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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A escrita como uma tecnologia que reestrutura a mente - Parte I


Por Leandro Oliveira

A escrita, quer dizer, o evento histórico que permite este ato que faço agora e que o leitor tem a oportunidade de acessar quando dou enter no mecanismo do blogger, a escrita, como dizia, foi um desdobramento muito recente para a humanidade. O primeiro registro incontroverso de linguagem de fato que conhecemos foi desenvolvido entre os Sumérios na Mesopotâmia somente por volta do ano 3500 A.C - ou seja, mais ou menos 6.000 anos atrás; o alfabeto, esta inovação tecnológica extraordinária, menos de 4.000 anos. Se considerarmos que, em uma estimativa conservadora, o Homo Sapiens está na Terra há pelo menos 30.000 anos, temos a conclusão decisiva: é uma sorte estatística você estar aí enquanto eu aqui tomo um chá quente e batemos este papo - o mais provável seria que estivéssemos mostrando os dentes ou tentando fazer filosofia por sinais de fumaça (impossibilidade categórica, mas explico isso depois...).

Claro que não necessariamente seríamos tão bárbaros. Muito antes dos primeiros registros escritos da fala, havia a fala (rá!), e, com ela, podemos permitir dizer, algum tipo de comunicação elaborada entre seres humanos. A questão é que das mais de dez mil línguas que serviram ou servem para comunicação oral no curso da história humana, apenas uma parte ínfima - Munro Edmonson em seu estudo "Lore: An Introduction to the Science of Folklore and Literature" de 1971 calcula pouco mais de 100 - compromete-se de algum modo com a escrita de maneira a permitir produção de registros regulares escritos. A maior parte delas jamais foi registrada: mesmo entre as cerca de 4.000 línguas faladas hoje, estimamos cerca de oitenta com a disponibilidade para preservar algo que podemos chamar de literatura .

O fato é que com a escrita a mente humana sofre uma reestruturação extraordinária. A partir deste post, iniciarei uma série de comentários sobre o impacto da escrita como uma tecnologia que reconfigura os processos mentais. A tese é ousada e fruto direto do trabalho de scholars da Antiguidade Clássica tal como como Milman Parry, Albert Lord e Eric Havelock, desdobrando-se posteriormente em pesquisas de linguística em como Wallace
Chafe
e Deborah Tannen, antropologia cultural de Jack Goody, Jeff Opland e Edmund Carpenter, história com M. T. Clanchy ou Elisabeth Eisenstein, e ainda outros setores mais exóticos como a literatura, principalmente no maduro Marshall McLuhan - McLuhan tomou mais riscos entre todos e, talvez por isso, pelo inusitado de suas probes, tenha aberto o campo para a tese da a oralidade primária e a oralidade secundária de Walter J. Ong, que nos permite hoje de forma menos empírica, entender as diferenças entre a mente oral e a letrada.

Na nossa estrutura de comunicação, atualmente estamos habituados aos sons processados visualmente, tão familiarizados que o damos por natural. Mas não nos damos conta que a escrita é algo completamente estranha para a maior parte dos seres humanos, que sempre pertenceram, e em grande parte ainda pertencem, a este universo oral. Como diz Ong:

Although we take writing so much for granted as to forget that it is a technology, writing is in a way the most drastic of the three technologies of the word: it initiated what printing and electronics only continued, the physical reduction of dynamic sound to quiescent space, the separation of the word from the living present, where alone real, spoken words exist.

(...)

Speech is ancient, archaic. Writing is brand-new.

(...)

We can now view in better perspective the world of writing in which we live, see better what this world really is, and what functionally literate human beings really are - that is, beings whose thought processes do not grow out of simply natural powers but out of these powers as structured, directly or indirectly, by the technology of writing. Without writing, the literate mind would not and could not think as it does, not only when engaged in writing but even when it is composing its thoughts in oral form.

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