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terça-feira, 23 de agosto de 2011

O eterno número 2

Consta a escritora Nina Berberova ter ouvido em Nova Iorque o veredicto do próprio Prokofiev: "não há lugar para mim aqui enquanto Rachmaninoff estiver vivo... e ele viverá por mais dez ou quinze anos". Tendo chegado na América em agosto de 1918, o compositor passava maus bocados após as recorrentes e frustradas tentativas de se posicionar no mercado norte-americano.

Richard Taruskin comenta uma passagem ainda mais curiosa, que corrobora a frase melancólica do compositor exilado. Um regente russo (Andrey Boreyko) teria ouvido do filho do compositor que "quando meu pai foi perguntado o motivo pelo qual tranferiu-se para Russia em 1936, ele disse 'eu não gostei de ser o compositor russo nº2 na Europa, com Stravinsky; e nº2 na América com Rachmaninoff. Eu gostava de ser o nº1, e por isso escolhi a Rússia Soviética'".

Ironicamente, Boreyko comenta, ao menos para os músicos sérios, na Rússia ele se torna o nº2, após Shostakovich.

De Sergei Prokofiev, a Osesp apresenta esta semana a Sinfonia em Sib Maior, op.100

sábado, 20 de agosto de 2011

Citações e outros (ar)roubos

"Now old desire doth in his death-bed lie,
And young affection gapes to be his heir;
That fair for which love groan'd for and would die,
With tender Juliet match'd, is now not fair.
Now Romeo is beloved and loves again,
Alike betwitched by the charm of looks,
But to his foe supposed he must complain,
And she steal love's sweet bait from fearful hooks:
Being held a foe, he may not have access
To breathe such vows as lovers use to swear;
And she as much in love, her means much less
To meet her new-beloved any where:
But passion lends them power, time means, to meet
Tempering extremities with extreme sweet."

William Shakespeare, "Romeo and Juliet" (Prologue Act II).

***

Dublin July. 7. 88

A Problem Proposed to the Author of the "Essai Philosophique concernant L'Entendement".

A Man, being born blind, and having a globe and a cube, nigh of the same bignes, committed into his hands, and being taught or told, which is called the globe, and which the cube, so as easily to distinguish them by his touch or feeling; then both being taken from him, and laid on a table, let us suppose his sight restored to him; whether he could, by his sight, and before he touch them, know which is the globe and which the cube? Or whether he could know by his sight, before he stretch'd out his hand, whether he could not reach them, tho they were removed 20 or 1000 feet from him?

If the learned and ingenious author of the forementiond treatise think this problem worth his consideration and answer, he may at any time direct it to one that much esteems him, and is,

His Humble Servant,

William Molyneux
High Ormonds Gate in Dublin. Ireland

****

"While civilization has been improving our houses, it has not equally improved the men who are to inhabit them. It has created palaces, but it was not so easy to create noblemen and kings. And if the civilized man's pursuits are no worthier than the savage's, if he is employed the greater part of his life in obtaining gross necessaries and comforts merely, why should he have a better dwelling than the former?"

Henry D. Thoreau, "Walden" (Lembrado pela Fernandinha Ribeiro no seu blog "Apfelsaft")

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

What the Universe tells me

Ao final do encontro de sábado do Falando de Música um aluno me conta de "Árvore da Vida", um filme sobre a perda de um filho. Segunda-feira, Luiz Felipe Pondé faz um texto belíssimo na Folha de São Paulo, argumentando a partir do que seria a tese central do filme; no mesmo dia Martim publica seu ensaio elogioso a respeito no site da Dicta.

Fiquei ansioso e fui. Minha expectativa era enorme, como não poderia deixar de ser e, infelizmente, detestei o filme. Digo infelizmente pois respeito meus alunos, respeito o Pondé e acho que Martim tem um ótimo faro cinematográfico. Mas talvez o filme seja um pouco demais para mim.

Ficou evidente que Terrence Malick tem um excelente sensiblidade para as perguntas que se coloca - e que de alguma maneira nos afronta a todos: "por que sofremos? qual a lógica de nossa miséria e fortuna?" - ao argumentar a partir de uma aparente dicotomia explicita nas primeiras cenas, onde propõe que "devemos aprender a viver pela Natureza ou pela Graça".

Tudo isso foi discutido por nossa crítica. Curiosamente, o que não foi discutido é o filme. Pois sobre o filme duas coisas saltam aos olhos: sua pretensão e sua desumanidade.

O filme é pretensioso no pior sentido do termo: grandes dimensões (mais de duas horas), imagens assombrosas, excesso do que poderia chamar de "pedagogismo". Neste sentido, sua literalidade é realmente desconcertante, ao ponto de, à leitura das perplexidade do livro de Jó quanto da nossa ignorância a respeito da máquina do Universo ("Onde é que você estava quando criei o mundo?"), o diretor realiza um grande périplo para cenas que contam... a criação do mundo! Jó estava em lugar algum quando o mundo foi criado, mas Malick estava lá. Talvez a parte mais constrangedora do filme seja esta espécie de "La terre vue du ciel", cenas que Discovery Channel algum botaria defeito. (Juro que quando vi um dinossauro fiquei com vontade de ir embora). O resultado quanto mais cenicamente deslumbrante, mais incomoda - se visto no contexto da morte de um filho, é nada mais que tétrico.

E nisto o filme é desumano. Não há a menor forma de compartilhar a dor dos personagens ou, por outro lado, construir o dilema filosófico de maneira inequívoca. As imagens não prevêem contradições, e o problema é demasiadamente humano para ser visto de baixo (a situação onde o diretor nos coloca) ou de cima (de onde, aparentemente, o diretor está).

A crítica da Movieline vai na mosca: "Tree of Life" é sobre a vida, mas Malick não parece ligar muito para pessoas. Malick se preocupa com suas imagens, com sua textura e iluminação; é um mestre de sua ourivesaria cinematográfica. Mas um filme que fala da perda e tragédia precisa antes estar plena de compaixão, não de savoir faire.

(...)Desert rock formations, rushing streams, sunflowers waving gently in the sun, and all sorts of cradle-of-life folderol are the things that really rock his world — he cuts to them whenever he needs to try to explain the inexplicable, which is often. This is a movie about spiritual searching, about reckoning with the nature of God and his frustrating insistence on allowing suffering in the world. We know that because the movie’s characters tell us what they’re thinking, repeatedly, in voice-over: “How did she bear it? Mother.” “Lord — why?” Never trust an actor’s face to convey complicated feelings when you can just dub in words. 

(...) There certainly is a lot of filmmaking going on here: Malick grabs our attention with diminutive jump cuts; he often shoots characters in three-quarters profile, so we’re left to wonder what their faces might be saying; he invents dream images (like a slightly airborne Chastain pirouetting among the trees) and inserts them in unexpected places. There’s also lots of majestic orchestral music, courtesy of Alexandre Desplat, Bach and, presumably, God.

(...) It puzzles me that people think of Malick as a strong visual filmmaker. His movies are often gorgeous-looking — that was true even of The New World, which probably tops even Tree of Life in the pretentious snoozefest department.

But strong visuals don’t necessarily equal strong visual storytelling. If Malick could tell a story mostly with pictures — and faces — why would he need so many voice-overs? There are some good performances here, to the extent that Malick allows us to focus on them: Pitt, in particular, captures the essence of preoccupied dadness. As he schools his boys in the art of respecting the line dividing their property from a neighbor’s, or takes them all out to eat at a local diner, he’s both distanced and affectionate in the way many of us may remember our own dads to have been. Chastain has less latitude: She’s cast in the role of beatific mom-symbol, and it constrains her.

I can already hear the chorus of dissenters: But you just don’t understand! Tree of Life a tone poem made by a genius! You need to see it again, or at least think about it a lot more! Admittedly, in this particular case, deadline constraints demanded some pretty rapid processing. But I don’t think I’d find much more beneath the surface of Tree of Life if I thought about it for 12 more hours or 12 more days. Malick is doing what lots of directors do as they get older and ponder larger issues. I’m sympathetic, at least, to his intent. But he’s trying to answer big questions by making the biggest movie possible. Where is God when you need him? The one place he forgets to look is in his characters’ eyes.


Forte mas está tudo aí. Disse que meu aluno, no sábado, foi o primeiro a chamar a atenção para o filme; falávamos de Kindertotenlieder de Gustav Mahler. O texto de Friedrich Rückert fala de uma criança, o filho do poeta, morto de rubéola em 1833; Mahler aproveita setenta anos mais tarde do impacto dramático do poema e realiza sua pequena obra prima. A música é prudente e pungente - dor, sobretudo dor, e ao fim uma aposta. Dois anos depois sua filha mais velha Maria Anna falece de rubéola, aos cinco anos de idade. E o que Mahler diz? "(Quando fiz a música) me coloquei na situação da perda de um filho. Mas quando realmente perdi milha filha eu não poderia mais ter escrito tais canções..."

Talvez a sensibilidade do projeto Malick seja realmente notável, mas a arte é feita da comunicação desta sensibilidade - e nisto a técnica é apenas subsidiária. E na comunicação, os símbolos, quando soltos, são apenas símbolos soltos. Em "A Árvore da Vida", o que vemos na maior parte do tempo é uma colagem de imagens espetaculares, de grande e indubitável impacto por si, mas realmente sem pretexto ou nexo narrativo dentro do grande e real drama que se coloca: a perda, a morte, a eventual transfiguração e consolo dos que ficam. Ao fim e ao cabo, o filme pareceu-me uma grande colcha de retalhos onde percebemos as sombras de uma história trágica, e não conseguimos saber se tal trama do Universo que nos apresenta o filme passa pela cabeça dos O'Briens - e portanto é a justificativa de seu sonho redentor ao final -, ou se as sombras são apenas os gafanhotos, espumas do mar e dinossauros da câmera de Malick - portanto, parte de um certo proselitismo, convencendo a NÓS da redenção final do filho crescido.

