Ao final do encontro de sábado do Falando de Música um aluno me conta de "Árvore da Vida", um filme sobre a perda de um filho. Segunda-feira, Luiz Felipe Pondé faz um texto belíssimo na Folha de São Paulo, argumentando a partir do que seria a tese central do filme; no mesmo dia Martim publica seu ensaio elogioso a respeito no site da Dicta.
Fiquei ansioso e fui. Minha expectativa era enorme, como não poderia deixar de ser e, infelizmente, detestei o filme. Digo infelizmente pois respeito meus alunos, respeito o Pondé e acho que Martim tem um ótimo faro cinematográfico. Mas talvez o filme seja um pouco demais para mim.
Ficou evidente que Terrence Malick tem um excelente sensiblidade para as perguntas que se coloca - e que de alguma maneira nos afronta a todos: "por que sofremos? qual a lógica de nossa miséria e fortuna?" - ao argumentar a partir de uma aparente dicotomia explicita nas primeiras cenas, onde propõe que "devemos aprender a viver pela Natureza ou pela Graça".
Tudo isso foi discutido por nossa crítica. Curiosamente, o que não foi discutido é o filme. Pois sobre o filme duas coisas saltam aos olhos: sua pretensão e sua desumanidade.
O filme é pretensioso no pior sentido do termo: grandes dimensões (mais de duas horas), imagens assombrosas, excesso do que poderia chamar de "pedagogismo". Neste sentido, sua literalidade é realmente desconcertante, ao ponto de, à leitura das perplexidade do livro de Jó quanto da nossa ignorância a respeito da máquina do Universo ("Onde é que você estava quando criei o mundo?"), o diretor realiza um grande périplo para cenas que contam... a criação do mundo! Jó estava em lugar algum quando o mundo foi criado, mas Malick estava lá. Talvez a parte mais constrangedora do filme seja esta espécie de "La terre vue du ciel", cenas que Discovery Channel algum botaria defeito. (Juro que quando vi um dinossauro fiquei com vontade de ir embora). O resultado quanto mais cenicamente deslumbrante, mais incomoda - se visto no contexto da morte de um filho, é nada mais que tétrico.
E nisto o filme é desumano. Não há a menor forma de compartilhar a dor dos personagens ou, por outro lado, construir o dilema filosófico de maneira inequívoca. As imagens não prevêem contradições, e o problema é demasiadamente humano para ser visto de baixo (a situação onde o diretor nos coloca) ou de cima (de onde, aparentemente, o diretor está).
A crítica da Movieline vai na mosca: "Tree of Life" é sobre a vida, mas Malick não parece ligar muito para pessoas. Malick se preocupa com suas imagens, com sua textura e iluminação; é um mestre de sua ourivesaria cinematográfica. Mas um filme que fala da perda e tragédia precisa antes estar plena de compaixão, não de savoir faire.
(...)Desert rock formations, rushing streams, sunflowers waving gently in the sun, and all sorts of cradle-of-life folderol are the things that really rock his world — he cuts to them whenever he needs to try to explain the inexplicable, which is often. This is a movie about spiritual searching, about reckoning with the nature of God and his frustrating insistence on allowing suffering in the world. We know that because the movie’s characters tell us what they’re thinking, repeatedly, in voice-over: “How did she bear it? Mother.” “Lord — why?” Never trust an actor’s face to convey complicated feelings when you can just dub in words.
(...) There certainly is a lot of filmmaking going on here: Malick grabs our attention with diminutive jump cuts; he often shoots characters in three-quarters profile, so we’re left to wonder what their faces might be saying; he invents dream images (like a slightly airborne Chastain pirouetting among the trees) and inserts them in unexpected places. There’s also lots of majestic orchestral music, courtesy of Alexandre Desplat, Bach and, presumably, God.
(...) It puzzles me that people think of Malick as a strong visual filmmaker. His movies are often gorgeous-looking — that was true even of The New World, which probably tops even Tree of Life in the pretentious snoozefest department.
But strong visuals don’t necessarily equal strong visual storytelling. If Malick could tell a story mostly with pictures — and faces — why would he need so many voice-overs? There are some good performances here, to the extent that Malick allows us to focus on them: Pitt, in particular, captures the essence of preoccupied dadness. As he schools his boys in the art of respecting the line dividing their property from a neighbor’s, or takes them all out to eat at a local diner, he’s both distanced and affectionate in the way many of us may remember our own dads to have been. Chastain has less latitude: She’s cast in the role of beatific mom-symbol, and it constrains her.
I can already hear the chorus of dissenters: But you just don’t understand! Tree of Life a tone poem made by a genius! You need to see it again, or at least think about it a lot more! Admittedly, in this particular case, deadline constraints demanded some pretty rapid processing. But I don’t think I’d find much more beneath the surface of Tree of Life if I thought about it for 12 more hours or 12 more days. Malick is doing what lots of directors do as they get older and ponder larger issues. I’m sympathetic, at least, to his intent. But he’s trying to answer big questions by making the biggest movie possible. Where is God when you need him? The one place he forgets to look is in his characters’ eyes.
