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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pergunte ao Julio Lemos


por Julio Lemos

Arrependimento é uma demonstração de burrice?
Não; é uma demonstração de civilização.

Vc acha possivel que, por meio dos teoremas Gödel, seja possível contestar (ou ao menos enfraquecer) a teoria dos sistemas do Luhmann?
Esses teoremas apontam o limite dos sistemas formais; mas a lógica de primeira ordem é completa, certo? Luhmann tinha consciência disso; e creio que isso não afete as suas teorias. É preciso ter em conta que os sistemas descritos por Luhmann descrevem um aspecto da vida social, deixando intactas coisas como o mistério, as origens, etc. Ele sabia que era apenas um Observador. Malgrado isso, há inúmeros pontos fracos nos seus livros -- mas prefiro ele a Habermas, por exemplo.

O que pensa da situação atual dos descendentes de escravos no Brasil?
Eu não ligo nada pra descendentes de escravos. Que coisa mais surreal, bicho. Se é boa gente, é boa gente. Não tem título de nobreza.

Em 2007 eu caia num marasmo intelectual sem fim, derivado da idéia (ridícula) de que já sabia muito e por ficar confinado na universo de referência de uns poucos autores. Você alargou meus horizontes e me fez mais feliz. Muito obrigado.
Você é bem vindo, you're welcome, my unknown friend.

Quero começar a me dedicar ao meu curso de direito, que venho levando na barriga e com desinteresse. Como despertar esse interesse? O que ler? Recomende-me obras, por favor.
Esse interesse tem de aparecer de algum modo. Um bom móvel é colocar a meta de ser o melhor aluno da classe sem parecer idiota como os almofadinhas do direito. Ler os autores clássicos de cada área: Pontes de Miranda, Francisco Amaral e Serpa Lopes (civil); Nelson Hungria (penal); Bandeira de Mello (administrativo); Augusto Becker (tributário); Baptista da Silva (processo civil); Canotilho e Konrad Hesse (constitucional); Alchourrón, Kelsen, Canaris, Larenz e Miguel Reale (filosofia do direito); Moreira Alves e Max Kaser (direito romano). Ler literatura. Enfim, se interessar pelo curso que você escolheu e não ser uma vergonha para o país :)

Quantos anos você tem?
Dez anos depois do assassinato de John Lennon, meu pai tinha o dobro da minha idade, mais seis anos; no ano do ataque às torres gêmeas meu pai fez 41 anos. Agora eu pergunto: que idade eu tenho? Há uma vírgula aí, estrategicamente colocada, que decide a questão.

Alguma dúvida? Pergunte ao Julio Lemos.

Passagem preferida

POLÔNIO: O que é que está lendo, meu Princípe?
HAMLET: Palavras, palavras, palavras.
POLÔNIO: Mas, e qual é a intriga, meu senhor?
HAMLET: Intriga de quem?
POLÔNIO: Me refiro à trama do que lê, meu Príncipe.
HAMLET: Calúnias, meu amigo. O cínico sem-vergonha diz aqui que os velhos têm barba grisalha e pele enrugada; que os olhos dele purgam goma de âmbar e resina de ameixa; que não possuem nem sombra de juízo; e que têm bunda mole! É claro, meu senhor, que embora tudo isso seja verdadeiro, e eu acredite piamente em tudo, não aprovo nem acho decente pôr isso no papel. Pois o senhor mesmo ficaria tão velho quanto eu se, como o caranguejo, se pudesse a avançar de trás pra frente.
POLÔNIO: (À parte.) Loucura embora, tem lá o seu método. (Pra Hamlet.) O senhor precisa evitar completamente o ar, meu Príncipe.
HAMLET: Entrando na tumba?
POLÔNIO: Realmente, não há melhor proteção. (À parte.) Que respostas precisas! Achados felizes da loucura; a razão saudável nem sempre é tão brilhante. Vou deixá-lo agora e arranjar logo um encontro entre ele e minha filha. (Pra Hamlet.) Meu honrado Príncipe, não quero mais roubar seu tempo.
HAMLET: Não há nada que o senhor me roubasse que me fizesse menos falta. Exceto a vida, exceto a vida, exceto a vida!
POLÔNIO: Passe bem, senhor.
HAMLET: Esses velhos estúpidos e fastidiosos!


Extraído de "Hamlet" (traduzido por Millôr Fernandes).

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Explosões no céu

por Julio Lemos

“Remember me as a time of day” é a frase que serve de título para uma música do Explosions In The Sky. Uma espécie de leitura de “Love Will Tear Us Apart” do Joy Division ao lado das Escrituras — pois João Evangelista, o Εὐαγγελιστής Ἰωάννης, lembra-se do exato horário do dia em que conheceu Christo. É como se tivesse entendido, nas entrelinhas, que lhe dissera o messias algo como: «Lembra-te de mim como uma hora do dia».

Provavelmente João morreu velhinho, lá pelo ano 100, em Éfeso. Suas últimas lembranças talvez fossem nesse sentido — a memória da hora do dia: Christo como uma sensação, uma categórica percepção do Tempo qualitativo. Os coptas lembram-se de João como um dia em seu calendário: 2 de janeiro. Entre nós, 27 de dezembro.

Também me lembro das pessoas como um dia e uma hora. As três da tarde — momento em que escrevo isto aqui — é o time of day de uma pessoa querida que desapareceu. Encontramo-nos pela primeira vez a essa hora na esquina da Haddock Lobo com a Luís Coelho. Está tudo registrado — e não desaparecerá.

Sem ter me treinado a isso — é uma aptidão da memória bastante comum –, lembro-me das frases de um livro por sua posição na página. Basta dizer “fulano diz isso no livro tal” que, se tiver lido a obra, sei dizer a posição da frase no espaço tipográfico. Ou todos sabemos. Não me parece nada incomum.

“Uma hora do dia” e “posição na página” — espaço e tempo: x, y, z e t.

Depois da explosão do Big Bang ou de algo semelhante, se explosão houve, é assim que localizamos os nossos amores.

Retirado de Feliz Nova Dieta.

Observatório Pohlmann

por Eduardo Pohlmann

Uma pequena dica para alguns dos melhores vídeos de filosofia disponíveis online: http://www.editor.net/BWS/videolinks.html

A gênese da "lei moral dentro de mim". http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/832208-bebes-de-ate-3-anos-podem-julgar-intencoes-boas-e-mas.shtml

Onde estão os multiculturalistas agora? http://www.imil.org.br/internacional-blog/garota-iraniana-resiste-a-ser-presa-pela-policia-da-moralidade/

A inquietação de Margo Channing, no seu célebre monólogo em "A Malvada", é ainda mais premente para as mulheres chinesas
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/para-mulheres-na-china-o-progresso-traz-riscos

O documentário que levou muitos antropólogos à loucura
http://www1.folha.uol.com.br/bbc/835267-documentario-conta-drama-de-gemeo-criado-como-menina-apos-perder-penis.shtml

The wheels are still in motion http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/preso-o-nazista-que-assinou-a-primeira-ordem-de-genocidio

Na onda das notícias sobre autorização da ortotanásia no país, vale a pena conferir o artigo de Brendan O'Neill sobre eutanásia.
http://www.spiked-online.com/index.php/site/article/8201/

Uma concessão para Christopher Hitchens: http://www.slate.com/id/2276857/

Talvez o artigo com a maior repercussão nos meios acadêmicos nos últimos tempos http://www.economist.com/node/17723223

E mais um obituário de Denis Dutton (além dos que o Martim já havia indicado): http://www.spiked-online.com/index.php/site/article/10045

