 1997) com o passar do tempo transformaram-se em sinônimos do autor. Entre a sombra de tais totens, reside O Animal Agonizante (The Dying Animal, 2001).
Último dos três livros do personagem David Kepesh - "The Breast" (1972) e "O Professor do Desejo" (1977) -, O Animal Agonizante apresenta o relato de um professor de literatura em fim de carreira que acaba por envolver-se com a bela e jovem Consuela Castillo, sua aluna no curso de Practical Criticism. Solipsista, hedonista e esteta, Kepesh profere uma religião que cobra caro, em última instância, pelo deus que adora. Seu relato é um acerto de contas e um desabafo.
Depois de adaptado ao cinema pela espanhola Isabel Coixet, em 2008, e de receber no Brasil o péssimo título de Fatal, a short novel chegou ao Theatro São Pedro, em Porto Alegre, para quatro apresentações. Sob a direção de Luciano Alabarse e com Luiz Paulo Vasconcellos no papel principal, a peça que estreou na primeira semana de novembro segue, a partir do dia 12, no Instituto Goethe.
Apesar dos visíveis esforços e de acertos particulares, tanto Coixet quanto Alabarse deixam a desejar em suas recriações. O que não significa que sejam ruins e dispensem a investida, pelo contrário, o problemático é colocá-las constantemente em comparação com o texto original, deixando-as enfrentar de forma desleal o vigor e a profundidade da narrativa - por vezes quase histérica - de Roth.
Para evitar lançar observações gratuitas sobre as escolhas dos diretores, penso nas dificuldades encontradas tanto no filme quanto na peça e tento resolvê-las, mas as alternativas viáveis nem sempre resultam melhores. A exposição excessiva, por exemplo, atrapalha muito o filme e é contornada quando o teatro privilegia o monólogo. O que se pode concluir não é nenhuma novidade: o expositivo se configura melhor nos palcos que na tela.
Se a peça acerta quanto a como proceder com a narrativa - seguramente a questão mais delicada desta adaptação - a escolha reverte-se, por outro lado, no apagamento dos personagens secundários, principalmente Consuela. Enquanto a literatura e o cinema nos permitem conceber o significado da presença e da ausência da aluna, a atriz que a interpreta no teatro (Luciana Éboli) torna-se uma sombra de tudo aquilo que é descrito. Nas poucas intervenções diretas que o monólogo possibilita, não sentimos que aquela garota possa ser o problema da vida de um sujeito como Kepesh, mas temos a plena impressão de servir apenas como mera ilustração, da qual não extraímos qualquer personalidade. O mesmo problema recai sobre o filho de Kepesh, Kenny (Thales de Oliveira), no entanto a intervenção que lhe cabe - acusar o pai reiteradamente - exigiu a veemência de uma atuação que acabou por tornar-se bastante competente. O melhor amigo, George, cumpre um papel importante no livro, mas não chega a receber a dimensão merecida tanto na peça quanto no filme. Por sorte, a figura decisiva, como bem se sabe, é a de David Kepesh. Este, que se sustenta sem sobressaltos na interpretação de Ben Kingsley em Fatal, ganha força crescente durante a evolução da peça através do talento de Vasconcellos.
Fui tirar a prova do que sempre me pareceu um equívoco de avaliação: posicionar lado a lado de forma comparativa a obra original e as adaptações, principalmente quando em meios distintos. Questionei pessoas que assistiram à peça sem conhecer os trabalhos de Coixet e de Roth. O resultado final foi mais positivo que aquele que se tem a partir da comparação irrestrita. A estes, Vasconcellos lhes pareceu encaminhar um Kepesh muito competente, a participação mínima de Consuela não lhes foi um problema e o texto, destacado pelo ritmo propício do monólogo, sustentou-se como a melhor potência possível frente a uma transposição.
Há várias formas de realizarmos um julgamento e nenhuma cartilha a indicar a maneira correta de fazê-lo. O mais comum, contudo, parece acabar por descartar aquilo que faz com que cada meio de expressão seja, ironicamente, cada meio de expressão, resultando, assim, em uma postura sem princípios e, portanto, acrítica. Desta, dificilmente as adaptações sobrevivem ao original. Reconhecer as particularidades e como estas estão articuladas frente às diferenças próprias da literatura, do cinema e do teatro - para bem ou mal - não se propõe a construir um discurso mais conciliador ou menos exigente, mas pelo menos evita que pratiquemos uma injustiça ingenuamente anunciada.
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