Para falar da vida no cinema é necessário mais do que senso plástico, é necessário contar histórias, mesmo quando cheia de horríveis contradições. Malick sabe coisas demais; talvez seja o maior de todos. Mas eu não o entendo.

Ps: Mahler faz uma belíssima reflexão sobre o Universo, a Natureza e a transfiguração da vida na sua Terceira Sinfonia. É uma obra filosófica e instigante, esmiuçada no premiadíssimo documentário "What the Universe Tells me". No filme, as mesmas imagens impressionantes, a mesma música transcendente que nos remeteria a "Árvore da Vida". Mas a linguagem enxuta elucida a belíssima narrativa mahleriana e suas bases na filosofia de Schopenhauer. O filme completo no link abaixo:


por Leandro Oliveira

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Berlim e seu ano-novo

Os antigos leitores do blog acompanharam minhas andanças por Berlim, no fim de ano entre 2009/2010. Agora retorno com uma turma boa e concertos entre os dias 27 de dezembro e 2 de janeiro.

Farei conferências diárias para eventos como o da Filarmônica de Berlim, com Simon Rattle e Evgueni Kissin, a extraordinária nova montagem de "O Morcego" da Komische Oper, a nona de Beethoven no Staatsoper com Daniel Barenboim, o gala com minha musa Anna Netrebko (em Dresden) e - last but not least - Lylian Zilberstein com a orquestra do Konzerthaus.

É uma iniciativa da Sociedade Chopin no Brasil e aberta a interessados de todo país. Vagas limitadas, bien sûr.

Além da reserva dos tickets de concertos e minhas conferências, estão garantidos o hotel (o Adlon Kempinski, ali pertinho do portão de Brandemburgo), e transfers do aeroporto além da ida/volta para Dresden.

Mais informações, como valores e tal, no (11) 3021-0752.

Nos divertiremos como nababos. Espalhem!

Observatório Ocidentalismo


Curto quando o Reinaldo Azevedo faz pequenas viagenzinhas. A de hoje é especial para mim pois acabei de recomendar o livro a amigos e alunos. Me diverti com a coincidência.

***
Por Reinaldo Azevedo:

Se o leitor ainda não o fez, deve fazê-lo: ler “O Visconde Partido ao Meio”, do escritor italiano Italo Calvino. Não chegará a ser o seu livro de cabeceira, mas se ganha bastante em poucos mais de 100 páginas. Coisa para duas ou três horas de um daqueles domingos que, muitas vezes, se desenrolam sem motivo aparente… Vocês conhecerão o Visconde Medardo di Terralba, que foi combater os turcos. Um tiro de canhão o rachou ao meio, na vertical. Uma parte, a direita, volta para a casa. Era a metade perversa, má no limite do tédio… dos outros! Depois de algum tempo, suas vítimas já haviam se acostumado com suas perversidades. Até que chegou o lado esquerdo, que havia sido cuidado por monges. Era de uma bondade… insuportável!!! Chamavam-no “o vagabundo”. As duas partes acabarão duelando pelo amor de Pamela. O resto, vocês conferem no livro.

Muitos quiseram decifrar o sentido metafísico do Visconde de Calvino. Até se tentou uma leitura política, com a “direita má” e a “esquerda boazinha”, ambas impróprias para o convívio humano. “Reunidas” as metades do marquês, nem por isso se formou uma inteireza. Somos, os homens, assim mesmo: não cindidos em duas partes, mas em muitas. “Nada do que é humano me é estranho”, escreveu Terêncio. Porque não é, somos levados a fazer escolhas, que acabam determinando com quais pessoas decidimos viver e que moralidade nos serve. Aos escolher os outros, escolhemos o nosso próprio caminho. Potencialmente, podemos ser o monstro moral da metade má ou o abestalhado da metade boa; podemos atormentar os outros tanto com o nosso egoísmo com nossa generosidade. Nada pode crescer à volta de um e de outro; um mata com o seu fel; o outro, com o seu mel. Mas que não se conclua apressadamente que a virtude está no meio, no doce-amaro, na indefinição. A “verdade”, qualquer que seja ela, está no conjunto. A razão tem de domesticar, a cada dia, a besta cínica e a besta crédula que há em nós.

Por que me lembrei de Calvino? Será Dilma Rousseff “a presidente partida ao meio”? (...)

Na íntegra aqui.

por Leandro Oliveira

Nova música - the american way

Steve Reich, falando sobre influências. O maestro fez 75 anos no último dia 10 de agosto:

I would say that later on, very important influences came by discovering African music on recording and having no idea how it was put together, but kind of wanting to find out. As a graduate student with Luciano Berio, we went down to the Ojai Festival - the festival that Stravinsky started north of Los Angeles. I guess that was 1962, maybe ’63. The people who were holding forth included Gunther Schuller, who was just finishing up his book on the history of early jazz. And when Schuller was speaking to us -he was a graduate student - he said he’d discovered a book that contained the first accurate scores of West African music and transcription. And I said, “Excuse me, Mr. Schuller. What’s the book?” He said, “’Studies in African Music’ by A.M. Jones.”

And I went back up to Northern California, where I was living at the time, and got the two-volume set: one volume of just scores, another volume of analysis of those scores, and some interesting sociology as well. And it’s still on my bookshelf, I mean, I returned the book to the library and bought a copy, which was very expensive. And - at about the same time that was going on - I was listening to John Coltrane when he was playing “My Favorite Things” and on what became “modal jazz,” but what you could describe, very simply, as “playing a lot of notes to very few harmonies.” An [album] like “Africa/Brass,” [with two sessions], which really impressed me, was basically a half-an-hour in F. Jazz musicians say, “Hey man, what’s the changes?” “F.” “No! F for half-an-hour!”

That was very instructive. And, at the same time, I was studying with Luciano Berio and writing 12-tone music. The way I wrote 12-tone music was like, “Don’t transpose the row. Don’t retrograde the row. Don’t invert the row. Just repeat the row over and over, and you can try to sneak in some harmony.” And Berio said, “If you want to write tonal music, why don’t you write tonal music?” And I said, “That’s what I’m trying to do.” So I would say, “If you put all that into a jug and shake it, out I come.”

It was a very, very difficult period because, basically, the people that I was going to graduate school with were either very interested in European Serial Music or in John Cage--or in both. And, honestly, I was involved in neither. I could respect the purity of spirit in John Cage’s work, and I could certainly appreciate the mastery in Berio and Stockhausen, but my heart wasn’t in the game. I became a composer because I loved Bach, because I loved Stravinsky, because I loved jazz. And this was answering none of those. There was no fixed pulse, there was nothing you could tap your foot to, there was nothing you could whistle to, there was no key to hang on to; it was the very antithesis of that. So people who didn’t write that way at that time were simply a joke; you just weren’t taken seriously.(...)



Entrevista maravilhosa, na íntegra aqui.

por Leandro Oliveira

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

As agruras da boa música

Tentam me vender algo ordinário como histórico. Não, não é o Obama presidente dos EUA - mas o Maazel regendo a OSB.

Alguns amigos que sempre perguntam sobre os "porquês" e "comos" de um regente, devem agora estar se revirando para saber como pôde a OSB ter se apresentado de forma tão profissional neste ciclo Beethoven. Não trata-se de uma orquestra decadente, formação em meio a uma crise sem precedentes?

Se meu parágrafo anterior fosse a apresentação de um problema matemático, aí estariam os termos: um excelente maestro, uma orquestra decadente; variáveis: o que faz um maestro? o que é uma orquestra profissional? Que Lorin Maazel é um dos mais respeitados regentes de nosso tempo, todos sabemos mas, o que faz sua notoriedade tornar a orquestra algo mais do que razoável? Este é o busílis.

Todos nós que já vimos o maestro Maazel em ação sabemos bem suas qualidades. E, preciso dizer, seus defeitos. Lembro certa feita em Firenze, quando assisti uma apresentação sua com Pastoral de Beethoven. Lembro que me impressionou sua técnica - claríssima! - e sua cara completamente blasé na regência da obra. Maazel regendo parecia estar aborrecido, um pouco enfastiado com tudo aquilo. Como ouvimos também com os olhos, era impossível não se contaminar: a sinfonia do mestre de Bonn se mostrava bem chatinha. Poucos dias depois tive a oportunidade de bater um papo com o maestro Zubin Mehta sobre a performance (acompanhava sua montagem do "Wozzeck" de Alban Berg); ele, não coincidentemente, havia tido a mesma impressão sobre outra ocasião, quando ouvira com Maazel uma sinfonia de Brahms e a mesmo nonchalance. Fiquei aliviado.

Falávamos de envolvimento (não confundir envolvimento com "macaqueação", saltos no palco e coisas similares, coisa de amadores) e as imagens explicam melhor que palavras:


São dois Brahms distintos mas, sobretudo, são duas personalidades distintas: uma correta, precisa e distante; outra correta, precisa e emocionada. Façam suas escolhas.

Poderia falar várias coisas a partir do "problema" como posto, mas para apresentação da OSB e seu ciclo Beethoven, duas lições.

1) Maazel é, indubitavelmente um regente de idéias claras e é isso que fica explícito em sua técnica. Ele sabe o texto, sabe o que quer do texto e sabe como expressar aquilo que quer do texto - elementos que só podem melhorar com a idade. Parece simples mas não é e, preciso dizer, no mundo da arte de hoje, e da música no Brasil, é bastante coisa.

Que não seja um mitificador da música ou de si é apenas outro elemento que, acrescido ao talento, cultura (fala quase dez idiomas - me contaram certa feita haver perguntado à orquestra se preferia ensaios em inglês britânico ou americano) e familiaridade com o repertório, o torna um senhor muito respeitado entre músicos - embora evidentemente não a escolha dos corações de alguém. Nunca deixará de ser un po freddino, como se diz em italiano.