Outra grande herança que Denis Dutton nos deixa http://profron.net/fun/BadWriting.html

A imoralidade a serviço da estética
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110110_coelhoira_pai.shtml

Para aqueles que sempre dependeram da bondade de estranhos, uma dica. http://www.wired.com/wiredscience/2010/11/trust-and-temperature/

Para ganhar o Nobel de Literatura, basta você ser um grande escritor, certo? Errado, os critérios da Academia Sueca são outros http://reason.com/archives/2010/12/28/the-power-politics-of-the-priz

John Rawls e a invenção dos direitos humanos http://nationalinterest.org/bookreview/what-rawls-hath-wrought-4570

Neurotrash? Roger Scruton explica http://www.philosophypress.co.uk/?p=1696

Nobreza espanhola cria ONG para aristocratas decadentes
http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u691046.shtml

As melhores fotos do ano, definitivamente http://www.boston.com/bigpicture/2010/11/national_geographics_photograp.html

Não é assim que se faz http://www.guardian.co.uk/books/2010/nov/30/bad-sex-award-novelist-rowan-somerville

O estranho mundo das artes plásticas


por Leandro OLiveira

Adoro este inexplicável mercado das artes plásticas: inexplicável, mais do que tudo, pela sua disponibilidade para reinvenção - e o faro para o dinheiro.

Por isso, enquanto vários morrem de inveja da coleção de Edemar Cid Ferreira (ao que parece uma mistura bem brasileira de Peggy Guggenheim com Al Capone), eu fiquei bem interessado é com outra notícia. A Tatiana Gianini comenta na Exame deste mês:

Arte vai à Bolsa

Em vez de ações de empresas, ações de quadros, gravuras e esculturas. Em janeiro, foi aberta em Paris a primeira bolsa de valores totalmente dedicada à arte. Uma iniciativa do grupo francês A&F Markets, a Art Exchange permite que os investidores comprem, a partir de apenas 10 euros, ações de obras de arte moderna, como as telas do pintor e escultor alemão Anselm Kiefer. Dez obras terão capital aberto até o próximo mês de março, e os trabalhos têm valor inicial de até 150 000 euros.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Uma cidade particular

por Leandro Oliveira

Entreouvido em uma livraria bem carioca.

"Moça, você tira uma dúvida: qual a diferença entre o '1808' e o '1822'?"

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Um vendedor de camarões na praia realizou uma distinção muito culta hoje. Disse que além de serem muito bons, os seus produtos eram de excelente qualidade.

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Even here, unfortunately, there is no free lunch.

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A única coisa que me importa são minhas afilhadas: hoje fomos a aula de surf e ontem assistimos "Família Adams". Não é à toa que o site ficou meio devagar. 

Mas li uma matéria de um colunista supimpa do Globo: lembrei que, embora a troca entre cidades seja injusta, meu exílio voluntário em São Paulo vale por não me obrigar a ler os cadernos de cultura dos jornais cariocas. Amanhã explico o caso.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Leis das tecnologias

Entre os Bambar e os Dogon, o talento para tecelagem está 
proximamente associado a fala. 
Soy, a palavra em Dogon para "roupa" significa 
"é a palavra falada" (Giraule 1948, p.30). 
Tecer, assim como falar, foi um presente dado pelo Criador 
para ajudar o Homem.
(Douglas Fraser in "African Art as Philosophy")

por Leandro Oliveira

Uma característica conhecida das tecnologias de comunicação é mudar parte dos conceitos com os quais lidamos ordinariamente quando não tínhamos a mediação da dita tecnologia. Vivendo em um mundo de transformações, fica fácil ilustrar: hoje fazemos parte de "comunidades", "batemos papo", temos "amigos", alguns até "namoram" pela internet.

Não é nenhuma surpresa que quinze anos atrás nenhuma aspa acima poderia ser inteligível em termos práticos: comunidade era quase coisa de hippie - ninguém mais participava de uma -, "bater papo" requeria ao menos a voz de um interlocutor (não precisava ser ao vivo, um telefone servia), amigos eram só aqueles com quem se desfrutava alguma intimidade, namorar previa uma certa troca de calor, por assim dizer.

Hoje não é mais assim e o Estadão em sua versão online consegue dar destaque para uma chamada como "computador será seu melhor amigo" sem que ruborizemos (por enquanto nós ruborizamos, embora algo me diga que, diante de uma chamada assim, imaginar que a tela ruborize não seria de todo um antropomorfismo exagerado).

E cá estamos todos tentando nos virar com essas tantas novas referências, de alguma maneira melancolicamente. Melancólicos os que cantam as loas de um novo mundo assim como os outros de nós, aqueles que ficamos definitivamente receosos do que pode vir. No que me diz respeito, preciso dizer que, tendo um companheiro como o intragável Wolf, seria antes um infeliz por ter um computador como meu melhor amigo.

O que fazer desta insensatez? Marshall McLuhan - para muito além do queridinho dos estudantes de Comunicações das universidades brasileiras - já havia em 1977 previsto uma maneira bastante prática de lidar com o que chamava as "Leis das Tecnologias". Segundo ele para explorar tais Leis deveriamos ter em mente "apenas quatro traços específicos, traços que devem ser pensados em proporção analógica entre si". Chegamos a tais traços com quatro perguntinhas singelas:

a) o que a tecnologia melhora?
b) o que ela torna obsoleto?
c) o que ela recupera e que havia antes sido tornado obsoleto?
d) o que ela produziria se empurrada aos limites de seus potenciais?

Exercitemo-nos. Sugiro três tarefas e publicarei as soluções que eventualmente vocês pensarem. O que esta matriz diria de:

1) telefone celular;
2) a televisão;
3) os talheres de mesa.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Poema de Borges

Os Justos

Um homem que cultiva um jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
Um tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.



Un hombre que cultiva un jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
Un tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Teclas e tipos


Hábitos que seguem como automatismos? Mesmo a indústria os tem. É o que fala - entre outras coisas - Joel Pinheiro da Fonseca.

por Joel Pinheiro da Fonseca

Até as coisas com as quais convivemos todo o dia e sobre as quais nunca pensamos têm uma história; às vezes longa. Olhe à esquerda do seu teclado. O que você vê aí, em cima da tecla Shift? Deve haver uma Caps Lock. Você provavelmente não usa o Caps Lock; ninguém mais, fora comentadores irados e gente com pouca familiaridade com o computador usa essa tecla. E você sabe como ela foi parar aí? Pois ela antecede o computador, tendo nascido junto com o Shift, no século XIX, para facilitar a vida dos datilógrafos; agora parece que vai se aposentar.

Outro legado das máquinas de escrever é o mau hábito de se usar dois espaços depois de um ponto. Como as máquinas até os anos 70 do século XX, por restrições tecnológicas, usavam apenas tipos mono-espaçados (nos quais cada caractere utilizava o exato mesmo espaço; ao contrário dos tipos proporcionais, nos quais, por exemplo, um “i” ocupa menos espaço que um “M”), era necessário dar um espaço duplo depois do ponto para marcar bem a separação dos períodos. Infelizmente o hábito pegou e muita gente continua a usá-lo, indo contra o consenso estabelecido por séculos de experiência tipográfica. Uma Times New Roman (criada nos anos 30 para o "The Times" de Londres), que é das fontes mais usadas, é proporcional.

