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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O cisne indômito de algum lugar


por Leandro Oliveira

"Cisne Negro" não é a reconstrução de um pesadelo, não é sobre desejo de superação, nem sobre "a capacidade humana de se chegar a limites". Tampouco é uma pornochanchada - a tese é até boa, mas o sexo, no filme, não é mais que uma metáfora. E é mais que filme de terror, já que se vale de sua gramática e retórica, mas ultrapassa o gênero vertiginosamente.

"Cisne Negro" é uma narrativa iniciática - com mestre (Thomas Leroy), personagens aprendizes de oposição complementar (Lily x Nina), pseudo-modelos ou demônios (a Mãe x Beth MacIntyre). Está tudo lá, como o professor Olavo de Carvalho mostrou acontecer em outro filme de Hollywood, "Silêncio dos Inocentes", que também pouca gente à época entendeu. Não deixa de ser curioso que, quinze anos após o artigo que mudava toda a leitura de um filme que ganhou o Oscar, ainda hoje no Brasil "as palavras 'desejo' e 'paixão'" sigam como "chave universal" para explicar tudo.

Em "Cisne Negro", uma característica inescapável, e óbvia, é que o roteiro não força a distinção da dualidade para a resolução: ao contrário da narrativa iniciática tradicional, prevê que os pólos complementares convirjam ao final. Uma subversão do gênero justificado por uma espécie de simbolismo gnóstico? Talvez.

De qualquer maneira, é como narrativa iniciática que as falhas do filme devem ser apontadas; intuo algumas, mas precisaria rever outras vezes e acho que não tenho paciência... O importante é que não consigo imaginar que se possa achar nele outra filiação de gênero senão por liberdade poética; seria como tentar ler "A Bela Adormecida" tomando-a por um Bildungsroman.

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"Bravura Indômita" é uma obra menor dos irmãos Coen, mas mesmo assim um filme de primeira linha. Distante do ethos do filme de Henry Hathaway, também baseado no romance de Charles Portis, os irmãos não deixam de se valer de alguns truques fáceis dos filmes de ação; talvez seja uma homenagem aos westerns, talvez apenas uma forma de não se levar muito a sério... Eu não os sinto plenamente justificados.

Mas os brothers são mais do que hábeis e jamais subvertem o tema fundamental da trama, que é o compromisso de Mattie Ross em fazer justiça pela morte de seu pai. Um filme impossível no Brasil, não pela técnica mas pelo norte moral; para eles é possível tal drama, para nós seria apenas um conto-de-fada.

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Julio Lemos, que ao lado de João Vidal e Marcelo Cosentino são os únicos da minha idade que me fazem mudar de idéia, não gostou do filme da Sofia Coppola, enquanto eu o adorara.

Por conta de Julio, portanto, tive que rever "Em Lugar Qualquer" - e de fato, me dar conta que o havia supervalorizado. Mas tenho uma explicação: quando o assisti pela primeira vez, emocionava-me a companhia de minhas afilhadas. Acho que isso me fez sentir na pele o drama de Johnny Marco (eu também sou um astro pop, pois não).

Não somos por vezes assim, entendendo nas coisas aquilo que queremos delas?

Revendo o filme já em São Paulo, longe das minhas meninas, descobri que realmente é bom, mas não um capolavoro. Sigo discordando em uma coisa, no entanto: se entendi o argumento de Julio, para ele o filme não é isso tudo por ser "sem finalidade"; e exatamente por ser "sem finalidade" que eu o curti.

Ah, e ambos concordamos que Sofia, como diretora, é craque. E não, ela não é o Anticristo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Talvez fosse mais correto dizer que 'Cisne Negro' é uma narrativa contra-iniciática. A menos que eu esteja enganado, nas narrativas iniciáticas o 'herói' não morre senão quando necessário para ascender e não creio que Nina, com seu suicídio ao final, ascenda, antes parece-me que após brilhar um pouco ela caí direto para o Inferno.

Alexandre

Leandro Oliveira disse...

Boa Alexandre. Muito possivelmente vc está certo!

Leonardo T. Oliveira disse...

Leandro,

Também estou pra ler uma boa resenha do Black Swan desde que o assisti. Ele usa de símbolos de maneira muito clara, mas mesmo assim ainda não vi uma resenha fazendo a lição de casa em ligar os pontos. A leitura da narrativa iniciática (com as tantas ressalvas em ser uma iniciação "trágica") também foi uma boa lembrança. Escreva aí você sobre isso, senão vou acabar fazendo! :P

Abraços!

Leonardo T. Oliveira disse...

Só agora vi que o Dirceu Villa escreveu uma. Quando voltar de viagem vou ler!

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