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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Questões ordinárias



Por Leandro Oliveira

Existem questões relevantes mas, mesmo assim, inoportunas. O contrário talvez não resista a análise. Uma das críticas aos usos recentes da questão do aborto é exatamente sua oportunidade: para os mais sensíveis, mesclar problema tão complexo ao calor publicitário de uma eleição é nivelar em termos duvidosos assunto de alta complexidade; para outros, por assim dizer "formalistas" (de conveniência ou não), é abrir precedentes perigosos para uma espécie de promiscuidade administrativa, ao levar um tema da Igreja à questão de Estado.

A necessidade da questão, no entanto, é incontestável. Afinal, a decisão do aborto é, muito mais que tecnicalidade jurídica, sectarismo religioso ou convenção sociológica, algo que se desdobra em uma série de dilemas morais e filosóficos sobre a própria definição da natureza humana. É possível concordar ou discordar sobre a conveniência ou mesmo a prudência da discussão nos termos em que se coloca na campanha eleitoral - mas decididamente é impossível negar sua legitimidade no debate público.

Neste sentido a Folha de São Paulo saiu na frente. Três de seus colunistas - Luiz Felipe Pondé, Antonio Cícero e João Pereira Coutinho, em ordem cronológica - levantaram ao longo da última semana em suas respectivas colunas, argumentos a favor e contra o assunto. Além da Folha, o Diário do Comércio posicionou-se de forma não menos que brilhante com um texto que ouso dizer fundamental do professor Olavo de Carvalho.

Ao final da leitura dos quatro, nos enriquecemos todos. O que mostra ser a discussão sobre a descriminalização do aborto, talvez, assunto delicado para fins eleitoreiros, mas absolutamente decisivo para compreendermos nosso lugar no mundo. E se for apenas para isso, é necessário asseverar, toda a polêmica parece valer a pena. Vamos aos textos: boa leitura!

Por Luíz Felipe Pondé

Sou contra o aborto. Não preciso de religião para viver, não acredito em Papai Noel, sou da elite intelectual, sou PhD, pós-doc., falo línguas estrangeiras, escrevo livros “cabeça” e não tenho medo de cara feia.

Prefiro pensar que a vida pertence a Deus. Já vejo a baba escorrer pelo canto da boca do “habitué” de jantares inteligentes, mas detenha seu “apetite” porque não sou uma presa fácil. Lembre-se: não sou um beato bobo e o niilismo é meu irmão gêmeo. Temo que você seja mais beato do que eu. Mas não se deve discutir teologia em jantares inteligentes, seria como jogar pérolas aos porcos.

Esse mesmo “habitué” que grita a favor do aborto chora por foquinhas fofinhas, estranha inversão...


Na íntegra aqui.

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Por Antonio Cícero

Se não me engano, algum tempo atrás Lula previu que, nas eleições deste ano, todos os candidatos à Presidência seriam de esquerda. De fato, os três mais votados candidatos do primeiro turno, logo, os dois do segundo, são considerados de esquerda.

Serão mesmo? Pensaria o contrário quem, sem nada saber dos candidatos, visse as fotos diárias que a imprensa publica de cada um deles a assistir à missa; ou suas confraternizações com pastores e políticos evangélicos; ou lesse suas declarações de fé; ou as promessas de obediência que fazem a líderes religiosos; ou suas renegações da proposta da descriminalização do aborto...

Dois dias atrás, afirmando que uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja, Contardo Calligaris postergou uma discussão sobre o aborto. Acho que ele estava certo. Contudo, tendo lido inúmeros ataques à tese de que o aborto deve ser descriminalizado, mas nenhum argumento a favor dela, resolvi lembrar alguns. (...)


Na íntegra aqui.

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Por João Pereira Coutinho

O ABORTO regressou. Tudo por causa das eleições presidenciais, que trouxeram o tema para cima da mesa com seus cortejos de oportunismo e ignorância.

Concordo com Contardo Calligaris: não se discutem esses temas no calor demagógico de uma eleição.

Por outro lado, se não fosse a eleição, não seria possível ler o importante texto que o meu amigo Antonio Cicero escreveu nesta Folha sábado passado ("A questão do aborto", Ilustrada, 16/10).

Ponto prévio: sou contra a descriminalização do aborto, excetuando casos de perigo para a saúde física ou psíquica da mãe. Não por motivos religiosos, contrariamente ao que Cicero imagina, mas por motivos éticos e políticos, que apresentarei no final. (...)


Na íntegra, para assinantes, aqui. Para não assinantes, aqui.

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Por Olavo de Carvalho

O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo. (...)


Na íntegra aqui.

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