2) No contexto do caos da OSB, toda esta frieza de um rapport profissional parece ter sido suficiente senão para fazer a esquadra levantar vôo, ao menos para apresentar com fluência e algum espécie de graça as obras de Beethoven. E posso acreditar que tenha sido para alguns algo inesquecível pois a este tipo de memória depende sempre do nível de expectativa, ela é fruto da emoção que se baseia tanto no que se espera do que o que se nos apresenta.

O papel do crítico é ter uma expectativa muito muito alta para saber distinguir e contextualizar os eventos no grande quadro. É claro, a energia do ciclo era grande. Forte como é a música de Beethoven, inspirados como deveriam estar os músicos por apresentar-se com um maestro da estatura de Maazel, competente como é o maestro, não poderíamos pensar nada medíocre.

Mas a OSB foi regida por Stravinsky, Eleazar de Carvalho, Kurt Masur; o Rio de Janeiro ja ouviu - eu ouvi - Claudio Abbado e Berliner, Barenboim e Chicago. Por favor, não me digam que Maazel fez o melhor concerto que a cidade já ouviu.

por Leandro Oliveira

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Algumas questões de Bob Dylan


With your mercury mouth in the missionary times, and your eyes like smoke and your prayers like rhymes, and your silver cross, and your voice like chimes - who among them do they think could bury you?

With your pockets well protected at last, your streetcar visions which you place on the grass, your flesh like silk, and your face like glass - who among them do they think could carry you?

Sad eyed lady of the lowlands (where the sad-eyed prophet says that no man comes), my warehouse eyes, my arabian drums - should I leave them by your gate or, sad-eyed lady, should I wait?(...)

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Spiegel im Spiegel



***

(...) Houve uma tremenda desgraça, bela senhora. Um dia nós notamos que nos faltava uma palavra. Ninguém a havia roubado, nós tampouco a esquecemos. Ela simplesmente não estava mais lá. Mas sem essa palavra nós não podíamos continuar encenando, porque nada mais fazia qualquer sentido. Ela era a palavra através da qual tudo se relacionava com tudo. Compreende, bela senhora? Desde então estamos viajando para tentar reencontrá-la.

– A palavra através da qual tudo se relaciona com tudo? – perguntou a senhora espantada.

– Sim – disse o velho acenando sério –, na certa a senhora também já deve ter notado, bela senhora, que o mundo é composto somente de fragmentos, dos quais nenhum tem nada mais a ver com o outro. Ele tem sido assim desde que perdemos a palavra. E o pior de tudo é que os fragmentos continuam a se partir, restando deles cada vez menos partes que se relacionem com outras. Se não encontrarmos a palavra que relacione tudo com tudo, o mundo vai acabar um dia se pulverizando por completo. É por isso que estamos viajando para procurá-la. (...)


Michael Ende, do livro O espelho no espelho - Um labirinto.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Voyeurismo digital

Dica do Nelson Ascher no Facebook. Kristine Opolais. Uma nova diva? Não sei - ela tem pouco menos que minha idade... Mas me interessa sobretudo a ária, pois casa com minha melancolia atávica.



Vissi d'arte, vissi d'amore, non feci mai male ad anima viva! Con man furtiva, quante miserie conobbi....
Sempre con fè sincera la mia preghiera ai santi tabernacoli salì - sempre con fè sincera, diedi fiori agli altar.

Nell'ora del dolore perché, perché, Signore, perché me ne rimuneri così? Diedi gioielli della Madonna al manto, e diedi il canto agli astri, al ciel, che ne ridean più belli... Nell'ora del dolore, perché, perché, Signor' - ah, perché me ne rimuneri così?

A grande literatura do pequeno gesto no cinema


Não estou em idade adequada mas é fato que ultimamente tudo e qualquer coisa que me animam são reminências. Bashevis Singer, por exemplo: ler sobre o sujeito na belíssima resenha de Luiz Oricchio me fez lembrar a primeira vez que li o autor polonês.

Lembro - lembrei esta manhã novamente - que quando o li fiquei alerta: seus contos, passados na comunidades judaicas de Nova Iorque e Varsóvia, ou de pequenos stetl do leste europeu, são jóias de psicologia, humor e servem de deleite para qualquer pessoa sinceramente encantada com o mundo de vidas e encantos prosaicos que é este o nosso.

Coloco Bashevis Singer, a partir de expressões bem diferentes, ao lado de V.S. Naipaul que comentei em outro post logo abaixo. E sua diferença é como a das faces de uma mesma moeda: enquanto Naipaul parece encarnar a idéia tão cara à modernidade, do homem cosmopolita, a que tudo no mundo devora, Singer é um definitivo artesão a laborar miudezas de sua comunidade, de seu obtuso microcosmos. O primeiro, expressa aquela perplexidade que nos dá olhar o diferente, e perceber a nós; o segundo, outra emoção, a que mostra que o microcosmos particular espelha nuances de todo o universo.

Não sei qual dos dois modos mais me movem, mas sei que em Singer reencontrei uma dívida cara. E lembro que lê-lo foi uma aventura de um mundo que me fez reler em melhores moldes esta outra aventura que é o meu dia-a-dia e suas idiossincrasias. "O amor chega tarde", filme baseado em elementos de sua obra, parece-me ser, segundo posso ler no Estadão, a melhor dica para este final de semana.

Entre seus livros, "No tribunal de meu pai" é uma obra-prima. Se Joel chamou atenção no site da Dicta para referências sobre "o problema do divórcio" na mídia americana recente, Singer traz neste livro, em dado trecho, uma visão muito particular, como solução curiosa, ancestral e nobre. Chama-se "O Sacrifício".

Há neste mundo indivíduos muito estranhos, cujos pensamentos são ainda mais singulares que eles próprios.

Em nossa casa em Varsóvia - na rua Krochmalna, número 10 -, dividindo o hall de entrada conosco, vivia um casal de anciãos. Eram pessoas simples. O homem era artesão, ou talvez vendedor ambulante, e seus filhos já estavam todos casados. Contudo os vizinhos diziam que, apesar da idade avançada, os dois continuavam apaixonados. Todo sábado à tarde, após o cholent, saíam para passear de braços dados. Na mercearia, no açougue - aonde quer que fosse fazer compras -, a mulher só falava do homem: "Ele gosta de feijão... ele gosta de um bom pedaço de carne... ele gosta de vitela...". Há mulheres assim, que vivem falando de seus maridos. Ele, por sua vez, estava sempre dizendo: "Minha mulher".

Minha mãe, descendente de várias gerações de rabinos, implicava com o casal. A seus olhos, tal comportamento era uma demonstração de vulgaridade. Mas no fim das contas, o amor - sobretudo entre duas pessoas idosas-não pode ser tão facilmente repudiado.

De repente começou a correr um boato que escandalizou a todos: os dois velhos pretendiam divorciar-se! (...)

Nesse ínterim, em nossa casa, a verdade veio à tona.

A velha procurou minha mãe e falou-lhe em termos tais que o rosto pálido de mamãe enrubesceu de constrangimento. Apesar de ela ter tentado me despachar para longe dali, a fim de que eu não escutasse, acabei escutando, pois estava ardendo de curiosidade. A mulher jurava que amava o marido mais do que qualquer outra coisa no mundo.

"Cara senhora", argumentava ela, "eu daria minha vida para salvar uma unha dele que fosse. Pobre de mim, estou velha - sou um trapo de gente -, mas ele, ele ainda é um homem. E precisa de uma mulher. Por que obrigá-lo a carregar esse fardo? Enquanto nossos filhos viveram conosco, era preciso ter cuidado. As pessoas falariam. Mas agora o que elas dizem me preocupa tanto quanto o miado de um gato. Já não preciso de marido, porém ele - oxalá continue assim-é como um jovem. Ainda pode ter filhos. E agora encontrou uma moça que o quer. Ela tem trinta e poucos anos; é a hora dela de também ouvir a música das bodas. Além do mais, é órfã e trabalha como criada numa casa; será boa para ele. Com ela, ele gozará a vida. Quanto a mim, não passarei necessidade. Ele garantirá meu sustento, e eu sempre ganho alguns trocados vendendo badulaques. De que preciso na minha idade? Só quero que ele seja feliz. E ele me prometeu que - após cento e vinte anos, quando chegar a hora - jazerei a seu lado no cemitério. Voltarei a ser sua mulher no outro mundo. No Paraíso, servirei de escabelo para seus pés. Está tudo combinado."

A mulher viera a fim de, simplesmente, pedir a meu pai que cuidasse do divórcio e celebrasse o matrimônio.

Minha mãe tentou dissuadi-la. Como as outras mulheres, ela via naquele caso uma afronta ao sexo feminino. Se todos os homens de idade dessem para se divorciar de suas esposas e casar-se com mocinhas, em que bonito estado ficaria o mundo. Mamãe disse que a idéia toda era evidentemente obra do Diabo e que tal amor era uma coisa impura. Chegou a citar um dos livros de ética. Porém aquela mulher simples também sabia citar as Escrituras. Lembrou a minha mãe que Raquel e Lia haviam dado suas servas Bala e Zelfa como concubinas a Jacó.

Embora eu fosse apenas um menino, não me achava completamente indiferente à questão. Queria que os velhos fossem em frente. Em primeiro lugar, adorava assistir a um divórcio. Em segundo, nas cerimônias de casamento, eu sempre ganhava um pedaço de pão-de-ló e um golinho de conhaque ou vinho. E em terceiro, quando papai recebia algum dinheiro, costumava me dar umas moedinhas para eu gastar em doces. Não bastasse isso, no fim das contas eu também era um homem... (...)


Solução curiosa esta, a da separação como ato de amor. Lembro de Hoffmansthal e sua Marschelin no "Rosenkavalier" de Richard Strauss... Mas isso é outra coisa.

