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terça-feira, 1 de março de 2011

A premiação de um "gran signore"


por Leandro Oliveira

O International Classical Music Awards é uma espécie de Oscar da música clássica. Um pouco melhor que o Oscar pois, além de ser o mais prestigioso prêmio da categoria, é dado pelos críticos profissionais das mais importantes revistas e rádios da europa continental: Crescendo (Bélgica), Fono Forum e MDR-Figaro (Alemanha), Gramofon (Hungria), IMZ (Áustria), Musica (Itália), Musik & Theater (Suíça), Orpheus Radio (Rússia), Pizzicato (Luxemburgo), Resmusica.com (França), Scherzo (Espanha) e Viva Classica (Finlândia).

O grande vencedor do ano - com o "Lifetime Achievement Award" - foi o pianista Menahem Pressler.

O prêmio não veio fora de hora. Fundador do Trio Beaux Arts, Menahem Pressler é reconhecido por todos nós da área como uma de suas poucas unanimidades. Aos 86 anos, sua carreira se perpetua por seis décadas, e segue ativa até hoje, seja como recitalista, camerista ou professor. O Beaux Arts encerrou suas atividades na temporada 2007-2008, uma perda não maior pois suas gravações seguem em catálogo. Em sua última formação estavam o violinista Daniel Hope e o nosso querido Antonio Meneses. Foi com Antonio que conheci Pressler, e com eles vivi uma das histórias mais fascinantes deste mundo que tenho a sorte de trabalhar.

Realizavam os dois juntos uma turnê pelo Brasil com as sonatas de Beethoven. No Rio de Janeiro, o recital contava com a Sonata em Dó Maior no. 4, op. 102 na abertura do programa. A Sala Cecília Meirelles no Rio estava lotada, a maior parte ansiosa mais pelo nosso pernambucano que pelo monumental Pressler. Eu, curioso para estar com os dois mestres, me entreguei com o andante inicial, como um amador - ao prazer do puro som.


E algo aconteceu: não somente comigo mas com todos na Sala. Ao final do Andante - e antes do Allegro que se lhe segue, tecnicamente a ser executado sem interrupção - levantamos. Levantamos sim, no plural, todos: a Sala pôs-se inteira a aplaudir.

Os dois, altivos, apenas entreolharam-se com um leve sorriso e seguiram. Nos recompomos na cadeira, alguns, como eu, envergonhados. Um vexame coletivo, a prova de nosso hooliganismo musical.

Ao jantar, depois do concerto, fomos os dois solistas, eu e as anfitriãs, Cesarina e Sabina Riso. Comentamos, um pouco de soslaio, sobre os aplausos fora de hora. Ambos riram. Menahem, após um breve silêncio contou a seguinte história:

Esta é nossa quarta cidade da turnê. Como vocês sabem, queremos depois gravar as sonatas. Tocamos em todas as cidades por onde passamos esta sonata, em diversas posições do programa; em todas elas o público aplaudiu exatamente naquele momento. Chegando ao Rio de Janeiro, ficamos um pouco ansiosos. Alguma coisa fazemos ali, e as pessoas não podem se não aplaudir. Sabíamos que o aplauso era espontâneo, e seria uma espécie de fiasco se aqui não acontecesse, logo no Rio que amamos tanto. Seria como se tivessemos tocado um pouco pior. Longe de incomodar, foi um alívio quando aplaudiram.

Rimos. Eu escondia com a risada minha perplexidade. Ao contrário da ruína que aponta Tom Service, os aplausos equivocados foram a comunhão. Algo certamente único em minha vida musical, que jamais se repetiu nesta "minha vida de retinas tão fatigadas".

Antonio depois comentou que preparar o programa com Menahem foi como aprender música tudo de novo: se sentia um aluno iniciante. Isso disse ali, na minha frente, em português, o vencedor do concurso Tchaikovsky e responsável por gravações com Herbert von Karajan e recitais em todos o mundo. Um gênio se curvava absolutamente diante do Mestre.

Menahem é mestre e simpático. Sua música é como seu temperamento: despretensioso e sofisticado, inteligente e amável. Em um mundo de languilânguis e dudaméis, que a despretensão, a sofisticação, a inteligência e a generosidade amorosa tenham sido premiados pelo ICMA não deixa de ser um sinal de que ainda há civilização no mundo clássico.

Os outros premiados foram o compositor e regente Esa Pekka Salonen (Artista do Ano, que terá uma de suas peças executadas pela Osesp esta temporada), o pianista francês David Kadouch (Jovem Artista do Ano) e Chandos (Selo do Ano). O prêmio "Special Achievement" foi para o selo BIS pela edição completa da obra de Sibelius, marco na discografia do compositor. O "Website Clássico" ainda não foi o Ocidentalismo.org ou o Euterpe, mas o Digital Concert Hall da Filarmônica de Berlim.

A festa acontece dia 6 de Abril.

Um comentário:

Leonardo T. Oliveira disse...

hahah! Ainda chegaremos ao Website clássico! O Digital Concert Hall da BPO que nos aguarde.

Abraços!

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