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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

As agruras da boa música

Tentam me vender algo ordinário como histórico. Não, não é o Obama presidente dos EUA - mas o Maazel regendo a OSB.

Alguns amigos que sempre perguntam sobre os "porquês" e "comos" de um regente, devem agora estar se revirando para saber como pôde a OSB ter se apresentado de forma tão profissional neste ciclo Beethoven. Não trata-se de uma orquestra decadente, formação em meio a uma crise sem precedentes?

Se meu parágrafo anterior fosse a apresentação de um problema matemático, aí estariam os termos: um excelente maestro, uma orquestra decadente; variáveis: o que faz um maestro? o que é uma orquestra profissional? Que Lorin Maazel é um dos mais respeitados regentes de nosso tempo, todos sabemos mas, o que faz sua notoriedade tornar a orquestra algo mais do que razoável? Este é o busílis.

Todos nós que já vimos o maestro Maazel em ação sabemos bem suas qualidades. E, preciso dizer, seus defeitos. Lembro certa feita em Firenze, quando assisti uma apresentação sua com Pastoral de Beethoven. Lembro que me impressionou sua técnica - claríssima! - e sua cara completamente blasé na regência da obra. Maazel regendo parecia estar aborrecido, um pouco enfastiado com tudo aquilo. Como ouvimos também com os olhos, era impossível não se contaminar: a sinfonia do mestre de Bonn se mostrava bem chatinha. Poucos dias depois tive a oportunidade de bater um papo com o maestro Zubin Mehta sobre a performance (acompanhava sua montagem do "Wozzeck" de Alban Berg); ele, não coincidentemente, havia tido a mesma impressão sobre outra ocasião, quando ouvira com Maazel uma sinfonia de Brahms e a mesmo nonchalance. Fiquei aliviado.

Falávamos de envolvimento (não confundir envolvimento com "macaqueação", saltos no palco e coisas similares, coisa de amadores) e as imagens explicam melhor que palavras:


São dois Brahms distintos mas, sobretudo, são duas personalidades distintas: uma correta, precisa e distante; outra correta, precisa e emocionada. Façam suas escolhas.

Poderia falar várias coisas a partir do "problema" como posto, mas para apresentação da OSB e seu ciclo Beethoven, duas lições.

1) Maazel é, indubitavelmente um regente de idéias claras e é isso que fica explícito em sua técnica. Ele sabe o texto, sabe o que quer do texto e sabe como expressar aquilo que quer do texto - elementos que só podem melhorar com a idade. Parece simples mas não é e, preciso dizer, no mundo da arte de hoje, e da música no Brasil, é bastante coisa.

Que não seja um mitificador da música ou de si é apenas outro elemento que, acrescido ao talento, cultura (fala quase dez idiomas - me contaram certa feita haver perguntado à orquestra se preferia ensaios em inglês britânico ou americano) e familiaridade com o repertório, o torna um senhor muito respeitado entre músicos - embora evidentemente não a escolha dos corações de alguém. Nunca deixará de ser un po freddino, como se diz em italiano.

2) No contexto do caos da OSB, toda esta frieza de um rapport profissional parece ter sido suficiente senão para fazer a esquadra levantar vôo, ao menos para apresentar com fluência e algum espécie de graça as obras de Beethoven. E posso acreditar que tenha sido para alguns algo inesquecível pois a este tipo de memória depende sempre do nível de expectativa, ela é fruto da emoção que se baseia tanto no que se espera do que o que se nos apresenta.

O papel do crítico é ter uma expectativa muito muito alta para saber distinguir e contextualizar os eventos no grande quadro. É claro, a energia do ciclo era grande. Forte como é a música de Beethoven, inspirados como deveriam estar os músicos por apresentar-se com um maestro da estatura de Maazel, competente como é o maestro, não poderíamos pensar nada medíocre.

Mas a OSB foi regida por Stravinsky, Eleazar de Carvalho, Kurt Masur; o Rio de Janeiro ja ouviu - eu ouvi - Claudio Abbado e Berliner, Barenboim e Chicago. Por favor, não me digam que Maazel fez o melhor concerto que a cidade já ouviu.

por Leandro Oliveira

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