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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Igualdade social - uma ilusão; ou, "um homem singular"


O Ocidente assume como válidos, tradicionalmente, dois tipos de "igualdade": a igualdade de oportunidades e a igualdade perante Deus. Enquanto o último, entendido em seus termos metafísicos, implica que devemos desfrutar de uma certa dignidade pelo fato de sermos humanos, membros da mesma comunidade no mundo, o primeiro sugere algo distinto: a permissão, por parte da cultura, do desenvolvimento de talentos e inclinações individuais livre de barreiras arbitrárias como sangue, classe social ou o que quer que seja. Mas há ainda um terceiro tipo, recente, que assume como justa e necessária a distribuição igual dos frutos econômicos da sociedade. É a estranha "igualdade social" (ou "equality of results", em inglês) de que fala Leonardo Valverde.

Por Leonardo Valverde

Já disse aqui que a idéia de igualdade é mais do que um dos pontos centrais da filosofia vedānta: é a própria estrutura da realidade. Mas que funciona simultaneamente - e isso quebra o princípio da não-contradição aristotélico - com a diferença.

Falo da realidade física e metafísica. Entendendo por física a “camada” da matéria antes da social, que, inclusive, nos torna parecidos enquanto espécies; e por metafísica a alma ou o ser; ou simplesmente aquilo que é eterno e não é matéria.

É na realidade física e metafísica, portanto, que a igualdade existe.

E numa realidade social, existe a igualdade?

Tirando a igualdade que o Direito cria, não. Somos desiguais por natureza. Criamos um aparato como a lei justamente para nos fazermos iguais sob certos princípios. Enquanto social, e fora da esfera do Direito, a idéia de igualdade chega ser absurda. Mas por quê?

Vejamos o que o Bhagavad Gītā nos diz e como ele nos ajuda a clarear as idéias:

चातुर्वर्ण्यं मया सृष्टम् गुणकर्मविभागशः
cāturvarṇyaṁ mayā sṛṣṭam guṇakarmavibhāgaśaḥ

As quatro classes são criadas por Mim,
segundo a distribuição de qualidade e ação.

Neste śloka (4.13), Kṛṣṇa diz que as quatro classes visíveis em qualquer realidade social são criadas por Ele; é como se estas classes fossem a estrutura desta realidade social. No caso, como toda “camada” da matéria tem uma estrutura, a estrutura desta é por classe, e sua atuação na realidade é imprescindível. Mas o Absoluto não é ‘autoritário’ e, assim, a realidade social se faz segundo as ações e qualidades de cada um.

E que classes são essas? De onde vêm as qualidades e as ações?

Voltemos ao Gītā (18.41), ao que Kṛṣṇa nos diz:

ब्राह्मणक्शत्रियविशां शुद्राणञ्च परन्तप
कर्मणि प्रविभक्तानि स्वभावप्रभवैर् गुणैः
brāhmaṇakśatriyaviśāṁ śudrāṇañca parantapa
karmaṇi pravibhaktāni svabhāvaprabhavair guṇaiḥ
As atividades da classe intelectual, administrativa, mercantil e serviçal,
ó Parantapa, são divididas por qualidades surgidas da própria natureza.

Podemos ver que estas quatro classes são facilmente visíveis em qualquer sociedade, da mais tribal à tecnológica e sofisticada. São elas que nos distinguem socialmente. Mas no caso essa distinção é dada antes mesmo de uma manifestação social, e vem daquilo que o texto chama de svabhāva, ou a própria natureza, aquilo que nos diferencia dos demais e que determinará as qualidades que posso ter para executar uma determinada ação. E são as ações executadas na sociedade que determinarão a classe de um indivíduo.

A estrutura da ordem social para a tradição vedānta vem de cima, mas é determinada segundo a própria natureza (svabhāva) de cada um. É como se tivéssemos a propensão para a diferença até antes mesmo das divisões de classe. Aliás, a própria divisão de classe é conseqüência de uma diferença anterior, ou naturalmente própria ou além da natureza material.

Se falamos de ser humano, ou mais, de homem social, falamos de diferença. Porque esta diferença, como disse o Gītā, é determinada pela própria natureza do homem.

Em esquema ficaria assim:

svabhāva > guṇa > karma > cāturvarṇyam (estrutura da realidade social)

A palavra varṇyaṁ no primeiro śloka, que traduzo por “classes”, significa “cores”. É o modo etimológico para dar a idéia de diferença. Aqui usada com a acepção de “classe”.

Agora, tomemos este conhecimento do Gītā e sigamos em frente.

Por que falar da existência de igualdade social fora do âmbito do Direito é um absurdo?

Imagine um mundo em que todas as pessoas fossem iguais, com as mesmas condições, e não precisassem umas das outras para nada. Não teríamos civilização. Diferença é o fator que está na base da existência de qualquer sociedade ou civilização. As leis que criamos com o objetivo de nos fazer iguais são, na verdade, uma maneira de nos lembrar que somos diferentes por natureza, mas que além dessas “camadas” da matéria, incluso a social, até mesmo desta natureza, somos todos constituídos de uma única realidade, ou seja, somos uma alma imortal. Só assim há igualdade, e mesmo assim, como disse, a igualdade vem lado a lado com a diferença, e isso é inconcebível (acintyabhedābheda).

E vejam, leitores: sequer fiz uma análise sob a ótica político-ideológica aqui... mas se social não pode ser sociedade, como vimos, só pode ser coisa da Novilíngua.

Retirado de LeonardoValverde.com.

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