A propósito, vocês sabem por que ela se chama Roman? A resposta remonta à Renascença. Os humanistas, horrorizados com as fontes góticas, descobriram o que eles acreditaram ser manuscritos escritos com os tipos dos antigos romanos, e batizaram as fontes daí criadas com o nome de romanas. O que eles não sabiam, contudo, era que os tipos nos quais se baseavam eram as minúsculas carolíngeas, criadas muitos séculos antes, mas igualmente medievais. Até hoje prestamos homenagem ao orgulho renascentista e colhemos os frutos da inovação medieval.

Retirado de Dicta.com.br.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Por favor, inclua-me fora dessa

por Leandro OLiveira

Somos todos um pouco personagens do Rubem Fonseca. Cobramos tudo - nos devem bem-estar, comida barata, roupa de luxo... aí vem a chuva e vemos todos nossas carências projetadas na realidade. Então, por que não?, fazemos a festa; é hora de cobrar não por nós, mas por uma boa causa.

Um e-mail tratava do Ronaldinho (?) e pedia para que eu participasse de uma lista de assinaturas que cobrava do jogador a doação de seu primeiro salário no Flamengo às vitimas da serra carioca - o mesmo Flamengo que deveria deixar de fazer sua festa de comemoração da chegada do craque para "fazer melhor uso do dinheiro".

Outro abaixo-assinado comentava sobre a iluminação natalina carioca e seu patrocinador - um grande banco privado: a idéia era que o banco revertesse seu investimento de patrocínio na Árvore de Natal da Lagoa ou em outras iniciativas similares em ações para socorro das vítimas...

Desagrada-me o, por assim dizer, "dinheirismo" da coisa. É como se a solução para este momento do desastre fosse investimento de dinheiro. Nada mais falso: falta, todos sabem a esta altura, mais organização que grana. É a comédia "apertem os cintos, o piloto sumiu" tornada trágédia. A bem da verdade, no meio da corrupção vexaminosa da cultura carioca, um milhão ou cem milhões de reais podem vir a ser nada.

A máxima: estes abaixo-assinados são fruto do prazer mórbido de tungar "poderosos" e, de quebra, aliviar a consciência sem sair do próprio ar condicionado.

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O Michel Onfray - que Julio Lemos acha uma merda - desanca o Freud, argumentando a psicanálise ser tão séria quanto ufologia. Robert Rowland Smith defende o mestre e seu método menos pelos seu valor auto-declarado e mais pela forma como seu tratamento acaba organizando a relação paciente-terapeuta.

Lembrei certa vez, na Sala São Paulo, quando sentamos eu, um maestro famoso e uma senhora muito perfumada de cabelos arroxeados, lado a lado. A sétima sinfonia de Beethoven. Ao final da primeira parte, reconhecendo-nos, ela se dirige ao maestro e diz "o senhor sabe, eu não gosto muito de Beethoven".

Ele muito respeitosamente responde: "madame, isso definitivamente não faz a menor diferença".

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E já que estamos - estamos? - muito estimulados pela pós-modernidade - quem não estaria? - vamos falar um pouco da Idade Média.

Sabe aquele seu filho que estuda Comunicação Social na ECA-USP? Assim como as do Bob Marley e John Lennon, ele certamente guarda camisetas do Hamas.

O que é isso?

É uma gente fina que prendeu há pouco tempo umas 150 mulheres sob a acusação de bruxaria.

Sweeties aren't they?

Do jornal a serviço do Brasil

por Leandro Oliveira

De volta à cidade-caos, então vamos ao jornal local:

"São válidos, mesmo que contraditórios, os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje", pontificou Eduardo Portella.

Fiquei tão aliviado!

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"O que se passou na Tunísia nos mostra claramente a real matriz dos problemas no mundo árabe", explicou Vladimir Safatle.

Era simples, viu só?

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"Caro leitor, cara leitora, vamos fazer uma continha simples de somar e diminuir?", convidou Eliane Catanhede.

Deu um medo!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Poesia...

And in did there will be time
To wonder, ‘Do I dare?’, and ‘Do I dare?’
(...)
Do I dare
Disturbe the universe?
In a minute there is time
For decisions and revisions that a minute will reverse.


T.S. Eliot

sábado, 15 de janeiro de 2011

Arquitetura Evolutiva


Arquitetura e suas agruras modernistas... uma pequena reflexão.

por Joel Pinheiro da Fonseca

Certas formas de arte são mais passíveis de experimentos do que outras. Pense num quadro. O sujeito vai ao museu, olha a chocante aberração por uns dois minutos, acha que gostou e volta para casa. Com música é mais difícil; poucos se dispõem a aturar meia-hora que seja num concerto dodecafônico; na hora de encher as salas de concerto, são os barrocos, clássicos e românticos que salvam a orquestra.

Na arquitetura, por outro lado, pouco pensamos, embora ela interfira muito no nosso dia-a-dia e bem-estar. O suposto princípio da arquitetura moderna é a submissão da forma (aparência) à função. O problema é que a função pensada pelos arquitetos-artistas do século XX não era, muitas vezes, a vida normal e natural do ser humano, mas a vida que o homem por eles sonhado deveria ter.

Há uns dois anos foi disponibilizado no Google Video a série de documentários How Buildings Learn do escritor Stewart Brand cujo principal interesse não é com a fotografia do prédio na revista ou com as inovações da planta, e sim em como o prédio se adapta à vida humana e como, em consequência disso, ele muda ao longo dos anos.

“Na Bibliotèque Nationale, as notórias torres de vidro mostraram-se muito quentes para os livros lá dentro. Um dia de sol forte e eles assariam. Venezianas de madeira tiveram de ser adicionadas por todo o prédio, aumentando em muito os custos da construção.” No todo, a manutenção do prédio é tão cara que as autoridades tiveram que diminuir o orçamento da compra de livros.

A vida humana segue independente dos delírios grandiloqüentes de um Corbusier (ou de um Niemeyer); e se a tomarmos como critério, então as obras mais louvadas publicamente são também as menos úteis, as mais caras de se manter e as mais difíceis de se adaptar a novos usos e tecnologias. Prédios menos vistosos são frequentemente superiores; dê a eles alguns séculos, e uma obra-prima emerge das incontáveis alterações.

Retirado de Dicta.com.br.

Imperativo

por Pedro Gonzaga

Se puderes pedir uma coisa
a Júpiter
pede uma ilusão adamantina
não a verdade.
Somente filósofos e tolos,
inquisidores
e síndicos
estão atrás da verdade.

Se puderes fechar os olhos para o real
fecha agora.
Não te preocupes,
antes,
aproveita.
Hão de acordar-te os credores
a dor no ciático
o fingimento da mulher
que nunca se entrega
e que julgas siderar
com tuas carícias de manual,
enquanto ela organiza no teto
uma lista de afazeres vitais.

Percebes?
Somente em sonhos
podes ser quem imaginas
apenas em tua memória
seletiva
tuas ações recebem
a devida camada
de nobre pátina.
Por isso, nega as fotos
foge dos amigos
sentimentais
e nostálgicos
evita as reuniões de
dez
de quinze
de vinte anos
da formatura do colégio.

Investiga menos,
questiona menos,
de que te serve
a dúvida e
o relativismo
vetusto
dos pós-modernos?
Não há fatos,
só versões, dizem.
Ora, deixa que guardem para si
tais patacoadas,
elas não podem te salvar.

Se puderes pedir uma coisa
a Júpiter
pede uma ilusão adamantina
não a verdade.
Porque somente filósofos e tolos,
inquisidores
e síndicos
amam a verdade.