O trecho de Singer na íntegra aqui.

por Leandro Oliveira

Osesp de volta

No programa desta semana, o concerto nº 27 de Mozart, o último do mestre de Salzburgo. Feliz como a vida, como podem ouvir todos no vídeo abaixo:


A solista é a pianista Angela Hewitt - que executa no domingo as monumentais "Variações Goldberg" de Bach. Isso é outro post, outra história.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O interesse no mundo de V.S. Naipaul - ou, um jornalista trapalhão

Acaba de ser lançado pela Companhia das Letras "A Máscara da África" de V.S. Naipaul. Semana passada, Walter Oppenheimer realizou a seguinte entrevista com o recluso autor, a conta do lançamento do livro na Espanha, para o El País:

Vidiadhar Surajprasad Naipaul, más conocido como V. S. Naipaul, o Sir Vidia, no está de buen humor en esta soleada mañana de lunes. En realidad, al decir de la documentación consultada para preparar esta entrevista, Sir Vidia casi nunca está de buen humor. Esta mañana, desde luego, no. Está sentado, bastón en mano, en un sillón más bien angosto para su notable humanidad en una luminosa y acogedora sala de estar de su cottage en Wiltshire.

No es fácil llegar hasta allí. Una hora y media en tren de Londres a Salisbury y veinte minutos en taxi hasta Salterton. Los veinte minutos se transforman en media hora larga: ni el taxista ni el satélite parecen saber dónde está el cottage. ¿Será este de aquí? No, no parece. Un coche bloquea la carretera, no hay ni siquiera un rótulo con el láctico nombre del lugar, la casa parece cerrada. Llamada a Londres, aclaraciones, segundo intento: sí, era ahí.

Y ahí está Sir Vidia (Trinidad, 1932), premio Nobel de Literatura en 2001, elevado por algunos al altar de mejor escritor británico vivo. Quizás lo fue. Pero leyendo La máscara de África. Un viaje por las creencias africanas (Mondadori), nadie diría que lo sigue siendo. Los que saben de África no parecen muy impresionados. Y los que no sabemos, tampoco. Naipaul nos cuenta que África es sucia, sus ciudades superpobladas, que la religión nativa es buena pero es mala pero es buena, que en cuanto te descuidas los chamanes y los taxistas te van a cobrar más de lo debido...

No está claro si Sir Vidia está molesto por los 10 minutos de retraso o por la presencia al parecer inesperada de la fotógrafa. O quizás le dure el disgusto por las malas críticas que el libro recibió cuando apareció en Inglaterra el año pasado. "Es insensible, aburrido, nada esclarecedor y mal escrito", escribió Emily Witt en The Observer. "Tóxico, poco investigado, sin verificar", opinó en The Sunday Times Robert Harris, a quien algunos pasajes le recuerdan al político fascista Oswald Mosley "cuando se presentó a las elecciones en Notting Hill en 1959 acusando a los hombres negros de África de comer carne de perro y mantener a las mujeres encerradas en los sótanos".

Quizás Sir Vidia está de mal humor porque no le apetece ver a un periodista precisamente ahora, cuando unas declaraciones suyas declarándose superior a las mujeres escritoras han despertado los viejos fantasmas sobre su carácter, descrito con inusitada crudeza por Patrick French en 2008 en una biografía autorizada que retrata a un hombre egocéntrico, vanidoso, inseguro, extraordinariamente cruel con su primera mujer, Pat, fallecida de cáncer en 1996.

O quizás no le apetece perder el tiempo con un interlocutor al que adivina inculto y sin nivel para analizar su literatura. Él, hijo de periodista mediocre, parece aborrecer la profesión. Y, sin embargo, sus libros de viaje tienen mucho de periodísticos: ir, preguntar, generalizar...

La entrevista va mal. Desde el primer instante. No hay química. La mirada de Sir Vidia destila cada vez más impaciencia, más desprecio. Sus respuestas secas, cortas, sin ninguna complicidad, desarman al periodista. La provocación de hurgar en su pasado personal agota la escasa paciencia del autor. Sir Vidia no grita: pero corta el aire con el desdén de sus gestos, su lengua de acero, su inglés inmaculado. Al final se niega a moverse del sillón para la sesión de fotos con Ione Saizar. ¿Problemas de movilidad de un hombre de casi ochenta años o rabieta de artista endiosado? Al día siguiente, la venganza: no autoriza la publicación de las fotos. Está acostumbrado a quedarse con la última palabra.

PREGUNTA. O sea, que usted es la persona de la que todo el mundo tiene miedo.

(...)

Na íntegra aqui.

por Leandro OLiveira

Prêmio São Paulo de literatura 2011

Do portal Terra.com:

O Governo do Estado de São Paulo anunciou nesta segunda-feira (1), em cerimônia realizada no Museu da Língua Portuguesa, os vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura 2011, categorias Melhor Livro e Melhor Livro do Ano de Autor Estreante. Escolhidos entre dez finalistas, os premiados foram Rubens Figueiredo - por "Passageiro do Fim do Dia" - e Marcelo Ferroni - por "Método Prático da Guerrilha" -, que receberam R$ 200 mil pela honraria.

"Certamente, o trabalho dos jurados para a decisão dos vencedores foi árduo, já que todos os romances são primorosos. Este ano, foram 221 romances concorrentes, contra 217 em 2009 e em 2010, o que mostra como o Prêmio São Paulo de Literatura já está consolidado. Além do valor da premiação, um diferencial importante é a aproximação dos escritores com o público", discursou o secretário de Estado da Cultura, Andrea Matarazzo.

O juri foi representado por Ignácio de Loyola Brandão, Alexandre Martins Fontes, Ruy Altenfelder, Regina Dalcastagnè e Francisco Foot Hardman. Aqui.

por Leandro Oliveira

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Os jogos da ópera - curso

O Curso
A principal chave para compreendermos a natureza da ópera é saber que sua forma primária de expressão é a música. Embora palavras, cenários, figurinos e iluminação contribuam de forma decisiva para sua contundência, o fato é que na ópera a parte interior das situações, a caracterização dos personagens e suas emoções, a qualidade e transformação das relações, ou seja, a própria verdade subjacente daquilo que ocorre no palco, são comunicados pela música.

Preservando os tantos elementos comuns ao teatro e dança, a tourada ou aos esportes, o meio primário da expressão de uma ópera é diferente. E se é verdade, como tem sido dito freqüentemente, que a música tem o poder de atuar mais profundamente em nossa emoção que as palavras, isso necessariamente nos permite concluir que a ópera, entre os gêneros dramáticos, é o mais radical veículo expressivo, em vários aspectos.

Os Encontros
Destinado a amantes de música, arte e cultura em geral, o curso é pensado para interessados com pouco ou nenhum conhecimento específico – leigos, diletantes ou amadores - que queiram aprofundar seus conhecimentos do gênero. Serão apresentados exemplos musicais, analisados textos originais e produções específicas, e ministrados exercícios práticos ilustrativos entre os participantes.

Os encontros acontecerão mensalmente aos domingos, das 17h00 às 19h30 em uma simpática e aconchegante casa de Higienópolis.

Facilitador
Leandro Oliveira é o anfitrião do projeto “Falando de Música” da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Foi assistente musical do maestro John Neschling entre 2003 e 2006, tendo trabalhado na elaboração e acompanhamento das temporadas 2004, 2005 e 2006, na implantação da Academia de Música, a produção executiva dos Concursos de Regência Orquestral além dos programas de TV e rádio da orquestra. Atualmente leciona ainda nas classes de Apreciação Musical do projeto Osesp Itinerante. Doutorando em Comunicação pela USP e mestre em música pela UFRJ é editor da revista digital Ocidentalismo.org.

Incrição
As vagas são limitadas. Para inscrição faremos uma pré-seleção a partir do envio de nome completo, profissão, telefone para contato e endereço para o email cursos@estudiodecultura.com.br.

Não mais de 12 vagas. Espalhem!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

La paura de Fellini

Steiner a Marcello no "La Dolce Vita". Um pouco (bastante) schopenhauriano, acho...


Qualche volta, la notte, quest’oscurità, questo silenzio, mi pesano. È la pace che mi fa paura. Temo la pace più di ogni altra cosa: mi sembra che sia soltanto un’apparenza, e che nasconda l’inferno. Pensa a cosa vedranno i miei figli domani... il mondo sarà meraviglioso, dicono! Ma da che punto di vista, se basta uno squillo di telefono ad annunciare la fine di tutto? Bisognerebbe vivere fuori dalle passioni, oltre i sentimenti, nell'armonia che c'è nell'opera d'arte riuscita, in quell'ordine incantato... Dovremmo riuscire ad amarci tanto... da vivere fuori dal tempo, distaccati... distaccati.

Às vezes, à noite, esta escuridão, este silêncio, me oprimem. É a paz que me amedronta. Temo a paz mais que qualquer outra coisa: me parece apenas uma aparência, e que oculte o inferno. Pensa o que verão, amanhã, os meus filhos... o mundo será maravilhoso, dizem! Mas de que ponto de vista, se basta um toque de telefone para anunciar o fim de tudo? Precisaríamos viver fora das paixões e os tantos sentimentos, na harmonia que há a obra de arte completa, e sua ordem encantada... Deveríamos conseguir amarmo-nos muito... a ponto de vivermos fora do tempo, soltos... soltos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Arte e violência, um livro



por Leandro OLiveira

Uma indicação proveitosa a todos os interessados no tema "violência" e "arte" parece ser o livro "The Art of Cruelty" de Maggie Nelson. No New York Times Sunday Book Review:

(...) Of course, the aesthetic program of cultural modernism has long been summed up by the maxim épater la bourgeoisie. Rather than taking this directive for granted, Nelson delves into the varieties of cruelty perpetrated on us bourgeois for our supposed betterment, what the art critic Grant Kester has called the “orthopedic aesthetic.” The art of cruelty aestheticizes violence, in not necessarily scrupulous ways. It can be reckless and scattershot, provoked by the desire to make others feel as bad as the sufferers of injustice and trauma whose experiences are vicariously borrowed by artists shopping for shocks. It bludgeons audiences into getting the point. It’s responsible for a century of art-world Nurse Ratcheds, wielding jolts of aesthetic electroshock therapy and taking unseemly pleasure at rubbing people’s noses in pain. (...)

