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terça-feira, 15 de março de 2011

Os usos filosóficos de uma catástrofe

por Leandro Oliveira

Houve um tempo onde um grande desastre com o que flagela os habitantes do Japão poderia servir como oportunidade para giros filosóficos ou poéticos de alta monta. Na ocasião do terremoto de Lisboa, Voltaire vê a oportunidade de apontar a ausência de Deus no mundo; a despeito das idiossincrasias do autor, jornalista mais que filósofo, é fato que versos semelhantes são belos em sua revolta:

O malheureux mortels ! ô terre déplorable !
O de tous les mortels assemblage effroyable !
D’inutiles douleurs éternel entretien !
Philosophes trompés qui criez : « Tout est bien » ;
Accourez, contemplez ces ruines affreuses,
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l’un sur l’autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés ;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
Qui, sanglants, déchirés, et palpitants encore,
Enterrés sous leurs toits, terminent sans secours
Dans l’horreur des tourments leurs lamentables jours !
(...)

Dessa perplexidade sai ainda o "Candide", que é, sim, uma bobagem. Mas que bobagem! Muito distante daquelas atrozes que li outro dia. O terremoto, seu desdobramento em um tsunami (na minha época se dizia "maremoto"), a perda de tantas vidas, conseguiu ser motivo para o mais baixo proselitismo, a oportunidade de acusar "the human-caused vulnerability of our civilization".

Ou de reavaliar as superstições atávicas que todos, de uma maneira ou de outra, cultivamos: um giro mental dos mais bizarros dando à Natureza poderes "sobrenaturais" - e assumindo assim um paradoxo que não é meramente nominal mas uma necessidade de justificar moralmente causalidades complexas e cegas, frutos de uma lógica por vezes madrasta que é aquela da Natureza.

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