Retirado de PedroGonzaga.wordpress.com.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O nosso Cinema Paradiso


por Leandro Oliveira

Não sou de São Paulo, não pude ter qualquer relação de afeto com o Cine Belas Artes. Na verdade, quando me transferi para a cidade o espaço era já um aglomerado pouco charmoso de salas de exibição ligeiramente desconfortáveis - o acesso ao andar superior era bizarro, e em caso de eventualidades, sem qualquer escape de emergência.

Quanto à programação, sinceramente, nada que o diferenciasse dos demais cinemas de shoppings - muito mais apropriados e modernos. A exceção, notável, eram as sessões noturnas que até pouco tempo levavam à madrugada da cidade alguns clássicos. Mas sinceramente, nem sei se o projeto seguia funcionando.

Não sou a favor de que siga a qualquer custo. O cheiro de decadência me causa urticárias e disputando lugar com outros cinemas comerciais o Cine Belas Artes seria sempre um lugar decadente - pouco charmoso e sem funcionalidades como um bom café ou estacionamento. E se existem lugares mais qualificados e rentáveis, com programações mais criativas ou recursos mais adequados ao mercado atual, por que não deixar que eles explorem o mercado?

Isso tudo para dizer que lamento o fechamento do Cine Belas Artes provavelmente por motivos diferentes dos meus amigos: lamento que um espaço público de cultura não consiga se re-inventar e, no caso do Belas Artes, que não consiga ter uma atuação condizente com sua capilaridade social.

Espaços de cultura devem seguir as leis naturais da economia - a administração da melhor aplicação de recursos escassos. Desde o anúncio da quebra do contrato com seu patrocinador, o Cine Belas Artes, infelizmente, ficou à deriva com um modelo de negócios que não tinha a menor intuição de uma vocação diferenciada para exploração de seu espaço e marca, seguindo com sua programação errática. O dono do prédio não precisa se fazer de santo e acho um absurdo que lhe tirem o direito de melhor explorar o lugar.

Em caso de tombamento, talvez o espaço pudesse ser agora uma espécie de posto avançado da Cinemateca... mas isso, é claro, dependeria de tantos fatores que meu medo é que antes se tornasse uma idéia grotesca, um cinema ao estilo "Adeus Lênin". Mas acho um final melancólico, de qualquer maneira, o tombamento.

Arre, arre! A morte mais digna para uma iniciativa de cultura com a qual temos afeto genuíno é a que permita as boas recordações e a esperança que em algum momento futuro o projeto renasça das cinzas.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Filosofia no Esquadrão da Moda



Em tempos de Big Brother - o da Globo, não do Orwell - boa parte de nossa produção cultural está voltada para este incrível mundo do reality shows. Joel faz uma incursão a um destes tantos do gênero que ocupam nosso espaço televisivo. As conclusões (antropológicas?) são surpreendentes.

por Joel Pinheiro da Fonseca

Andei vendo uns reality shows de moda. Não me julguem; há jeitos piores de se passar uma noite. Funcionam assim: apresenta-se uma mulher que definitivamente não sabe se vestir; um bagaço desalinhado, enfim, a mess. Acontece que, em geral, ela já está conformada a feiúra e cheia de inseguranças quanto a seus defeitos, embora não saiba o que fazer.

Entram os experts em moda, reviram o guarda-roupas dela, ensinam-lhe o que vestir e como se apresentar, levam-na para umas comprinhas por conta da produção (o atrativo do programa para quem participa é exatamente esse) e, no final das contas, voilà, o bagaço virou mulher, em geral bonita.

O melhor desses programas é o do Tim Gunn, designer que basicamente eleva a moda ao patamar de ciência. Analisando o tipo físico da mulher, é capaz de mostrar a ela os efeitos que diferentes tipos de roupa têm sobre seu físico, o que ela deve evitar e o que deve usar. Um corpo mais cheinho e baixo não vai bem de calça capri, que cria a ilusão de ser ainda menor; as “back-flaps” pouco atraentes são causadas pelo tipo de sutiã usado; um modelo diferente elimina o problema. Enfim, cada mulher tem pontos relativamente mais fortes ou fracos, e a boa roupa é aquela que sabe usar os bons e atenuar os fracos.

Claro que minha apreciação desse tipo de entretenimento é puramente filosófica. O que um programa como esses grita com todos os pulmões? Uma mensagem, olhem só, conservadora: a beleza é objetiva; gosto se discute; há acertos e erros em se tratando de roupa. A feia do começo sempre tem algumas justificativas para o atual estado deplorável: “É o meu estilo; não sigo a moda”; “Sou assim e não tem jeito; não existem roupas para o meu tipo físico”; pseudo-justificativas, que mal e mal escondem profundas inseguranças acerca da própria aparência e de auto-estima.

A própria mulher, inicialmente relutante (depende do caso; algumas estão cientes de seus problemas desde o início), reconhece o progresso e vê como suas justificativas, seus flertes com um relativismo estético, eram espúrias. Vestir-se mal não é estilo; é falta dele.

No final das contas, não há mulher que não possa ser bonita. Claro, existem aquelas com deformidades muito gritantes; fora essas, todo mundo tem um potencial a ser explorado e que pode chegar a bons patamares de beleza. O que ajuda, inclusive, a viverem melhor, ao melhorar a auto-estima da pessoa (que não é gabar-se de méritos inexistentes, mas reconhcer em si um potencial para grandes coisas). O resultado é entretenimento enriquecedor e que ainda oferece algo de sabedoria prática que pode ser utilizado na própria vida (há versões masculinas dos programas, mas em menor número e menos memoráveis; pois a diferença entre o homem desleixado e o alinhado, embora grande, é minúscula se comparada à que existe entre a mulher-bagaço e a elegante).

As meninas da FFLCH poderiam se beneficiar muito da consultoria de um Tim Gunn. Algumas são muito bonitas, de forma que nem as roupas velhas e rasgadas, o cabelo ensebado, as sobrancelhas selvagens e o pé sujo conseguem enfeiar. Outras, coitadas, dão tristeza à vista. Bastaria um olhar externo de alguém que entende do assunto para, com alguns toques determinados, ajudá-las imensamente. Quem sabe até a ideologia venenosa que alimenta e é alimentada pela feiúra do ambiente enfraquecesse um pouco...

Retirado de Terra à Vista.

Pergunte ao Julio Lemos


por Julio Lemos

"Fulano é legal, mas é bobo" é diferente de "Fulano é bobo, mas legal." Por que você acha que isso acontece?
Isso já deu tese de doutorado. As duas orações coordenadas formam nos dois casos uma só proposição complexa; a diferença entre as duas está na ordem das orações, mas na prática o elemento bombástico é o conectivo "mas". Fosse um conectivo lógico como "e" (na forma A.B), não teríamos problema; o sentido e a referência seriam os mesmos. O uso corrente da conjunção "mas" nesse caso é justamente expressar essa diferença: "A(x) mas B(x)" ≠ "B(x) mas A(x)". "Mas" aqui não pode ser identificado como um conjuntivo lógico, embora aparentemente se comporte como tal (em outras palavras: logicamente, A(x) . B(x) = B(x) . A(x), sendo .=def "mas"). Pragmaticamente, entretanto, não há dúvidas de que o sentido primeira proposição é quase sempre: Fulano é legal, mas o que prevalece é o ser bobo; e vice-versa. A última oração, o que segue ao "mas" é o juízo "forte". Se o qualificativo nessa última oração é negativo, a frase inteira assume esse valor, e vice-versa. Respondendo: eu acho que isso acontece porque, no caso do juízo negativo ("mas é bobo") existe um ataque à perfeição do sujeito que acaba por prevalecer; e no caso do juízo positivo, temos uma vitória da benevolência que chama, por sua vez, a atenção.