Para ler a crítica na íntegra, clique aqui.

Para encomendar o livro, clique aqui.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Osvaldo Lacerda, compositor brasileiro

Na folha online:

Um dos principais representantes da escola nacionalista no Brasil, o compositor paulistano Osvaldo Lacerda morreu de falência múltipla dos órgãos nesta segunda-feira (18), em Taquaritinga (SP), aos 84 anos de idade.

Ao lado de sua mulher, a pianista e ex-aluna Eudóxia de Barros, 74, Lacerda era ativo divulgador da música erudita brasileira. Laureada com diversos prêmios, sua produção destaca obras vocais, pianísticas e de câmara, seguindo a cartilha do nacionalismo de seu mestre e guru, Camargo Guarnieri (1907-1993). (...)


Na íntegra, aqui.

Pärt e o Papa


por Leandro Oliveira

Os alunos do "Falando de Música" desta semana puderam ter uma experiência extraordinária indubitável que foi a performance do Te Deum do compositor estoniano Arvo Pärt. Pärt acaba de realizar uma partitura para o Papa Bento XVI. Seguem comentários de Tom Service (com um presente especial para os fãs do compositor ao final do post).

Monday was a busy day for Estonian composer Arvo Pärt. He played a new piece for the pope, in the preternatural presence of the pontiff, called Vater Unser, celebrating the 60th anniversary of Benedict's ordination. But thanks to his publisher, Universal Edition, you can share in the glory of the performance from Pärt himself and Heldur Harry Pölda, an Estonian boy soprano, and hear the first two-thirds of their recording of the piece here, where you can also see the first page of the manuscript score. (...)

Para o post na íntegra clique aqui.

sábado, 16 de julho de 2011

Minczuk fora da direção artística

por Leandro Oliveira

Na Folha online de hoje; assim como as decisões até aqui, o desfecho não é nada auspicioso. Comento mais tarde:

O maestro Roberto Minczuk, que se envolveu em uma polêmica com músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) em março, após determinar que eles se submetessem a uma avaliação periódica, não é mais o diretor artístico da orquestra. Ele pediu desligamento do cargo, mas continua como maestro titular.

Desde esta quinta-feira, a direção artística da orquestra é compartilhada por Fernando Bicudo, ex-diretor do Theatro Municipal, e o produtor e compositor Pablo Castellar.


Na íntegra aqui.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A poesia-pedra de João Cabral de Melo Neto



A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


De João Cabral de Melo Neto, retirado do livro "A Educação pela Pedra".

Coitado do Carlos Gomes

por Leandro Oliveira

A semana começou com a entrega do prêmio Carlos Gomes, uma das mais vistosas vergonhas alheias a que me submeti no passado recente - a outra foi ver um amigo como figurante de uma novela das oito, mas isso é bobagem. Nunca fora antes de segunda, e nunca voltarei após esta edição. O prêmio é a mais inequívoca ilustração da ausência de auto-estima do nosso meio musical clássico, o modo evidente de mostrar que, fora a Osesp e sua Sala São Paulo, o Festival de Campos do Jordão e eventos isolados do Cultura Artística e similares, a mediocridade segue soberana entre os formadores de opinião e críticos, que nosso mercado de música clássica é indigente não porque merecemos mas porque queremos. O prêmio Carlos Gomes é onde todos, cumpadres e cumadres, vão prestigiar os amigos dos amigos. Baixa política entre artistas.

A melhor coisa do prêmio foi a ausência de Antonio Meneses.

Após tal auspicio, foi feliz, não posso deixar de dizer, o encontro com mais de noventa pessoas - a maioria crianças - no curso de história da música que ministrei em Mauá, à mercê do projeto Osesp Itinerante. Nove horas onde pudemos ao menos tentar entender o que vale neste mundinho musical, estas mensagens deixadas para nós por nossos antepassados. E fazermos loas a quem loas merece: os gênios que deixaram sua arte para nós.

Ali, no meio de nossas parcas disponibilidades, tentávamos nos aproximar desta coisa extraordinária que é a tradição clássica. Sem pompa ou falatório, estávamos inteiros. Era a melhor maneira de esquecer a mediocridade de André Heller-Lopes...

Deverei falar, se tiver paciência, um pouco mais do prêmio Carlos Gomes, o maior embuste do nosso mundo cultural. Maior que o Jabuti. O Rei está nú, ninguém fala pois todos de um jeito ou outro se locupletam.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dimensões do diálogo

por Leandro OLiveira

Um dos meus diretores prediletos é Jan Švankmajer. Pensei nele hoje, voltando de Mauá pelo projeto Osesp Itinerante... mais especificamente lembrei do vídeo "Možnosti Dialogu", de 1982. Em três partes, o que me veio à mente retornando da cidade paulistana foi o primeiro. Meu preferido é o segundo.

Divirtam-se.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Sobre a impermanência da comunicação


Communication, in the conventional sense, is difficult under any conditions. People prefer rapport through smoking or drinking together. There is more communication there than there ever is by verbal means. We can share environments, we can share weather, we can share all sorts of cultural factors together but communication takes place only inadequately and is very seldom understood... There is a kind of illusion in the world we live in that communication is something that happens all the time, that it's normal... Actually, communication is an exceedingly difficult activity. In the sense of a mere point-to-point correspondence between what is said, done, and throught and felt between people - this is the rarest thing in the world. If there is the slightest tangential area of touch, agreement, and so on among people, that is communication ina a big way. The idea of complete identity is unthinkable. Most people have the idea of communication as something matching between what is said and what is understood. In actual fact, communication is making. The person who sees or heeds or hears is engaged in making a response to a situation which is mostly of his own fictional invention.

Marshall McLuhan em carta para Gerald Stearn.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mahler em Viena

por Leandro OLiveira

Hoje Gustav Mahler completaria 151 anos. Sua música, mais do que nunca, está presente em nossas vidas embora siga admiravelmente complexa, estranha e inescrutável para boa parte do público. Meine Zeit wird kommen teria dito o compositor, e seu tempo realmente chegou. Mas a frase não deve ser entendida como a reclamação de um gênio incompreendido ou uma aposta de fé no progresso, já bem nos esclareceu Heinrich Kralik. É, antes, uma profecia dos tempos de caos, catástrofes e angústia que lhe seguiriam. Para Quirino Principe é como se Mahler com esta frase proclamasse "haverá um tempo em que as pessoas se darão conta de serem representadas, descritas e identificadas pela minha música, e entenderão que esta música - e seu caos, e sua angústia - esteve nelas desde sempre".

Eu escrevi para a Dicta um artigo onde me pus de um lado inequívoco, entendendo o compositor como uma espécie de cínico que com sua música conflagra ou, como digo ali, deseja tais momentos de pesadelo; outros autores, todos mais respeitáveis que eu, imaginam nessas palavras a clarividência de um gênio, em uma vã tentativa de representação da dissolução já anunciada por indícios de seu mundo e, sobretudo, o anseio desesperado de frená-la.

Foram três ou quatro grandes eventos que instauram a modernidade em Viena no ano de 1897. Como eventos da mesma grandeza, ao lado da morte de Brahms e o anúncio da Sezession, devemos colocar a nomeação de Gustav Mahler como diretor da Ópera Imperial. Isto em um ano para não esquecer: em 1897, naquela cidade, Freud inicia sua auto-análise, Herzl organiza a partir dali o primeiro Congresso Sionista, Karl Kraus publica "Die Demolierte Literatur" que satiriza o Jung-Wien dos amigos Arthur Schnitzler, Peter Altenberg e Hugo von Hofmannsthal. É neste ambiente que Mahler triunfa como Kapellmeister, realizando uma pequena revolução administrativa nos palcos do teatro que todos estes freqüentavam.

Sua música segue, aqui como lá, adorada e vilipendiada no mesmo grau. Para abrandar os espíritos, em seu aniversário, coloco esta versão irretocável, no original, para piano e voz, de uma obra preferida.


Retirado de "Fünf Lieder nach Texten von Friedrich Rückert (1788-1866)".

Ich bin der Welt abhanden gekommen,
Mit der ich sonst viele Zeit verdorben,
Sie hat so lange nichts von mir vernommen,
Sie mag wohl glauben, ich sei gestorben!

Es ist mir auch gar nichts daran gelegen,
Ob sie mich für gestorben hält,
Ich kann auch gar nichts sagen dagegen,
Denn wirklich bin ich gestorben der Welt.

Ich bin gestorben dem Weltgetümmel,
Und ruh' in einem stillen Gebiet!
Ich leb' allein in meinem Himmel,
In meinem Lieben, in meinem Lied!

(Thomas Hampson - barítono e Wolfram Rieger - piano. Gravado ao vivo no dia 18 de agosto de 2005 no Salzburger Festspiele 2005)

Antonio Candido na Flip

Por Leandro Oliveira

O Fábio Cardoso envia mensagem de Paraty. Segue lá, direto do site da Dicta:

Aos 92 anos, Antônio Cândido de Mello e Souza é o principal crítico literário do país. Ponto. E não é de hoje. Sobre isso, muito já se escreveu e é mesmo espantoso que apenas na nona edição da Festa Literária Internacional de Paraty ele tenha aparecido para dar o pontapé inicial no evento, com sua mistura de elegância carioca, cosmopolitismo paulistano e rabugice mineira. Por exemplo, ao dar uma pequena entrevista coletiva à imprensa – algo raro para quem já disse que estava aposentado da “vida intelectual” -, Cândido usou de todo o seu charme de gentleman para enfeitiçar os jornalistas, ainda que não parasse de reclamar dos achaques da idade ao viajar de automóvel pela sinuosa serra de Paraty; mesmo assim, um deles, uma mulher, ficou encantada com as palavras do Elder Statesman de La Rive Gauche e exclamou em seu twitter ao testemunhar os apupos efusivos do público quando o Mandarim da Crítica Literária nacional entrou no palco: “Ai que fofo!”.

