por Leandro Oliveira
Todos os que estavam ansiosos por uma oportunidade de puro deleite musical ontem à noite no concerto extra da temporada oficial da Sociedade Cultura Artística, devem ter saído decepcionados. Infelizmente, são raros os eventos deste ano que poderíamos, de antemão classificar como extraordinários; assim foram Keith Jarret, a Orquestra do Festival de Budapeste e Ivan Fischer, assim será a 8 de Mahler com a Osesp. Assim deveria ter sido a apresentação da Orquestra Símon Bolivar e seu regente das multidões, Gustavo Dudamel.
Ok, nada há a ser dito sobre a formação. Afinal são jovens com menos de trinta anos, todos empenhados verdadeiramente em trazer alguns momentos de música para seu público. E disso, sua energia, empenho e visceralidade, qualquer um poderá dizer nada. A bem da verdade, o engajamento da orquestra é algo por si só louvável, ainda mais conhecendo as tantas formações similares que conhecemos - quando os aspirantes a músicos rapidamente conhecem as benesses de se tornarem burocratas da música. Jamais seria uma acusação possível à Símon Bolivar. O problema da orquestra - e aqui falo por inferência, saindo do evento em particular e indo para o plano geral - é que ela não sabe muito bem o que fazer quando a música não está lá para os "Mambos" e "Malambos" da nossa vida.
E preciso dizer, embora lá venha bronca de muitos: tampouco o sabe o maestro Dudamel. Dudamel, digam o que digam, não soube construir com seu energético instrumento os distintos e elaborados timbres que Mahler exige; mas, muito antes disso, também não conseguiu equilibrar os naipes ou tornar orgânicos as tantas mudanças de clima da música. Sua orquestra toca sem nuances sonoras, sua gradação dinâmica vai do mezzo-forte ao fortíssimo mesmo em momentos de inspiração noturna. Sua transcendência é como a que busca alguém ao drogar-se, intoxicação de baixa sofisticação, o êxtase de um usuário de crack.
E aqui entra o verdadeiro crime da noite: a escolha do repertório. Não é que uma orquestra jovem não possa tocar Mahler - ouvi já algumas versões belíssimas pela formação do Festival de Campos do Jordão com Kurt Masur, a West-Eastern Divan Orchestra com Barenboim, ambas apresentando a Primeira Sinfonia do compositor. Ouvi uma orquestra jovem de Boston fazer uma das mais impressionantes leituras da Quinta que ouvi ao vivo.
Mas a Sétima é uma sinfonia de difícil digestão, talvez a menos palatável entre todas. A bem da verdade, com os elementos em cena ontem, duvido muito que tivéssemos uma versão satisfatória mesmo se nos fosse apresentado a Quarta. Mas certamente, os jovens aspirantes a músicos foram expostos cruamente, os pobres solistas vivendo seu pequeno pesadelo nas tantas oportunidade que a peça oferece.
Talvez a idéia seja fazer com que os jovens percam medo da Grande Música (ou de música grande, que no caso da Sétima de Mahler dá no mesmo), mas entre perder o medo das notas e realmente dominá-las, um abismo de distância que dificilmente se justifica em uma turnê internacional - mesmo que seja pela América Latina.
Dudamel é um sujeito muito carismático, ninguém há de negar. Sua regência é clara e comunicativa, como todos sabem; mas temo que aquilo que o faça apresentar a Sétima de Mahler não cumpra nenhum de seus objetivos declarados - trazer alegria às pessoas, fazer com que os jovens saiam de sua situação social ou coisa que o valha. Creio sinceramente que seja apenas vaidade; e todos nós que estivemos a frente de uma orquestra sabemos como podemos nos sentir poderosos comandando as forças necessárias para trazer à luz uma obra dessas. No caso, Dudamel não dominou nada além de si. Mahler não pode estar presente.
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