A finalidade do casaco de pele é a ostentação, o meio é a crueldade. O senhor acha mesmo bonito fazê-lo?
Não tem nada de crueldade. Quem come carne contribui com tudo isso, e não vejo problema algum. Ostentação pode ser com casacos de pele ou com talheres de prata na mão de mendigos (isso já aconteceu).

Tem interesse em homeschooling? Recomenda algo para pai novo ler? Método? Qualquer coisa...
Sim, não, não, nada. :)

O direito à vida não inclui o direito a ganhar a vida produzindo ou participando da produção? Como uma pessoa livre participa da produção através de sua força de trabalho ou de seu capital, o direito à vida não inclui o direito à propriedade dos meios de produção?
Bicho, 'tou pouco me ferrando com esse "direito". O único com que me importo é o direito de entrar em um contrato livremente; ou melhor, no DIREITO DE SE VIRAR sem o Estado enchendo o saco

O que pensa do ateísmo militante e de nomes como Richard Dawkins (claro, sua obra é bem mais do que isso), Christopher Hitchens e Michel Onfray?
Uma merda, para ser franco.

Pergunte ao Julio Lemos aqui.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ciência, consciência e criatividade

por Leandro Oliveira

Dr. Vilayanur Ramachandran é um neurocientista indiano, diretor do Centro do Cérebro e da Cognição da Universidade da Califórnia, em San Diego. Ele surge no meio científico internacional por seu trabalho sobre ilusões visuais e, logo depois, por pesquisas em amputados com sensações em membros fantasmas - que foi tema de uma série para BBC, "Emerging Mind".

Assim como Oliver Sacks, seus livros são dos mais estimulantes escritos de divulgação científica contemporânea. Em português há a publicação de "Fantasmas no Cérebro". Grande comunicador, Ramachandran torna acessíveis questões muito recentes da neurociência. Suas pesquisas por vezes nos aponta conclusões surpreendentes sobre o funcionamento do cérebro.

Este vídeo abaixo é um dos maiores sucessos do TED, sobre criatividade. Há possibilidade de disparar as legendas.


A palestra termina - vale a pena ver seus vinte minutos - com uma nova perplexidade do cientista: a sinestesia e sua relação, por assim dizer, poética. Explica onde o cérebro realiza nossas metáforas, e como estas metáforas, abstrações simbólicas, seriam algo definitivamente humano.

Quatro anos depois, ao apresentar suas conclusões, Ramachandran parece perder um pouco o fio da meada. É o que diz a resenha de seu último livro "The Tell-Tale Brain: A Neuroscientist's Quest for What Makes Us Human", feita pelo filósofo Raymond Tallis para o Wall Street Journal. A discussão, devidamente contextualizada, versa sobre as fronteiras do conhecimento científico, seus limites e suas reais aplicações. Comenta Tallis

The trouble begins when the neurologist turns philosopher and tries to use these insights to get closer to "what makes us human." He suggests that such cross-wiring underpins both humans' ability to enjoy metaphors and artists' capacity to create novel connections — an assertion that has scarcely any research to back it up. (What little has been done depends on laughably simplistic models of how metaphors and creativity really work.) Likewise, his explanation of how we became speaking animals has scarcely a toe-hold on empirical data. (...)

It is disappointing that Dr. Ramachandran is serially unfaithful to the initial vision he presents, of humans as a species that "transcends apehood to the same degree by which life transcends mundane chemistry and physics." "The Tell-Tale Brain," though it is engagingly written and often fascinating, reminds us how little cause we have to privilege what the neuro scientists tell us about what makes us human over the testimony of novelists, poets, social workers or philosophers


A dica é de Joel Pinheiro da Fonseca na Dicta. Para o artigo na íntegra, clique aqui.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Tauromaquia


por Leandro OLiveira

Vinhos chilenos e a leitura de um dos clássicos da tauromaquia (que nostalgias guardará esta cepa?): Ortega y Gasset, "La Caza y Los Toros".

Ahora bien, el toro es el animal que embiste. Comprenderlo es comprender su embestir. Esto es lo que sonará a desesperante perogrullada, porque se da por supuesto que todo el mundo «comprende» la embestida del cornúpeta. Mas el aficionado que en un tentadero se ha puesto alguna vez delante de un becerro añojo saliendo casi indefectiblemente atropellado, si reflexiona un poco sobre su fiasco caerá en la cuenta de que la cosa no es tan perogrullesca. Porque sabe muy bien que no fue el miedo la causa de su torpeza. Un añojo no es máquina suficiente para engendrar temblores. La frustración fue debida a que no «comprendió» la acometida de la res. La vio como el avance de un animal en furia y creyó que la furia del toro es, como la del hombre, ciega. Por eso no supo qué hacer y, en efecto, si el embestir fiel del toro fuera ciego, no habría nada que hacer, como no sea intentar la huida. Pero la furia en el hombre es un estado anormal que le deshumaniza y con frecuencia suspende su facultad de percatarse. Mas en el toro la furia no es un estado anormal, sino su condición más constitutiva en que llega al grado máximo de sus potencias vitales, entre ellas la visión. El toro es el profesional de la furia y su embestida, lejos de ser ciega, se dirige clarividente al objeto que la provoca, con una acuidad tal que reacciona a los menores movimientos y desplazamientos de este. Su furia es, pues, una furia dirigida, como la economía actual en no pocos países. Y porque es en el toro dirigida se hace dirigible por parte del torero.

Uma amiga diria que nada disso, a batalha é entre Dionísio e Apolo - e contestaria, inteligente como ela e só, afinal, o que há de atávico em uma "embestida clarividente".

Talvez a própria fúria? Responderia embriagado. São tantas as narrativas...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Che lavoro!

por Leandro Oliveira

Tanto trabalho - de tão alta qualidade - que o ano parece já estar no meio. Eduardo Wolf, por sua vez, segue na mesma toada, traduzindo e produzindo sobre originais gregos. Apenas Julio Lemos, o mais inteligente entre nós, parece estar tranqüilo com seu doutorado, traduções, artigos científicos e pesquisas matemáticas.

Finalizando um dos ensaios que escrevo, para Osesp, releio a biografia de Lorenzo da Ponte (1749 - 1838), libretista que trabalhou com W.A.Mozart nas deliciosas "Nozze de Figaro", "Don Giovanni" e "Cosí fan Tutte". De um trecho pertinente, faço uma tradução às pressas, só para ilustrar:

Imaginava que fosse o momento de reanimar a veia poética, que me parecia seca de todo, quando finamente escrevi para Reghini e Peticchio. Me apresentaram à ocasião os três maestros Martini, Mozart e Salieri.

Uma vez vieram os três pedir-me um drama. Eu os adorava e esperavam, os três, um ajuste de contas com meu passado, algum incremento de minha pequena glória teatral pretérita. Pensei que não seria possível satisfazer a todos os três, fazer três óperas de uma vez. Salieri não pedia um drama original; havia escrito de Paris a música à ópera "Tarar", e queria reduzi-la ao caráter do drama e música italiana, me pedindo então uma tradução livre. Mozart e Martini deixavam-me escolher livremente.

Escolhi para Mozart "Don Giovanni", assunto que o interessava infinitamente, e "L'arbore di Diana" para Martini - a quem queria dar um argumento sensível, adaptável à suas melodias dulcíssimas que se sentem na alma e poucos sabem imitar. Encontrados estes três argumentos fui ao Imperador, lhe coloquei o que pensava, e informei-o da intenção de fazer estas três óperas contemporaneamente.