Forte mas está tudo aí. Disse que meu aluno, no sábado, foi o primeiro a chamar a atenção para o filme; falávamos de Kindertotenlieder de Gustav Mahler. O texto de Friedrich Rückert fala de uma criança, o filho do poeta, morto de rubéola em 1833; Mahler aproveita setenta anos mais tarde do impacto dramático do poema e realiza sua pequena obra prima. A música é prudente e pungente - dor, sobretudo dor, e ao fim uma aposta. Dois anos depois sua filha mais velha Maria Anna falece de rubéola, aos cinco anos de idade. E o que Mahler diz? "(Quando fiz a música) me coloquei na situação da perda de um filho. Mas quando realmente perdi milha filha eu não poderia mais ter escrito tais canções..."
Talvez a sensibilidade do projeto Malick seja realmente notável, mas a arte é feita da comunicação desta sensibilidade - e nisto a técnica é apenas subsidiária. E na comunicação, os símbolos, quando soltos, são apenas símbolos soltos. Em "A Árvore da Vida", o que vemos na maior parte do tempo é uma colagem de imagens espetaculares, de grande e indubitável impacto por si, mas realmente sem pretexto ou nexo narrativo dentro do grande e real drama que se coloca: a perda, a morte, a eventual transfiguração e consolo dos que ficam. Ao fim e ao cabo, o filme pareceu-me uma grande colcha de retalhos onde percebemos as sombras de uma história trágica, e não conseguimos saber se tal trama do Universo que nos apresenta o filme passa pela cabeça dos O'Briens - e portanto é a justificativa de seu sonho redentor ao final -, ou se as sombras são apenas os gafanhotos, espumas do mar e dinossauros da câmera de Malick - portanto, parte de um certo proselitismo, convencendo a NÓS da redenção final do filho crescido.
Para falar da vida no cinema é necessário mais do que senso plástico, é necessário contar histórias, mesmo quando cheia de horríveis contradições. Malick sabe coisas demais; talvez seja o maior de todos. Mas eu não o entendo.
Ps: Mahler faz uma belíssima reflexão sobre o Universo, a Natureza e a transfiguração da vida na sua Terceira Sinfonia. É uma obra filosófica e instigante, esmiuçada no premiadíssimo documentário "What the Universe Tells me". No filme, as mesmas imagens impressionantes, a mesma música transcendente que nos remeteria a "Árvore da Vida". Mas a linguagem enxuta elucida a belíssima narrativa mahleriana e suas bases na filosofia de Schopenhauer. O filme completo no link abaixo:
por Leandro Oliveira
Fiquei ansioso e fui. Minha expectativa era enorme, como não poderia deixar de ser e, infelizmente, detestei o filme. Digo infelizmente pois respeito meus alunos, respeito o Pondé e acho que Martim tem um ótimo faro cinematográfico. Mas talvez o filme seja um pouco demais para mim.
Ficou evidente que Terrence Malick tem um excelente sensiblidade para as perguntas que se coloca - e que de alguma maneira nos afronta a todos: "por que sofremos? qual a lógica de nossa miséria e fortuna?" - ao argumentar a partir de uma aparente dicotomia explicita nas primeiras cenas, onde propõe que "devemos aprender a viver pela Natureza ou pela Graça".
Tudo isso foi discutido por nossa crítica. Curiosamente, o que não foi discutido é o filme. Pois sobre o filme duas coisas saltam aos olhos: sua pretensão e sua desumanidade.
O filme é pretensioso no pior sentido do termo: grandes dimensões (mais de duas horas), imagens assombrosas, excesso do que poderia chamar de "pedagogismo". Neste sentido, sua literalidade é realmente desconcertante, ao ponto de, à leitura das perplexidade do livro de Jó quanto da nossa ignorância a respeito da máquina do Universo ("Onde é que você estava quando criei o mundo?"), o diretor realiza um grande périplo para cenas que contam... a criação do mundo! Jó estava em lugar algum quando o mundo foi criado, mas Malick estava lá. Talvez a parte mais constrangedora do filme seja esta espécie de "La terre vue du ciel", cenas que Discovery Channel algum botaria defeito. (Juro que quando vi um dinossauro fiquei com vontade de ir embora). O resultado quanto mais cenicamente deslumbrante, mais incomoda - se visto no contexto da morte de um filho, é nada mais que tétrico.
E nisto o filme é desumano. Não há a menor forma de compartilhar a dor dos personagens ou, por outro lado, construir o dilema filosófico de maneira inequívoca. As imagens não prevêem contradições, e o problema é demasiadamente humano para ser visto de baixo (a situação onde o diretor nos coloca) ou de cima (de onde, aparentemente, o diretor está).
A crítica da Movieline vai na mosca: "Tree of Life" é sobre a vida, mas Malick não parece ligar muito para pessoas. Malick se preocupa com suas imagens, com sua textura e iluminação; é um mestre de sua ourivesaria cinematográfica. Mas um filme que fala da perda e tragédia precisa antes estar plena de compaixão, não de savoir faire.