Toda essa introdução se justifica não para apresentar quem dispensa “folha de rosto” ou contextualizações para não-iniciados, mas, essencialmente, para enfatizar que Antônio Cândido “frustrou” as expectativas de quem esperava por uma leitura acadêmica ou teórica sobre o homenageado da vez, o escritor modernista Oswald de Andrade. (...)


A íntegra aqui.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Observatório Ocidentalismo

por Leandro Oliveira

Digam lá: o mundo não está cheio de gente assim?



Sabemos que as coisas estão de pernas para o ar quando vemos um gato latindo da janela - e que, evidentemente, pego com a boca na botija, disfarça.

É um cachorro mesmo!

Nem tudo que é um horror é ruim.

por Leandro Olveira

O título é meu, mas o texto é excelente: Leonardo Oliveira (faríamos uma dupla sertaneja, pois não) no Euterpe.

Por incrível que pareça, tenho algumas coisas a dizer sobre o filme "Immortal Beloved" (“Minha Amada Imortal”), hoje mais lembrado como mais uma das caricaturas do cinema dos anos 90. Dirigido por Bernard Rose, o filme ficou famoso ao romancear a busca pela identidade da unsterbliche geliebte (“bem-amada imortal”) a quem Beethoven dirigiu uma misteriosa carta, de fato encontrada entre seus pertences após sua morte em 1827.

A ideia que estrutura o filme, que reconta algo de toda a vida e obra do compositor, é o seu próprio twist final: a Amada Imortal de Beethoven, enigma biográfico de mais de século, teria sido Johanna van Beethoven, sua própria cunhada tão duramente criticada e combatida judicialmente pela guarda do sobrinho. A ideia não tem qualquer respaldo biográfico, mas então qual seria a sua graça? (...)


Para íntegra, clique aqui.

Dicta na Flip

por Leandro OLiveira

Fui poupado de ir à Flip deste ano pois a Dicta enviou um correspondente... A info está no site deles:

Sim, nós somos pobres, não temos metade do orçamento da grande imprensa, mas estaremos lá, na Maravilhosa-Incrível-Festa-de-Literatura-Internacional-de-Paraty, a.k.a. FLIP, cobrindo diariamente neste blog lido por todos e negado por muitos o tal evento que todos amam odiar e que todos querem ir.

Quem fará a cobertura será o jornalista Fábio Silvestre Cardoso que, segundo me informaram, tentará ser o menos próximo da cobertura amebiótica que existe nos cadernos culturais dos jornais que todos lemos no café da manhã. Pelo menos é o que combinamos na reunião de pauta...


Para a íntegra, clique aqui.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Tchaikovsky Competition and beyond

por Leandro Oliveira

É o que se fala no mundo civilizado. Após a aparente derrocada do formato "concurso de música", eis que Valery Gergiev assume a presidência do Tchaikovsky Competition, convida alguns dos artistas mais prestigiosos da atualidade para o corpo de jurados - Nelson Freire esteve lá mas declinou após a primeira semana por estafa - e fez agitar a coisa toda.

Como sempre, muita polêmica. A principal, a saída de Eduard Kunz, muito cedo pelo que parece. E, em casos assim, o esperado: o sujeito não levou o prêmio mas já ganhou o que precisa que é visibilidade e reputação. Sua participação no evento balançou o mundo musical.



Coisas oportunas: acusações de xenofobismo com candidatos dos países satélites, juízes abandonando o certame por motivos de força maior, "ingerência política" nos resultados parciais. Não que as coisas estejam necessariamente relacionadas.

Ao fim e ao cabo, os vencedores:

Piano: Daniil Trifonov (russo);
Violino: sem medalha de ouro, dois segundo colocados: Sergei Dogadin (russo) e Itamar Zorman (israelense);
Cello: Narek Hakhnazaryan (armênio, que foi insultado por um maestro da competição por ser "caipira");
Voz: Sun Young Seo e Jong Min Park (coreanos).

Coreanos?!

Para saber mais, sugiro o excelente Tom Service, que acompanha tudo de lá.

****

Ia falar do encontro com Roberto Minczuk e a turma da Dicta semana passada. Não consegui por motivos inadiáveis - fui descansar. Mas Greg Sandow, que diz coisas que interessam e são pertinentes, diz o que seria ainda mais pertinentes no contexto do encontro. Seguir seu artigo, já na quarta parte, é a melhor maneira de concluir a discussão.

Why aren't orchestras subject (in public, or even very much in private) to detailed comparisons, revealing how well they play?

I think there are four reasons. (...) First: it would be hard to do anything with the information these comparisons would supply. (...) Second: the ideology of classical music says that everything's wonderful. (...) Third: it's in orchestra managements' interest not to have quality talked about. (...) Fourth; it's in the musicians' interest not to have their quality talked about. (...)

If baseball teams had boards, of course the comparisons would be talked about. (...)


Na mosca, não? Na íntegra aqui.

Duas iluminações de HIlda Hilst



Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

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Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo

Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto

Não cabe no meu canto.


Para ler mais da Hilda Hilst, clique aqui.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poema de Peter Goldsworthy

A Statistician to His Love

Men kill women in bedrooms, usually
by hand, or gun. Women kill men,
less often, in kitchens, with knives.
Don’t be alarmed, there is understanding
to be sucked from all such hard
and bony facts, or at least a sense
of symmetry. Drowned men — an
instance — float face down, women up.
But women, ignited, burn more fiercely.
The death camp pyres were therefore,
sensibly, women and children first,
an oily kind of kindling. The men
were stacked in rows on top. Yes,
there is always logic in this world.
And neatness. And the comfort
of fact. Did I mention that suicides
outnumber homicides? Recent figures
are reliable. So stay awhile yet
with me: the person to avoid, alone,
is mostly you yourself.


Visite o site de Peter Goldsworthy aqui.

Beethoven e Pinchas Zukerman

por Leandro Oliveira

Publiquei à ocasião de sua vinda ano passado um panegírico sobre Zukerman, o Pinchas. Acho que ainda vale a leitura já que esta semana retorna à frente da Osesp, solando e regendo Beethoven. Aqui como lá, uma enormidade. Cá estamos.

Colher de chá, uma prévia do gajo - com Mehta, o Zubin.


Na Sala São Paulo e na abertura do Festival de Campos do Jordão.

Pais e filhos e filhos e filhos...

por Leandro Oliveira

O Joel na Dicta chama atenção para algo assaz interessante. Olhe lá:

Se vivemos o início de uma implosão populacional no Ocidente, é porque, para muitos casais, ter filhos parece um sacrifício muito grande, algo que não vale a pena; ou uma responsabilidade à qual não se sentem preparados. Quem sabe um, no máximo dois, e só. Há quem, inspirado por ideais, digamos, conservadores, deplore essa situação, e exorte todos à prática do sacrifício: ter filhos é mesmo um fardo, mas é um dever que sejamos menos egoístas e aceitemos uma vida menos feliz para cumprir o “crescei e multiplicai-vos”.

Outro postura é a adotada por Bryan Caplan, professor de economia da George Mason University, exposta em seu livro "Selfish Reasons to Have More Kids": ter filhos é uma experiência muito gratificante, e os custos dela têm sido grosseiramente superestimados. Nossos cuidados com os filhos têm pouco ou nenhum efeito na pessoa que eles serão quando adultos, como indicam pesquisas feitas com filhos adotivos e gêmeos idênticos que cresceram separados. A genética fala mais alto que a formação. Portanto, pode relaxar, curtir e deixar vir os bebês.

Aqui, uma entrevista com Caplan feita pelo blog da revista "First Things". A tese é polêmica, e pode talvez desagradar à primeira vista, mas não posso deixar de notar que, de fato, as preocupações com o “jeito certo” de se cuidar de um filho chegam hoje à neurose: métodos educacionais, cursos extracurriculares, brinquedos educativos, cuidados alimentares, produtos para bebê (eu, como pai recente, sei por experiência própria a quantidade de produtos “essenciais” que nunca saíram da caixa). Talvez a tese de Caplan seja basicamente o senso comum de gerações passadas: cuide do bebê e da criança, mas sem exageros; ela vai crescer por conta própria; a responsabilidade não é tão opressiva quanto parece. E talvez isso torne a paternidade e a maternidade mais atraentes para muitos.


Com links no original, aqui.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Mahler e a morte


por Leandro Oliveira

Após a releitura de trechos da biografia de Quirino Principe sobre Mahler (quase mil páginas!), é do psicanalista Dr. Stuart Feder o mais recente livro dos meus desejos. Chama-se Gustav Mahler - a Life in Crisis e, para muito além de dissecar o famoso encontro com Freud, revela parte intrincada das referências neuróticas de Mahler - e principalmente, como estas neuroses se traduzem em sua música. Deveria ter um pouco disso no Falando de Música desta semana, quando a Osesp apresenta a Quinta sinfonia do compositor... a ver.

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It was the crisis of 1901 when the composer believed he faced death that the theme of mourning made its most prominent appearance in his music. It was the very next summer that the composer began his Kindertotenlieder. It was characterized by well-known stylistic changes as seen in the Fifth Symphony of the time. Clearly the Wunderhorn years were over as Mahler wrote the last of the Wunderhorn songs and turned to Rückert texts. In Kindertotenlieder, only a shadow behind the deaths of children one finds the theme of the bereavement and mourning of the parents. Biographically, Mahler has revived his identification with his own parents and the multiple deaths of his siblings. This artistic and personal trend was accompanied by an astonishing change in Mahler’s actual life. Suddenly, the confirmed bachelor was ready for marriage and soon after he met Alma Schindler in the fall, marriage rapidly became a foregone conclusion. I believe the forty-one-year-old bachelor, frightened by the passage of time and his own mortality, sought the common immortality of man: the wish to have a family of his own. Thus the importance to him of marriage and the anticipated birth of his first child. Hence, all the more intense the loss that that destiny had in store.