«Non ci riuscirete!» me respondeu ele. "Talvez não", respondi, "mas vou me colocar à prova. Escreverei à noite para Mozart, e o farei lendo o "Inferno" de Dante. Escreverei pela manhã para Martini, e me colocarei a estudar Petrarca. À tarde para Salieri, e será o meu Tasso." Achou muito bonito o meu paralelo; assim que cheguei em casa, me pus a escrever. Fui à escrevania e lá fiquei doze horas seguidas. Uma pequena garrafa de "tockai" à direita, uma caixa de tabaco de Sevilha à esquerda. Uma bela menininha de dezesseis anos (que teria amado como uma filha, mas...) que tinha sob sua responsabilidade a família estava na minha casa com sua mãe, e vinha no meu quarto a cada soar de campanhia - que na verdade eu tocava muito freqüentemente, principalmente quando me parecia que a criatividade começava a esfriar-se. Ela me trazia alguns biscoitinhos, uma taça de café ou nada mais que seu belo rosto, sempre matreiro, sempre sorridente e feito ao ponto para inspirar a criatividade poética e as idéias espirituosas.

Eu seguia os estudos por doze horas seguidas cada dia, com breve intervalos, por dois meses contínuos, e por todo este espaço de tempo ela seguiu no quarto ao lado, ora com um livro em mãos, e ora com agulha e bordado, pronta a vir ao primeiro som de campanhia. Por vezes, sentava-se perto sem mover-se, sem abrir a boca ou piscar os olhos, me olhava fixamente, sorria levemente, suspirava de vez em quando e às vezes parecia querer chorar: à corte, esta menina foi minha Calíope para aquelas três óperas, e foi depois por todos os versos que escrevi pelo período de outros seis anos. Desde o início eu que permitira com alguma freqüencia as visitas, tive que, finalmente, torná-las menos freqüentes, para não perder muito tempo em carícias amorosas, das quais ela era professora perfeita. O primeiro dia no entanto, entre o "tockai", o tabaco de Sevilha, o café, a campainha e a jovem musa, eu escrevi as duas primeiras cenas de "Don Giovanni", outros dois de "Arbore Diana" e mais da metade do primeiro ato de "Tarar", cujo título eu troquei para "Assur". Eu levei pela manhã essas cenas aos três compositores, que quase não quiseram acreditar que fosse possível aquilo que com os próprios olhos liam, e em sessenta dias as duas primeiras óperas foram completamente concluídas, assim como quase dois terços da última.


Fico a imaginar que deste período febril tenha saído o texto para maravilhas como

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Beleza, uma hora dessas?

por Leandro Oliveira

Em "Por que a beleza importa", eu falei um pouco sobre arte, mas estava mais preocupado em chamar atenção para o lugar da beleza na vida cotidiana -- nas maneiras, nas roupas, na decoração de interiores e em edifícios vernaculares comuns. Eu critiquei tanto a arquitetura funcional de concreto e vidro, que destruiu cidades em todo o mundo, quanto as maneiras egocêntricas que fizeram o mesmo com a vida doméstica. Tentei explicar por que os filósofos do Iluminismo acompanharam Shaftesbury ao colocarem a beleza no centro do novo código de valores seculares. Para Shaftesbury, Burke, Kant, Schiller e seus seguidores, sugeri eu, a beleza era o caminho de volta para o mundo que eles estavam perdendo, com a perda do Deus cristão -- o mundo do sentido, da ordem e da transcendência, que deve ser constantemente emulado neste mundo se quisermos que nossas vidas sejam verdadeiramente humanas e verdadeiramente plenas de significado. E afirmei em seguida que desde as piadas pueris de Marcel Duchamp, repetidas reiteradas vezes em toda mostra de faculdade de graduação em artes na Grã-Bretanha, um hábito de sarcasmo e profanação tinha se apoderado do exercício das artes visuais.

O sempre exato Roger Scruton em artigo imperdível aqui.

Novos bárbaros

por Leandro Oliveira

Acompanho com interesse a polêmica sobre a logomarca dos Jogos Olímpicos. Um amigo designer disse que o resultado afinal parece uma chupeta.


Engraçado. Mas divertido mesmo é pensar a logo como plágio do "La Danse" do Henri Matisse (1869 - 1954).


É o Matisse de 1909, encantando-se com a art fauve, possivelmente inspirado e inspirador dos espetáculos do Diaghilev; a arte moderna com suas agruras bárbaras e delícias hedonistas...

Vamos combinar: se nossa marca fosse plágio disso, ia ser incrível!

****

Com anos de atraso, o Irã realizará reforma escolar a bem (?) de eliminar os traços de influência ocidental na educação das próximas gerações.

No Brasil, quaisquer traços do gênero foram eliminados há muito tempo.

****

Hugo Chávez quer Oliver Stone, Noam Chomsky ou Sean Penn como embaixador dos EUA na Venezuela. Não preciso comentar.

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John Neschling se fué. Parte "pela primeira vez, desde 1997, só com a passagem de ida" para Europa. Lamenta a falta de política cultural no país. A paralisante e insensível burocracia estatal. Agradece aos muitos. Diz viajar tranqüilo e levar na bagagem o sonho de desenvolver a vida lírica brasileira. Deseja a todos um bom 2011.

Link para "Bye-bye Brasil" que é do Chico Buarque que é irmão da nova Ministra da Cultura que desbancou o antigo Ministro Juca Ferreira que era seu, do Neschling, por assim dizer, "padrinho" no projeto da Cia. Nacional de Ópera.

Deve voltar logo.

O anseio por uma vida mais bela

Seleção de textos e comentários de Joan Huizinga - um dos lançamentos do ano de 2010.

por Fernanda Vaz

Johan Huizinga, "O Outono da Idade Média", Cap. II, p. 63:

Um pouco antes da batalha em Crécy, quatro cavaleiros franceses reconheceram a ordem de ataque dos ingleses. O rei, que aguarda impaciente o relatório deles, vai avançando lentamente pelo campo e para quando os vê voltar. Eles atravaessam a multidão de guerreiros até estarem diante do soberano. O que há de novo, senhores?, ele pergunta. Eles se entreolharam sem dizer uma palavra sequer, pois nenhum queria falar antes do companheiro. E ficavam dizendo de um para o outro: "Dizei vós, senhor, falai com o rei. Não falarei antes de vós". E assim ficaram se debatendo por algum tempo, pois nenhum queria "ter a honra" de começar a falar. Até que o rei ordenou que um deles falasse. A objetividade teve de recuar mais ainda diante da beleza da forma no caso do Messire Gaultier Rallart, o chevalier du guet de Paris, em 1418. Esse chefe de polícia nunca costumava fazer a ronda sem que três ou quatro músicos seguissem à sua frente, soprando alegres seus instrumentos, levando o povo a dizer que, na verdade, ele estava avisando os malandros: fujam, pois estou chegando.

p. 65:

Alguém a quem se destina um beijo na mão a esconde para escapar dessa honra. Assim, a rainha da Espanha esconde sua mão diante do jovem arquiduque Filipe, o Belo; este aguarda por algum tempo e, assim que vê uma oportunidade, agarra a mão de surpresa e a beija. Dessa feita a séria corte espanhola explodiu em gargalhadas, pois a rainha já não esperava por aquele gesto.