(...)Desert rock formations, rushing streams, sunflowers waving gently in the sun, and all sorts of cradle-of-life folderol are the things that really rock his world — he cuts to them whenever he needs to try to explain the inexplicable, which is often. This is a movie about spiritual searching, about reckoning with the nature of God and his frustrating insistence on allowing suffering in the world. We know that because the movie’s characters tell us what they’re thinking, repeatedly, in voice-over: “How did she bear it? Mother.” “Lord — why?” Never trust an actor’s face to convey complicated feelings when you can just dub in words.
(...) There certainly is a lot of filmmaking going on here: Malick grabs our attention with diminutive jump cuts; he often shoots characters in three-quarters profile, so we’re left to wonder what their faces might be saying; he invents dream images (like a slightly airborne Chastain pirouetting among the trees) and inserts them in unexpected places. There’s also lots of majestic orchestral music, courtesy of Alexandre Desplat, Bach and, presumably, God.
(...) It puzzles me that people think of Malick as a strong visual filmmaker. His movies are often gorgeous-looking — that was true even of The New World, which probably tops even Tree of Life in the pretentious snoozefest department.
But strong visuals don’t necessarily equal strong visual storytelling. If Malick could tell a story mostly with pictures — and faces — why would he need so many voice-overs? There are some good performances here, to the extent that Malick allows us to focus on them: Pitt, in particular, captures the essence of preoccupied dadness. As he schools his boys in the art of respecting the line dividing their property from a neighbor’s, or takes them all out to eat at a local diner, he’s both distanced and affectionate in the way many of us may remember our own dads to have been. Chastain has less latitude: She’s cast in the role of beatific mom-symbol, and it constrains her.
I can already hear the chorus of dissenters: But you just don’t understand! Tree of Life a tone poem made by a genius! You need to see it again, or at least think about it a lot more! Admittedly, in this particular case, deadline constraints demanded some pretty rapid processing. But I don’t think I’d find much more beneath the surface of Tree of Life if I thought about it for 12 more hours or 12 more days. Malick is doing what lots of directors do as they get older and ponder larger issues. I’m sympathetic, at least, to his intent. But he’s trying to answer big questions by making the biggest movie possible. Where is God when you need him? The one place he forgets to look is in his characters’ eyes.
Forte mas está tudo aí. Disse que meu aluno, no sábado, foi o primeiro a chamar a atenção para o filme; falávamos de Kindertotenlieder de Gustav Mahler. O texto de Friedrich Rückert fala de uma criança, o filho do poeta, morto de rubéola em 1833; Mahler aproveita setenta anos mais tarde do impacto dramático do poema e realiza sua pequena obra prima. A música é prudente e pungente - dor, sobretudo dor, e ao fim uma aposta. Dois anos depois sua filha mais velha Maria Anna falece de rubéola, aos cinco anos de idade. E o que Mahler diz? "(Quando fiz a música) me coloquei na situação da perda de um filho. Mas quando realmente perdi milha filha eu não poderia mais ter escrito tais canções..."
Talvez a sensibilidade do projeto Malick seja realmente notável, mas a arte é feita da comunicação desta sensibilidade - e nisto a técnica é apenas subsidiária. E na comunicação, os símbolos, quando soltos, são apenas símbolos soltos. Em "A Árvore da Vida", o que vemos na maior parte do tempo é uma colagem de imagens espetaculares, de grande e indubitável impacto por si, mas realmente sem pretexto ou nexo narrativo dentro do grande e real drama que se coloca: a perda, a morte, a eventual transfiguração e consolo dos que ficam. Ao fim e ao cabo, o filme pareceu-me uma grande colcha de retalhos onde percebemos as sombras de uma história trágica, e não conseguimos saber se tal trama do Universo que nos apresenta o filme passa pela cabeça dos O'Briens - e portanto é a justificativa de seu sonho redentor ao final -, ou se as sombras são apenas os gafanhotos, espumas do mar e dinossauros da câmera de Malick - portanto, parte de um certo proselitismo, convencendo a NÓS da redenção final do filho crescido.
Para falar da vida no cinema é necessário mais do que senso plástico, é necessário contar histórias, mesmo quando cheia de horríveis contradições. Malick sabe coisas demais; talvez seja o maior de todos. Mas eu não o entendo.
Ps: Mahler faz uma belíssima reflexão sobre o Universo, a Natureza e a transfiguração da vida na sua Terceira Sinfonia. É uma obra filosófica e instigante, esmiuçada no premiadíssimo documentário "What the Universe Tells me". No filme, as mesmas imagens impressionantes, a mesma música transcendente que nos remeteria a "Árvore da Vida". Mas a linguagem enxuta elucida a belíssima narrativa mahleriana e suas bases na filosofia de Schopenhauer. O filme completo no link abaixo:
por Leandro Oliveira
Um comentário:
Adorei isso aqui:
A crítica da Movieline vai na mosca: "Tree of Life" é sobre a vida, mas Malick não parece ligar muito para pessoas. Malick se preocupa com suas imagens, com sua textura e iluminação; é um mestre de sua ourivesaria cinematográfica. Mas um filme que fala da perda e tragédia precisa antes estar plena de compaixão, não de savoir faire.
Muito bom!
Bj
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