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quarta-feira, 16 de março de 2011

Beethoven, Kubrick e outros paradoxos

por Leandro OLiveira

A Osesp abre sua temporada 2011 com a Sinfonia nº 9 de Beethoven. Pretendia ilustrar a aula mostrando parte da influência da peça em alguns ícones do pop. Me ocorreu, é claro, o extraordinário "Clockwork Orange" de Stanley Kubrick. (Coincidentemente, acabo de ler sobre o lançamento comemorativo de uma caixa especial pelos 40 anos do filme; isto me serviu de inspiração para o post.)


Não há novidade nenhuma: Kubrick foi um grande conhecedor de música e tinha prazer especial em selecionar a trilha sonora para seus filmes. O que mais me impressiona em "Laranja Mecânica", mas também, evidentemente "2001", "Full Metal Jacket", ou "Eyes Wide Shut" é como a música compõe a cena - não somente sublinhando o estado de ânimo de personagens, algo comum, mas ainda criando verdadeiros paradoxos áudio-visuais.

O que quero dizer com isso? Volto a "Laranja Mecânica" em minha cena preferida. Ela acontece logo após uma espécie de motim entre os Droogs: lamentam o jeito de Alex, seu líder, sua forma de dar ordens e disciplina, questionam seu tratamento ditatorial. Para acalmar os ânimos Alex sugere negociar e pagar uma rodada de "moloko-plus" no Korova milkbar; enquanto retornam ao bar pela marina (a cena é rodada em camera lenta), Alex reflete:

As we walked along the flatblock marina, I was calm on the outside but thinking all the time. So now it was to be Georgie the General, saying what we should do, and what not to do, and Dim as his mindless, grinning bulldog. But, suddenly, I viddied that thinking was for the gloopy ones, and that the oomny ones used like inspiration and what Bog sends. For now it was lovely music that came to my aid. There was a window open, with a stereo on, and I viddied right at once what to do.

A "música pela janela" é a abertura de "La Gazza Ladra" de Rossini. No caso, estamos diante deste tipico oxímoro feito com música, que não pela primeira vez trago à baila neste site: Rossini serve - e não só ali, mas em todo o filme - para banalizar ou, talvez naturalizar, a violência e tensão dos personagens.

Mais tarde, quando o tema do quarto movimento de Beethoven é introduzido como elemento para reeducação de Alex - behaviourismo extraordinário - não deixa de ser aflitivo perceber que uma música que todos reconhecemos como "a ode à alegria" possa gerar tanta dor-de-cabeça. O paradoxo áudio-visual é tão claro que precisei desistir da cena em minha aula: a força das imagens faria necessariamente que o público, na ocasião do concerto, fizesse semioses pouco pertinentes a uma sinfonia que, de uma maneira ou de outra, pretende narrar a passagem das trevas à luz; o último movimento é uma apoteose de esperança - a léguas de distância das funcionalidades pacifistas e socializantes do roteiro do filme.

O diretor, é claro, sabia disso - e, por isso, eu tive que mudar o plano de aula. Para ilustrar o impacto de Beethoven em nossas vidas, menos que Kubrick e seu cinema extraordinário, decidi mostrar a popularidade do último movimento da Sinfonia nº9 no toque do meu celular.

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