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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Rosebuds da Nova Geração


Cada tempo tem sua própria mitologia. Em seu texto de estréia, Ieda Marcondes escreve sobre "Rede Social", o filme que conta as origens do Facebook - e comenta porque algumas coisas não mudam nunca.

Por Ieda Marcondes

De acordo com o filme “A Rede Social”, a motivação principal de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, para se tornar um bilionário é o fora que ele leva de sua namorada na faculdade. Do jeito dolorosamente hábil que algumas mulheres têm de apontar a verdade em momentos delicados, ela termina o namoro dizendo que ele passará a vida inteira achando que as garotas não gostam dele por ele ser nerd, mas que isto não era verdade, que era porque ele é mesmo um babaca. Zuckerberg, então, volta bêbado para seu dormitório e, confirmando o que foi dito, começa um site para comparar as garotas do campus, além de ridicularizar a ex-namorada em seu blog. Em qualquer outro filme, isto seria um acontecimento sem relação alguma com a criação e expansão do Facebook, mas “A Rede Social” escolhe deliberadamente tratar tal episódio como o único motivo para Zuckerberg querer criar algo que chame atenção, que o torne bem-sucedido. Ele está interessado em; 1- Criar algo que impressione sua ex-namorada e, então, 2- Conseguir finalmente esquecê-la. Nenhum dos dois acontece no filme, ele nunca deixa de gostar dela e não há reação ou comentário algum de sua ex sobre seu sucesso, mas são estas as motivações que colocam tudo em ação. É quase como se fosse um "Cidadão Kane", só que em vez de trenó, há uma garota. Parece bobo e simples, mas é muitíssimo plausível, especialmente hoje em dia.

Entendo que, em determinados momentos, para aqueles que não estão prestando atenção, o filme possa parecer misógino. Enquanto todos os personagens masculinos são gênios, dizem coisas inteligentes e engraçadas, assim que Mark e seu parceiro Eduardo começam a ficar famosos no campus, todos os tipos de mulheres vulgares e nulas se aproximam deles. Algumas se limitam a passar cenas inteiras rindo, bebendo e se drogando. Acredito que estas mulheres aparecem desta forma simplesmente porque elas com certeza existem e também porque não significam nada para nenhum dos personagens. Mas o filme está longe de ser misógino, já que duas mulheres tem as falas mais inteligentes de todo o filme. Uma das mulheres é a namorada que termina com Zuckerberg e se torna toda a sua motivação logo no início, a outra é a advogada que acompanha um dos processos contra ele e o aconselha sobre que rumo tomar. Ou seja, mulheres de substância têm papéis que definirão todo o curso da história, por mais que seja uma história predominantemente masculina.

David Fincher, diretor do filme, cresceu muito nos últimos anos. “A Rede Social” parece fazer par ao “Zodíaco”, de 2007, no sentido em que ambos tratam de casos extraordinários em que pessoas normais se transformam através de suas próprias motivações. Em “Zodíaco”, um cartunista que resolve se dedicar totalmente a desvendar mensagens de um assassino em série. Em “A Rede Social”, um estudante que se torna o mais jovem bilionário do mundo por causa de uma ex. Em “Zodíaco”, o personagem perde a mulher e os filhos no decorrer de sua investigação ao se tornar crescentemente obcecado pelos meios e motivos de um assassino tão notório. A motivação do assassino nós nunca ficamos sabendo, mas sabemos que o personagem principal quer ao menos tentar compreender o que leva uma pessoa a se tornar um monstro. Em “A Rede Social”, Mark perde a namorada e, por conta disto, começa o que se tornaria uma empresa riquíssima com uma idéia possivelmente roubada de outros. Com o tempo, ele perde os poucos amigos que restavam e se torna ainda mais solitário, desejando ainda mais a ex-namorada. Fincher conclui com estes dois filmes que as pessoas têm motivações bizarras, aparentemente incompreensíveis, mas completamente reais, e que irão de fato transformá-las no curso de suas vidas.

Algo que chama muita atenção no filme são os diálogos e a compreensão que Fincher tem de todos os lados da situação, sem nunca querer transformar ninguém em vilão ou herói. Seria fácil torcer pelo nerd desajeitado se ele realmente não fosse um babaca. Seria fácil torcer contra os atletas ricos, gêmeos loiros de 1,90m (que alegam ter criado o conceito do Facebook antes de Zuckerberg) se eles não fossem tão distintos, admiráveis até. Em determinado momento, um dos gêmeos fala que persegui-lo seria como se eles se vestissem de esqueletos e batessem no Karate Kid na noite de Halloween. É uma fala tão engraçada, tão lúcida. A compreensão que Fincher tem dos indivíduos envolvidos é incrivelmente lúcida, incrivelmente humana, de uma sofisticação que poucos são capazes de atingir mesmo em anos. Sua própria motivação para tal, para desenvolver visão tão delicada no trato de todos os personagens de seus filmes mais recentes parece a mais curiosa e misteriosa. Mas por mais que seja uma razão completamente válida e real, quero muito acreditar que isto tudo não é só por causa de uma garota.

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