Stuart Feder in "Mahler, Mourning and Consolation".

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Debussy tende il proprio linguaggio fin quasi a spezzarlo senza mai spezzarlo, assotigliandolo miracolosamente e rivelando la resistenza. Mahler lo infrange continuamente, ma sui frammenti accampa qualcosa di solido, e la costruzione galleggia. Motivi estetici e una morale ironica dettano forme e movimenti alla musica di Debussy: essa somiglia allo svanire evaporando, ma una sorgente la rigenera sempre. Malgrado questo, o proprio per questo, essa gira continuamente intorno al senso de distruzione e di morte, anche nei suoi luoghi più incantati. Intorno alla distruzione e alla morte gira anche la musica de Mahler, ma in modo diverso: tentando una formula, dirò che il tono generale di Mahler è la tarda maturità che si avvicina ai limiti della decomposizione senza mai toccarli. L'inferiorità di Mahler rispetto a Debussy ha un'origine prima: in Mahler il tema della morte è molto più esplicito. Manca a Mahler la vera ironia: c'è l'autoironia (che può, scivolando malamente, ribaltarsi in autocommiserazione) oppure il sarcasmo. Mahler non riesce ad essere ostile né freddo: lo guasta un nefasto "amore" per gli uomini, da cui Debussy è luminosamente immune.

Quirino Principe in "Mahler - La Musica tra Eros e Thanatos".

terça-feira, 21 de junho de 2011

Observatório Ocidentalismo


por Leandro Oliveira

How well do orchestras play? That's a question I raised, implicitly, by asking whether a new, young orchestra might surprise us with some edge-of-the-seat commitment. Playing better, in some crucial ways, than the big established orchestras.

Greg Sandow em mais um excelente artigo sobre... cultura (música clássica) e excelência. Para desdobrar nosso papo de ontem com o maestro Minczuk (que aliás devo falar mais tarde).

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Mesmo quando não concordo, gosto do Michael Kaiser.

Spending almost two weeks speaking with hundreds of arts leaders throughout England has given me a great opportunity to observe the role and importance of a Ministry of Culture.

While it may be ironic to praise the work of such a Ministry exactly at the time it is cutting grants dramatically, I do so nonetheless.


É que ele não sabe o que o ministério da cultura faz no BRasil... Mas olhem lá.

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A história de uma histeria intelectual é sempre relevante. Wall Street Journal e o novo livro de Wilhelm Reich, aluno de Freud relevante mais pelo impacto do que fala do que de fato pelo que fala...

This maddening, saddening account of Wilhelm Reich's crash-and-burn life leaves you yearning for a poet or philosopher who understands a fundamental truth: Nothing explains everything. (I recommend Shakespeare.)

Reich did not understand this truth. He was a disciple of Freud (who later excommunicated him). He was a world-famous psychoanalyst back when psychoanalysts could be world-famous, a crusader for sexual freedom back when that cause belonged to intellectuals, not Hugh Hefner or Lady Gaga. He was a prophet of salvation through perfection of the orgasm, sometimes referred to as the "apocalyptic orgasm."


Na íntegra aqui.

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O Vírgilio gostou... como eu gosto do site, publico a sua pergunta, que não deixa de ser interessante. Sobre o Dudamel do domingo:

Se na música popular, ganha pontos aquele cantor que interpreta a música de uma maneira toda peculiar e bem própria, porque na música, dita erudita, não haveria de ser o mesmo? Carregar aqui ou acolá faz parte dessa leitura e num mundo midiático como o nosso, faz sucesso quem sabe - com seu talento - empolgar a platéia e transformar uma audição clássica, num show. Sacrilégio? Estilo, isso sim. Virgilio.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Gorilla musicmaking


por Leandro Oliveira

Todos os que estavam ansiosos por uma oportunidade de puro deleite musical ontem à noite no concerto extra da temporada oficial da Sociedade Cultura Artística, devem ter saído decepcionados. Infelizmente, são raros os eventos deste ano que poderíamos, de antemão classificar como extraordinários; assim foram Keith Jarret, a Orquestra do Festival de Budapeste e Ivan Fischer, assim será a 8 de Mahler com a Osesp. Assim deveria ter sido a apresentação da Orquestra Símon Bolivar e seu regente das multidões, Gustavo Dudamel.

Ok, nada há a ser dito sobre a formação. Afinal são jovens com menos de trinta anos, todos empenhados verdadeiramente em trazer alguns momentos de música para seu público. E disso, sua energia, empenho e visceralidade, qualquer um poderá dizer nada. A bem da verdade, o engajamento da orquestra é algo por si só louvável, ainda mais conhecendo as tantas formações similares que conhecemos - quando os aspirantes a músicos rapidamente conhecem as benesses de se tornarem burocratas da música. Jamais seria uma acusação possível à Símon Bolivar. O problema da orquestra - e aqui falo por inferência, saindo do evento em particular e indo para o plano geral - é que ela não sabe muito bem o que fazer quando a música não está lá para os "Mambos" e "Malambos" da nossa vida.

E preciso dizer, embora lá venha bronca de muitos: tampouco o sabe o maestro Dudamel. Dudamel, digam o que digam, não soube construir com seu energético instrumento os distintos e elaborados timbres que Mahler exige; mas, muito antes disso, também não conseguiu equilibrar os naipes ou tornar orgânicos as tantas mudanças de clima da música. Sua orquestra toca sem nuances sonoras, sua gradação dinâmica vai do mezzo-forte ao fortíssimo mesmo em momentos de inspiração noturna. Sua transcendência é como a que busca alguém ao drogar-se, intoxicação de baixa sofisticação, o êxtase de um usuário de crack.

E aqui entra o verdadeiro crime da noite: a escolha do repertório. Não é que uma orquestra jovem não possa tocar Mahler - ouvi já algumas versões belíssimas pela formação do Festival de Campos do Jordão com Kurt Masur, a West-Eastern Divan Orchestra com Barenboim, ambas apresentando a Primeira Sinfonia do compositor. Ouvi uma orquestra jovem de Boston fazer uma das mais impressionantes leituras da Quinta que ouvi ao vivo.

Mas a Sétima é uma sinfonia de difícil digestão, talvez a menos palatável entre todas. A bem da verdade, com os elementos em cena ontem, duvido muito que tivéssemos uma versão satisfatória mesmo se nos fosse apresentado a Quarta. Mas certamente, os jovens aspirantes a músicos foram expostos cruamente, os pobres solistas vivendo seu pequeno pesadelo nas tantas oportunidade que a peça oferece.

Talvez a idéia seja fazer com que os jovens percam medo da Grande Música (ou de música grande, que no caso da Sétima de Mahler dá no mesmo), mas entre perder o medo das notas e realmente dominá-las, um abismo de distância que dificilmente se justifica em uma turnê internacional - mesmo que seja pela América Latina.

Dudamel é um sujeito muito carismático, ninguém há de negar. Sua regência é clara e comunicativa, como todos sabem; mas temo que aquilo que o faça apresentar a Sétima de Mahler não cumpra nenhum de seus objetivos declarados - trazer alegria às pessoas, fazer com que os jovens saiam de sua situação social ou coisa que o valha. Creio sinceramente que seja apenas vaidade; e todos nós que estivemos a frente de uma orquestra sabemos como podemos nos sentir poderosos comandando as forças necessárias para trazer à luz uma obra dessas. No caso, Dudamel não dominou nada além de si. Mahler não pode estar presente.

Lançamento Dicta


por Leandro Oliveira

Hoje é o dia do lançamento da Dicta 7. Para marcar o evento, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional às 19h30, aqui em São Paulo, a turma da Dicta bate um papo com o maestro Roberto Minczuk. No site o texto que segue.

Sete é um número cabalístico. Para os antigos indicava a totalidade, pois era a soma do “mundo” (os quatro ventos, os quatro cantos da terra, os quatro elementos) e da “divindade” (o três, primeiro primo ímpar, representava uma plenitude indivisível). Hoje continua a ter uma multidão de ressonâncias simbólicas, das sete cidades do Piauí aos sete samurais de Kurosawa. E, nessa veia, costumamos ver nos sete anos a chegada da “idade da razão”.

Com este sétimo número a Dicta entra – esperamos – numa certa idade da razão. Nesses quatro anos, deixou de ser a aposta mais ou menos aloucada de um grupo de amigos que gostavam de discussões filosóficas regadas a café para se transformar num empreendimento editorial sólido. Para marcar este passo, como o leitor pode ver, a revista renovou-se na aparência, mas sem mexer uma vírgula no conteúdo: textos de fundo que ajudem a pensar. Todas as mudanças tiveram como meta melhorar a clareza comunicativa de algumas partes – especialmente do índice e da seção de resenhas – e dar mais viveza e agilidade gráfica aos textos. (...)


Para saber mais clique aqui.

domingo, 19 de junho de 2011

Leandro I, do Rio de Janeiro


por Leandro Oliveira

Após um mês de falsas investidas retorno à labuta deste site. Os poucos leitores não perderam muita coisa, todas proferidas aos melhores, íntimos amigos. Talvez algumas diatribes sobre a insolência de nosso meio musical. E o mau-humor típico de épocas doutorais. E a inspiração tosca dos casos de amor.

São meus pequenos demônios: a música, o trabalho e o amor. Àqueles que me imaginavam juntar duas coisas em uma - afinal não sou músico von Beruf? - respondo que, assim como trabalho com música, amo meu trabalho e só faço música por amor. Ou seja, a distinção é mera convenção: todos minhas tentações se completam para fazer caso a mim mesmo, este que vos escreve. O Demônio é legião, mas é um, nesta pseudo-teologia leandrina que vos permito ensinar.