(Filipe, o Belo e Joana de Aragão. c. 1505)

Não é preciso dizer que essa minuciosa ornamentação da vida tem seu lugar sobretudo nas cortes dos soberanos, onde havia tempo e espaço pra isso. Mas também permeavam as esferas inferiores da sociedade - algo comprovado pelo fato de que essas formas sociais continuam preservadas hoje justamente na pequena burguesia (sem se falar nas próprias cortes). O convite reiterado para servir-se de mais comida, a insistência para que a pessoa fique mais um pouco, a recusa em passar na frente de alguém desapareceram em grande parte do comportamento social da alta burguesia na última metade deste século¹. No século XV, essas formas estão em pleno vigor. Ainda quando penosamente observadas, são objeto de sátira mordaz. Encontra-se sobretudo na Igreja o teatro das cerimônias longas e belas. Durante o ofertório, ninguém quer ser o primeiro a levar sua esmola ao altar.

Pode passar. - Ah, não, obrigada. - Por favor!
Sem dúvida vós ireis, prima.
- Não, eu não. - Chame a vizinha.
É melhor que oferte primeiro.
- Vós não deveis tolerar,
Diz a vizinha: Nem me passa pela cabeça:
Oferecei logo, pois depende só de vós
Para que o clérigo continue ².


___________________
¹ Huizinga viveu na transição do século XIX para o XX. Se estes costumes desapareceram mesmo nessa época, hoje acho que ainda dá pra dizer que estão é bem vivinhos - talvez o último fora de São Paulo.
² Eustache Deschamps (séc. XIV).

Retirado de Apfelsaft.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Matemática, uma hora dessas?

por Leandro Oliveira

Abaixo, as primeiras notas de 'We Wish You A Merry Christmas'. Quantas melodias diferentes podem ser compostas por estas mesmas notas?

¿Qué arco habrá arrojado esta saeta? ¿Qué cumbre puede ser la meta?

por Leandro Oliveira

Quase nunca me pergunto sobre o porquê deste site. Se é verdade que aquilo que fazemos é antes resultado de nossas parcas opções, conscientes e portanto morais, sem dúvida mas, à luz da ordem maior em que tragicamente vivemos, irrelevantes, cada ato é uma banalidade. Por conta disso, me abstenho da pergunta exatamente como alguns covardes abstêm-se de Deus (não digo que todos o fazem por covardia, mas boa parte, sim). Faço porque faço e isso é suficiente.

É uma banalidade este site mas dito assim, temo sugerir algo como um hobby, passatempo de horas desocupadas, coisa de poeta. Nada mais falso. É que, no caso, aquilo que para alguns é ato de fé, projeto de vida ou desejo, para mim é simples dever profissional.

Sou um profissional de uma área ainda pouco relevante no Brasil que é a gestão cultural. Desde muito cedo, logo depois de terminar meus estudos de regência de orquestra e vir trabalhar em São Paulo, foi para onde minha carreira encaminhou: elaborar, planejar, coordenar e administrar projetos culturais. Desde então, passaram-se anos cheios de bons e maus momentos como toda atividade profissional. Meu temperamento de empreendedor me fez perceber uma demanda crescente para cultura de alto nível. É para esta demanda que bolei o site.

É tão falsa a prerrogativa que cultura de qualidade precisa de dinheiro quanto romântica a de que as seus produtores não precisam dele. O ato poético é desprovido de necessidades financeiras tanto quanto o poeta precisa pagar suas contas. O problema parece ser estarmos em um mercado especial onde tradicionalmente o que vale é uma estratégia de financiamento grotesca, tão deletéria quanto as "benesses" governamentais. Chamo "a estratégia da marchinha": quase todos da cultura no Brasil ainda pensam sua atividade na forma do "ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí". A música, conquanto divertida, tem rima pobre e, como estratégia de financiamento, um médio prazo desgraçado.

A economia criativa e os produtos culturais hoje são máquina que move bastante dinheiro; tomar a atividade como a dos itinerantes indigentes é, antes, ignorar que hoje nosso nicho, em todos os níveis de qualidade e atividades, é parte de uma das mais pujantes indústrias do século XXI. O conhecimento por mais erudito que seja, como todo produto cultural, não é uma coisa sacrossanta a ser jamais misturada ao vil metal - acabamos confundindo conhecimento de alto nível com experiência mística.

Poucos profissionais podem furtar-se em saber que, conquanto haja controvérsias em economia, tanto quanto as há em ciência, como diria Thomas Sowell "isso não quer dizer que economia seja apenas uma questão de opinião". E uma das regras clássicas da economia é que há o preço das coisas e o preço deve ser entendido como o regulador "dos usos alternativos de recursos escassos". Em uma economia livre podemos inferir aquilo que os consumidores querem, a quantidade e a qualidade daquilo que querem, exatamente a partir pela forma como valoramos o produto. No Brasil hoje não existe produto mais escasso que cultura de alto nível, e nunca houve tanta demanda.

Não falta, curiosamente, gente com apetite para explorar o mercado, gente com expertise para tornar interessante aquilo que costuma ser pensado como "bem de altar". Para a "Norte" do mês passado escrevi um artigo a respeito. Comentava ali que alguns projetos como a Livraria Cultura e a Osesp, mas também a Dicta&Contradicta e as aulas do professor Olavo de Carvalho, são bem sucedidos exatamente pela falta de pudor em mirar alto. A Livraria Cultura não precisou se tornar especialista em auto-ajuda, o professor Olavo fala para turmas virtuais cheias sobre Tomás de Aquino, a Dicta não precisa publicar aforismos de Nietzsche e a Osesp toca a integral de Mahler e sinfonias de Thomas Àdes. Os quatro, com modelos de negócio muito distintos, vêem ano a ano seu público crescer.

Isso é o sintoma de algo.

Se vamos conseguir ou não tornar Ocidentalismo.org um negócio viável, um projeto de credibilidade e lastro, só o mercado pode dizer. E o mercado é feito tanto pela disponibilidade de investidores e anunciantes perceberem o tamanho e a qualidade dos consumidores atuais e potenciais, quanto da capacidade de administração e senso de oportunidade nossa para fazermos estes mesmos investidores e anunciantes sentirem-se devidamente identificados com nossa missão. Além, claro, de muita sorte...

Tudo isto para dizer que por enquanto estamos experimentando coisas, mas o sonho é tornar Ocidentalismo.org a mais importante revista cultural digital do país. Não depende de nós seu sucesso, claro está, mas depende de nós o trabalho bem feito.

Não sabemos a que viemos, no sentido muito estrito em que não sabemos onde poderemos dar. Bom que seja assim posto que não acredito estar o destino escrito em qualquer parte. Mas a pontaria é nossa e, como sempre no meu caso, faço questão de mirar alto. Como disse no começo, quase nunca me pergunto sobre o porquê deste site: trata-o simplesmente como uma atividade profissional feita com o rigor de tudo que faço.

Isso tudo para dizer que para 2011 a tarefa é realizar a segunda fase da empreitada. Enormes são as expectativas. Vamos experimentar coisas diferentes (os podcasts e vídeos, finalmente!), talvez novos modelos com - oxalá! - anunciantes. Layout reestruturado é certo. Só garantimos a qualidade do que aqui vai escrito e que certamente o grosso do conteúdo seguirá gratuito.

O bom da vida é que, como no circo de antigamente, o espetáculo não para. Este é o salvo conduto dos negócios: mesmo que dê tudo errado, de fato pouco se perde - ganha-se sempre experiência e cabelos brancos. Mas tutto nel mondo é burla. Tenho a sorte de trabalhar com o que gosto, então, para além dos cabelos brancos, algo eu garanto aos colaboradores e leitores mais fiéis: alguma diversão.

