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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Jazz para que te quero...


por Leandro Oliveira

Infelizmente, o Theatro Municipal segue o mantra da permanente improvisação. Após a saída repentina de Alex Klein, foi nomeado - de modo certamente não menos repentino - o maestro Abel Rocha. Ele será o responsável para levar adiante os projetos do centenário da instituição, no papel de seu diretor artístico.

A reedição pouco humorada de "Apertem o cinto, o piloto sumiu"? Tomara que não. Mas é fato que o talentoso maestro - cujos serviços musicais à cidade são incontestáveis - aceitou muito mais que um desafio artístico que o corajoso papel de performer como homem-bala. Não há o que ele ou qualquer outro possam fazer em um lugar como esse, a não ser cultivar-se como bucha de canhão, improvisando à tarde a solução para o incêndio que se conflagra pela manhã.

Ironia do destino: ao contrário das acusações (injustas) que levaram à queda de seu antecessor Rodrigo de Carvalho, Alex Klein saiu não por "inépcia artística". Seria impensável, artista consagrado que é. Embora possamos refletir sobre sua habilidade para gerir uma instituição complexa como o Theatro Municipal sem experiência administrativa prévia (muitos duvidavam de sua capacidade), na verdade, justiça seja feita, ele sequer teve tempo de mostrar incompetência. Ambos (e a eles soma-se José Maria Florêncio, o antecessor de Rodrigo) sairam por não ter como bancar politicamente as decisões necessárias para a reestruturação do projeto - soluções dolorosas mas factíveis e certamente conhecidas por todos.

O problema do Theatro Municipal é a ilustração da falta de capacidade da burocracia pública de gerir uma instituição cultural dinâmica, independente e com planos de médio prazo. E do poder de grupos internos de pressão que, ao fim e ao cabo, querem apenas que tudo fique como está. Nelson Kunze resume de forma lapidar:

A nossa vergonha cultural é o Teatro Municipal de São Paulo, mais tradicional palco da cidade, que neste ano, de portas fechadas, comemora tristemente o seu centenário. Onerando os cofres públicos em milhões de reais todos os meses, o Teatro Municipal não oferece à cidade o bem para o qual foi concebido, qual seja, a ópera. (A bem da verdade, não oferece nem ao menos música sinfônica.) Amarrado a uma estrutura antiquada e burocrática no pior sentido do termo, o teatro é implacável na destruição de qualquer iniciativa de mudança. E a lista dos maestros e gestores moídos pela máquina acaba de ganhar mais um medalhão, desta vez o oboísta e maestro Alex Klein.

Não pensem que os derrotados são fracos, incompetentes ou covardes. A lista ostenta nomes de personalidades que se afirmaram entre os melhores do mundo – taí Alex Klein para confirmar. Ocorre que não há força humana capaz de enfrentar a morosidade e a impessoalidade cínicas da burocracia do estado. Um projeto de lei em tramitação na Câmara de Vereadores, que pretende transformar o Teatro Municipal em uma fundação pública, é a luz que brilha no fim do túnel. O túnel, contudo, parece um filme de terror – quanto mais se avança nele, mais fraca a luz vai se tornando.


A "luz que brilha no fim do túnel", no entanto, me parece ser menos a saída que um trem desgovernado que vem à nossa direção. Esperar a aprovação da lei que transforma a personalidade jurídica gestora do Theatro é um falso caminho pois a personalidade jurídica é apenas um modelo administrativo para cuidar de coisas muito mais fundamentais. E estas coisas fundamentais seguem desconversadas. Quais serão as estratégias de sustentabilidade financeira, marketing e coordenação administrativa? Como serão geridos os dilemas de trabalho como passivo trabalhista, avaliação do corpo artístico, contratação de corpo técnico, previdência?

Após tanto tempo inerte, seria de se esperar que ao menos este plano detalhado estivesse publicado pela administração atual responsável pelo Theatro. Mas não está, ninguém sabe, ninguém viu, provavelmente não há.

Toda sorte a Abel Rocha! Mas não me iludo - todos amigos, sem exceção, confundem votos de auspícios com a projeção da vontade como realidade (uma maneira bizarra de wishful thinking), e acham que "agora vai!". As condições da nomeação do maestro não são sequer razoáveis e ele deve ter recebido pouco mais que escombros das gestões anteriores (há, pelo que parece, um esboço de temporada, a partir de onde deverá trabalhar...).

Não esperemos milagres, exatamente para que não queimemos mais este ator importante da cultura paulista. Se for bem sucedido, ou seja, se sobreviver por mais de uma temporada, mais do que maestro e gestor, Abel Rocha terá mostrado apenas seu talento como jazzer.

Um comentário:

Anônimo disse...

parabens!! bem explicado o dilema!!!

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