Mas evito a digressão: quero dizer antes que se estes são os percursos últimos de minhas tentações, sou, Deo gratia, muito mais que isso. E então, retorno ao site.

Retorna com outra forma. A idéia de profissionalizar a coisa toda me exauriu. E assim passo a lidar com este espaço da forma mais trivial possível: como meu hobby pessoal. Então, embora me comprometa com sua regularidade e a qualidade dos textos, não vou mais realizar investimentos, encotnrar e cobrar colaboradores, contratar equipes ou buscar sarna para me coçar. Os blogs convidados seguirão convidados, em bases menos oficiais - farei a menção ao post e o link para a página original. Os colaboradores funcionarão assim: alguém quer mandar um texto manda, se eu gostar publico. Se não gostar não publico. Se Louis XIV pôde dizer "o Estado sou eu!", isso sem ter água devidamente quente para banho, vaso sanitário ou anestesia na dor de dente, eu posso dizer, do alto do conforto de meu lar - cujo sol matinal e as companhias eventuais, asseguro, o fazem muito mais interessante que Versailles - o que segue: "O Ocidentalismo sou eu!".

Tal como posta, a frase não passa por um exame de boa correção, com a elisão natural e musical dos "os" do início de frase que a fazem, antes de tudo uma esquisitice. É a última flor estranhando meus barroquismos. Então vamos nessa, como no original, carioca pedante que sou:

- L'Occidentalism c'est moi!

E que sejam todos, mais uma vez e de uma vez por todas, muito bem vindos.

domingo, 22 de maio de 2011

Curso sobre Cultura

por Leandro OLiveira

Logo logo retorno a escrever - finalizando coisas do doutorado. Mas para quem quer saber sobre o curso de cultura ocidental no Conjunto Nacional, aqui na Avenida Paulista, o link com as informações no site da Dicta.com.br.

Imperdível galera!

terça-feira, 17 de maio de 2011

Upa lê-lê!

Ocidentalismo.org volta em breve. Avisem os amigos: está tudo dominado!

Abracabraços,
Leandro Oliveira

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Destino virtual

por Leandro OLiveira

Parece destino, e é. Todos os empreendimentos com a natureza deste site acaba fadado ao que está: a falta de zelo por falta de tempo. A verdade é que Ocidentalismo.org serve como plataforma para tantas coisas - aulas, reflexões, aglutinação de afinidades -, mas a rotina com suas necessidades faz com que as tantas coisas - aulas, reflexões e busca de afinidades - se tornem mais importantes que a plataforma que as tornam públicas.

Ocidentalismo.org interrompe suas atividades por um período indeterminado.

Aos colaboradores e amigos, meu muito obrigado.

Aos leitores, além do agradecimento, as desculpas pelos erros.

Ps: O novo layout é lindo. Oxalá nosso retorno, quando for, se dê com a cara nova.

terça-feira, 19 de abril de 2011

There is so much beauty in the world

selecionado por Leandro Oliveira


I had always heard your entire life flashes in front of your eyes the second before you die. First of all, that one second isn't a second at all: it stretches on forever, like an ocean of time.

For me, it was lying on my back at Boy Scout Camp, watching falling stars.

And yellow leaves from the maple trees that lined our street.

Or my grandmother's hands, and the way her skin seemed like paper.

And the first time I saw my cousin Tony's brand new Firebird...

And Janie! and Janie!

And Carolyn.

I guess I could be pretty pissed off about what happened to me, but it's hard to stay mad when there's so much beauty in the world. Sometimes I feel like I'm seeing it all at once, and it's too much. My heart fills up like a balloon that's about to burst. And then I remember to relax, and stop trying to hold on to it, and then it flows through me like rain, and I can't feel anything but gratitude for every single moment of my stupid little life.

You have no idea what I'm talking about, I'm sure. But don't worry - you will someday.

Em busca de um outro modelo


por Leandro Oliveira

Jamais deixei de tratar aqui o "caso OSB" como o que definitivamente é: uma comédia de erros, de enredo pífio, sem pé ou cabeça, onde as conclusões últimas são nada mais que desdobramentos conseqüentes de decisões invariavelmente desastrosas que sucedem-se a exaustão. Os protagonistas são diletantes vaidosos e sindicatos, que agem em nome dos incompetentes. A esta altura o assunto se tornou por demais enfadonho para que possamos seguir a riso; e que todos o sigam levando a sério não deixa de tornar tudo ainda mais enfadonho.

Para ser didático, chamo apenas a atenção para uma idiossincrasia. Os jornalistas e amigos que defendem o processo de reestruturação partem de uma perplexidade, a de que tudo não passa da ação de um grande maestro realizando os procedimentos necessários para reconstruir uma que um dia foi uma grande orquestra; ele estaria sendo sabotado.

Então, questão de ordem: quem é que disse que Roberto Minczuk é um grande maestro? Quem disse que a OSB um dia foi uma grande orquestra? Apenas em um país onde a cultura musical é paupérrima coisas assim podem reverberar inadimplentes. Ninguém precisa acreditar em mim e por isso trago, para provar o primeiro, que o segundo é hors de question, a crítica da atuação do maestro junto à Philadelphia Orchestra.

E o faço não por crueldade mas para tomar o verdadeiro assunto do post que é a Philadelphia Orchestra - uma das big five, as cinco mais poderosas instituições orquestrais dos EUA, e que acaba de pedir concordata. Após a greve da Orquestra Sinfônica de Detroit (que durou alguns meses e terminou semana passada), este é o verdadeiro assunto da música clássica internacional. No Brasil, nenhum caderno de cultural deu uma notinha sequer, jornalistas especializados provincianos que temos.

(A título de exemplo, imaginem se o clube do Barcelona pedisse falência, imaginem a possibilidade da notícia passar incólume pelos grandes veículos de esporte!)

Todos especialistas do mundo da música clássica se perguntavam, a boca pequena, já há muito tempo, qual seria a primeira grande orquestra a fechar as portas. Minha aposta pessoal era alguma da Itália, que cancelara parte das suas subvenções estatais no governo Berlusconi. Mas a surpresa veio mesmo após a crise americana.

A Philadelphia Orchestra é uma das mais influentes e tradicionais do Ocidente. "Influente" e "tradicional" de fato, não algo como a a OSB onde a palavra "tradição" é apenas um sucedâneo para "velhice". (Para casos como a OSB, Gustav Mahler nos deixou uma frase ótima: Tradition ist Schlamperei!). Diante da Philadelphia Orchestra estamos frente a um monumento norte-americano, uma orquestra que teve sua fase áurea com Eugene Ormandy, e por onde passou, antes dele, Leopold Stokowsky, e após, Wolfgang Sawalisch ou Christoph Eschenbach.

Seu eventual fechamento é o primeiro que pode, de modo real, acontecer no universo das grandes instituições clássicas. Esta é a notícia musical do mês: pode fechar as portas uma orquestra fundada em 1900 que desbravou parte importante do mercado fonográfico em 1925 e - sobretudo - participou, em 1940, da gravação do extraordinário "Fantasia" de Walt Disney; uma orquestra que não deitou em berço esplêndido e, sempre antenada com os tempos, se tornou, em 2006, a primeira a disponibilizar para download a gravação de suas performances, diretamente de seu website.

Na prática, a concordata a alivia de pagamento a credores, e permite a renegociação imediata do contrato com os músicos - inclusive com os fundos de aposentadoria. De fato, esperamos todos, deverá servir como o primeiro passo para uma eventual reconstrução. O que devemos entender atentamente é como tal reconstrução apresentará saídas para um modelo de negócios que, fundado no trinômio "subvensão pública - venda de assinaturas - verbas de patrocinadores", parece fadado ao fracasso.

Gestores de cultura de todo mundo acordaram em um pesadelo - ele contava que uma orquestra sinfônica é uma entidade muito cara para não prever permanentemente fórmulas generosas e criativas de geração de receita e controle de gastos.

O mundo clássico virou seus olhos para Philadelphia. Parece impossível deixar de acompanhar as bobagens aqui ao lado, mas ao menos alguns de nós para lá é que deveríamos virar.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Amnésia Cultural - Monteiro Lobato

por Leandro Oliveira

Deus e a Osesp fizeram com que minha segunda-feira amanhecesse em Taubaté no exato dia do aniversário do filho ilustre da cidade, Monteiro Lobato. A Providência - esta senhora cheia de caprichos - fizera antes com que no sábado, dia 16, sem que soubesse das comemorações de aniversário ou atinasse que aqui tratava-se da cidade natal do escritor, eu vasculhasse minha biblioteca trechos do "Urupês" e outras bizarrias do homem que sonhou a Cuca, a Emília e o Visconde de Sabugosa.

Não entendendo tais desígnios mas imaginando que raros deles são vãos, decido compartilhar minhas perplexidades. E homenagear o homem, com sua famosa autobiografia.

Nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de... 1884 (na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez, aos 5 anos, um célebre ditado: “Cavalo pangaré/Mulher que... em pé/Gente de Taubaté/ Dominus libera mé”.

Concordou.

Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11. Primeiras espinhas aos 15.

Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne.

Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau – apagado. Tomou bomba em exame de português, dada pelo Freire. Insistiu. Formou-se em Direito, com um simplesmente no 4º ano – merecidíssimo. Foi promotor em Areias, mas não promover coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi (que nunca usou no dedo, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4,200 a arroba e feijão a 4.000 o alqueire.

Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos intermediários. Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros.

Escreveu umas tantas lorotas que se vendem – Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho. Pretente publicar ainda um romance sensacional que começa por um tiro:

- Pum! E o infame cai redondamente morto...

Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula.

Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenos Aires.

Físico: lindo!


Monteiro Lobato, "A Novela Semanal" (São Paulo, 2 de maio 1921)
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