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sábado, 18 de dezembro de 2010

Os Outros Nomes de Aslan


por Ieda Marcondes

Alguns acreditam que os filmes de antigamente, como conjunto de produção, eram muito melhores do que os que são feitos hoje em dia. Apesar da idéia parecer facilmente defensável apenas citando alguns poucos títulos, eu não acredito totalmente nisto. Acredito que conhecemos filmes de antigamente porque estes sobreviveram, porque foram escolhidos e perpetuados através dos tempos justamente por serem bons. Acredito que deveria haver muita coisa ruim que, a não ser que nos tornemos pesquisadores ferrenhos, simplesmente não tomamos ou sequer tomaremos conhecimento. Da mesma forma, não é possível que todos os filmes de um determinado país sejam bons porque os que conhecemos, se é que conhecemos, são alguns poucos selecionados, por festivais, por críticos, etc., por serem coisas dignas de nota ou mesmo extraordinárias. Tudo que há de ruim costuma ser esquecido, escondido - e muito justamente. Os clássicos são clássicos porque diferem dos demais, se destacam de todo o resto. Não é possível que tudo em determinada época ou lugar seja um clássico. Há de haver coisa ruim também. Mas se podemos considerar que os filmes de antigamente são melhores, levando em conta de que filmes são reflexos culturais de determinadas épocas, podemos dizer também que os filmes de agora são piores porque as pessoas são piores. Contra isto, eu já não tenho muitos argumentos.

Os três filmes de Nárnia, baseados na obra de C. S. Lewis, tentam formar, talvez de forma tristemente solitária, pessoas melhores. Pessoas mais fortes, com convicções, que não cederão às tentações freqüentes e farão sempre o melhor – pois esta é a atitude de reis e rainhas. O último filme, “As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada” pode não ter a novidade do primeiro ou a força do segundo, não é tão bem escrito ou mesmo filmado, mas ainda é um excelente formador de caráter. Algo que forma o caráter não precisa, é claro, ser chato e instrutivo. Os melhores contos são aqueles capazes de instruir aos homens, de prover exemplos a serem seguidos, mas também de divertir, de emocionar, pois é a emoção que atravessa todas as camadas do espectador e traz à tona seu coração, suas memórias e mesmo seu intelecto. Não há como ensinar com frieza, com distanciamento. Brecht estava errado.

Há um personagem novo que vai para Nárnia em “Viagem do Peregrino”, o primo chato dos Pevensies, Eustace, que, apesar da pouca idade, é um racionalista convicto. Mesmo ao se deparar com um rato e um minotauro que falam, ele acredita que estão todos loucos, que aquilo não pode ser real porque não há lógica. Ele não percebe que a realidade não tem nada a ver com razão ou lógica, que a realidade é simplesmente real. Ele é o ateu. É o bobo que não sabe o que todo mundo sabe, que não acredita no que ele mesmo pode ver ou tocar. Mas, no filme, ele é o primeiro a ver Aslan. Não porque merecesse, mas talvez porque fosse o que mais precisasse. Entre os Pevensies, ele é o personagem mais moderno, mais atual de todos. Ele é arrogante, esnobe, precoce – como muitas pessoas que conhecemos. Eustace é importante ao filme porque, apesar de Lucy e Edmund também enfrentarem seus próprios demônios, eles conhecem Aslan, eles sabem do que ele é capaz. O primo chato, ainda não. E sempre haverá primos chatos.

Ao final do filme, Aslan diz à Lucy, que não retornará novamente a Nárnia, que ele tem outro nome no mundo real. Que conhecê-lo em Nárnia ajudaria a identificá-lo e encontrá-lo no mundo real. Isto resume a importância da arte, da literatura, do cinema; conhecer Deus na ficção para encontrá-lo na realidade. Lucy chora e abraça Aslan da mesma forma que faríamos com determinados livros, determinados filmes, porque sabemos que são de certa forma sagrados e que não podemos esquecê-los jamais, porque nos trouxeram algo de valioso, algo de verdadeiro. Ao fechar um livro ou sair de uma sala de cinema, precisamos saber reconhecer constantemente na vida real aquilo que um dia nos pareceu sagrado, importante, bom. E apenas querer isto já nos torna melhores.

3 comentários:

Anônimo disse...

O correto seria: "(...) E sempre haverá primos chatos".

Leandro Oliveira disse...

Obrigado Anônimo! Correção feita. Abraços.

Gabriele disse...

Oi Ieda,

Belo artigo! Gostei mesmo. Você escreve muito bem! Parabéns!
Só tomaria cuidado em dizer (se é que era isso que vc disse) que tudo que é esquecido é merecidamente esquecido por ser mau. São incontáveis os autores, ou mesmo os filmes bons que estão no esquecimento das pessoas, que, como você tão bem coloca, têm uma visão embotada das coisas. Então, o sucesso e a duração de uma obra, não quer dizer que ela seja um "clássico" com mérito para tanto. Sei que o assunto é mais complexo do que possamos comentar aqui. Então, fica só esse lembrete.

Grande abraço e Feliz 2011!!!

Gabriele Greggersen

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