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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Poemas de Amor - Nazim Hikmet


Quevedo, Kaváfis, Pierre Louÿs - além de alguns versos da própria lavra. Eis algumas das pérolas poéticas que Pedro Gonzaga vem oferecendo aos leitores do Ocidentalismo.org. Agora é a vez de nos deliciarmos com alguns dos mais belos versos de um extraordinário poeta, o turco Nazim Hikmet. Além das traduções abaixo, o leitor não pode perder o texto de Gonzaga sobre Hikmet na Revista Norte, onde encontrará ainda outros versos notáveis do autor de "Carta para minha mulher".

Por Pedro Gonzaga

Poemas de Nazim Hikmet (traduzidos do inglês)

Vera Acordando

as cadeiras dormem sobre os próprios pés
assim como a mesa
o tapete está deitado de costas
aprisionando seu desenho
o espelho está dormindo
os olhos das janelas estão bem fechados
a sacada dorme com suas pernas balançando em pleno ar
no telhado em frente dormem também as chaminés
assim como as acácias na calçada
a nuvem dorme
com uma estrela guardada no peito
a luz dorme aqui dentro e lá fora
você acordou minha rosa
as cadeiras acordaram
e se puseram a passear de lá para cá
junto com a mesa
o tapete se sentou ereto
lentamente revelando suas cores
como um lago ao entardecer despertou o espelho
as janelas abriram seus grandes olhos azuis
acordou a sacada
e recolheu suas pernas do ar
no telhado em frente as chaminés fumegaram
as acácias na calçada irromperam numa canção
a nuvem acordou
e lançou a estrela guardada em seu peito para dentro de nosso quarto
a luz despertou aqui dentro e lá fora
inundando teus cabelos
deslizando por entre teus dedos
abraçando tua cintura nua e estes teus pés tão brancos

Para Vera

Um árvore se ergue dentro de mim…
Eu a trouxe ainda em muda do sol.
Suas folhas fremem como peixes, como chamas,
e seus frutos cantam como pássaros.

Os cosmonautas já aterrissaram
na estrela dentro de mim.
Eles falam uma língua que já ouvi em sonhos:
Sem autoritarismo, jactância, ou lamúria.

Uma estrada límpida me atravessa por inteiro
aberta a formigas que carregam grãos de trigo
e a caminhões de foliões gritando vivas
mas fechada a todos os cortejos fúnebres.

Dentro de mim, o tempo se mantém estático
como a mais adorável e vermelha das rosas.
Então chega a sexta-feira, amanhã o sábado,
ou mesmo o fim já se divisa – e nada disso me importa.

Carta para Minha Mulher

Quero morrer antes de você.
Você acha que aquele que vai depois
encontra o que foi primeiro?
Eu acho que não.
O melhor seria me cremar
e me colocar num vaso
sobre o aparador de sua lareira.
E garanta que o vaso
seja cristalino,
assim você pode me ver lá dentro…
pode ver meu sacrifício:
desisti de ser terra,
desisti de ser uma flor,
para ficar somente junto a você.
E eu me tornei pó
para viver contigo.
Assim, quando você morrer,
você pode entrar aqui no meu vaso
e então viveremos juntos,
suas cinzas com as minhas,
até que uma noiva tonta
ou um neto rebelde
nos jogue fora…
Mas
a essa altura
já estaremos
de tal forma
misturados
que mesmo vertidos nossos átomos
cairão lado a lado.
Mergulharemos na terra juntos.
E se um dia uma flor selvagem
encontrar água e brotar desse pedaço de terra,
sua haste terá
por certo dois botões:
um será você,
o outro, eu.

Não é que eu
esteja para morrer.
Quero criar ainda outro filho.
Estou cheio de vida.
Meu sangue é quente.
Viverei ainda muito, muito tempo -
ao teu lado.
A morte não me mete medo,
apenas não consigo sentir especial atração pelos preparativos
de nosso funeral.
Mas tudo isso pode mudar
antes que eu esteja morto.
Alguma chance de que você saia logo da prisão?
Algo dentro de mim me diz:
talvez.

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