O que Hernán Cortés tem a nos ensinar


Se entre orientais somos bárbaros - como diz Stravinsky parafraseando, por sua vez, Henri Michaux - entre maias talvez tivessemos sido... sabe lá Deus. Joel Pinheiro da Fonseca introduz o tema. Para leitura antes de 2012, evidentemente.

por Joel Pinheiro da Fonseca

Em 2010 uma serpente emplumada me mordeu e fui tomado de um interesse febril pelos povos meso-americanos. O foco desse interesse estava no primeiro encontro deles com os europeus, que é sem dúvida um momento capital da história universal. Ao mesmo tempo, resultou numa das maiores tragédias da história que foi a destruição dos povos, civilizações e culturas que aqui viviam antes de chegarem as caravelas. A febre já passou, provavelmente para nunca mais voltar. A cura se deu quando cheguei a uma conclusão óbvia, já sabida por muitos, e mesmo por mim, de antemão, mas agora vista com clareza. Deixe-me traçar brevemente o itinerário que percorri.

Nunca fui daqueles que vêem os conquistadores como grandes vilões e os nativos como astrônomos hippies amantes da natureza. Contudo, aprendi que igualmente falsa é a representação do mundo asteca como um reino de horror idolátrico e bestial em níveis dignos de Lovecraft. A história real é bem mais interessante. E uma boa fonte, pela qual comecei, é ler o relato de Bernal Diaz del Castillo, um dos soldados de Hernán Cortés (soldado ralé, o que lhe deixava relativamente isento dos interesses dos poderosos) na expedição que culminou na tomada de Tenochtitlán. O que dali emerge é, em primeiro lugar, uma história contingente, acidental, que poderia ter sido muito diferente. Em nenhum momento há um plano consciente de dominação; há oportunidades que são agarradas no calor do momento; há tentativas de amizade e paz, enganações e armadilhas dos dois lados. Durou pouco a impressão de que os espanhóis fossem deuses, embora o apelido tenha permanecido; durou pouco também o horror aos cavalos, que logo estavam sendo sacrificados, junto com soldados capturados, à vista do acampamento espanhol para lhes meter medo. Em um episódio dramático, os conquistadores foram quase dizimados e tiveram que fugir desesperados cada um por si. A varíola chegou casualmente, trazida por um escravo negro; Bernal nota o contágio estranhamente forte entre os indios. Acima de tudo, é uma história de personagens singulares, como Gerónimo de Aguilar, padre franciscano que precedera os conquistadores e que vivera por anos como prisioneiro numa cidade nativa até ser resgatado e tornar-se intérprete de maia do grupo (outro sobrevivente, numa vila próxima, atingiu condição de proeminência e preferiu a nova vida a juntar-se aos espanhóis); La Malinche, a nativa de Tabasco que, além de entender tanto nahuatl quanto maia, tornou-se amante de Cortés e deu-lhe seu primeiro filho homem, considerado o “primeiro mestiço”; Montezuma, o rei asteca, alternadamente astuto e pueril, que embora feito refém pelos conquistadores tornou-se amigo de todos, levando os raptores a chorarem sua morte acidental numa escaramuça (e maldizerem o frade que ainda não o tinha catequizado devidamente).

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Do que nada se sabe

La luna ignora que es tranquila y clara
y ni siquiera sabe que es la luna;
la arena, que es la arena. No habrá una
cosa que sepa que su forma es rara.
Las piezas de marfil son tan ajenas
al abstracto ajedrez como la mano
que las rige. Quizá el destino humano
de breves dichas y de largas penas
es instrumento de otro. Lo ignoramos;
darle nombre de Dios no nos ayuda.
Vanos también son el temor, la duda
y la trunca plegaria que iniciamos.
¿Qué arco habrá arrojado esta saeta
que soy? ¿Qué cumbre puede ser la meta?


Jorge Luís Borges (1899 - 1986)

domingo, 2 de janeiro de 2011

A Tumba de Virgílio


A dita "Tumba de Virgílio" é um lugar especialíssimo e sua mítica fez ser ponto de peregrinação durante tempos. Érico Nogueira passou por lá. O relato é assombroso.

Por Érico Nogueira

Pois é: terminei o ano falando de Virgílio, princeps poetarum, e começo o seguinte na mesma toada: aos vinte e nove de dezembro de 2010 eu visitei a tumba-santuário do poeta em Nápoles, uma experiência única - e, como vocês verão, mágica -, sobretudo em se tratando de um aficcionado como eu.

O Parco Vergiliano é um lugar pequeno, que passa quase despercebido, - abrigando, porém, um monumento e os supostos restos de Virgílio, duas grutas romanas, um aqueduto, e o túmulo de Giacomo Leopardi: o que mais se pode querer? Chegamos, e, como de costume, não havia vivalma no local - a não ser um galo (isso mesmo, leitor: um galo), que, meio solene, parecia fazer de sentinela. Depois de muitos degraus, entramos propriamente na gruta-monumento, e deparamos com uma pira votiva: Virgílio ficou no imaginário popular napolitano como uma espécie de mago, e é costume depositar um bilhete escrito na tal pira, endereçando-lhe um pedido. Não me fiz de rogado: escrevi o bilhete, em que pedia o que vocês já certamente imaginam, e, assim que lhe pus fogo, o galo lá fora cacarejou; Adriana, Henrique e eu nos entreolhamos surpresos; o dia estava lindo, fazia silêncio; ventou, e os ciprestes cantaram. Quando o bilhete acabou de queimar, soltou uma faísca e explodiu de leve; entreolhamo-nos de novo, de novo surpresos; olhei pra dentro da pira: e no meio dos papéis em que ardera o meu voto surgiu a forma de uma estrela, literalmente talhada a fogo pelo meu pedido. O galo tornou a cantar, os ciprestes a responder. Descemos os degraus.

Eu não sei o que isso significa -- mas quero crer seja um bom agouro pro meu ano poético de 2011. Sob o patrocínio de Virgílio, agora mais do que nunca: piscosos scopulos humilis volat aequora iuxta.

Retirado de Ars Poetica.

Brazil!


por Leandro OLiveira

Orgulho dos amigos: Fred Gelli fez uma marca linda para a Olimpíada do Rio de Janeiro. Já havia visto?

Se você é desses que "não entende de design", tiro suas dúvidas. Compare-a a logo da candidatura:


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Comecei o ano lendo "Caras". Vale cada página. Um ator decadente casado com jovem menina linda; um famoso desconhecido figurando na Ilha em busca de novo amor. Entrevista a um cantor de "sertanejo-universitário" (o quê?); ele apresenta-se em um desses navios de cruzeiro. Too many jokes.

"- Qual a sensação de fazer seu primeiro show ao lado das mulheres de sua vida?"

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Ontem passei a tarde com um enjôo extraordinário, digerindo lentilhas e nozes. Decidi ouvir a integral dos "Choros" de Villa-Lobos e como sempre, com Villa, o retorno àquela música plena de achados incomuns e trivialidades. Muito brasileiro.

A despeito da forma em colcha de retalhos, é fato que o "Choros nº6" é um épico da mesma grandeza de "Viva o Povo Brasileiro" do João Ubaldo.

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Fugi da festa da posse mas a posse me achou. Ao abrir o Facebook, um amigo comentava "Obrigado, Lula. Você me fez sentir orgulho de ser brasileiro".

Ufanismo me dá um banzo...
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