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domingo, 20 de março de 2011

Meninos (como Homens) em tempos sombrios


por Juliana Perez

Agora o que conta é reencontrar-se, iluminar-se reciprocamente, de pessoa a pessoa...

A frase foi escrita em 1942, alguns meses antes da decapitação de um de seus autores. Não se trata de escritores nem de filósofos ou de cientistas importantes, tampouco de grandes homens de Estado ou de revolucionários titânicos. Hans Scholl (1918-1943) estudava medicina na Universidade de Munique e – com sua irmã, Sophie (1921-1943) e um amigo, Christoph Probst (1919-1943) – foi acusado de alta traição ao regime nacional-socialista. Alexander Schmorrell (1917-1943), segundo autor da frase acima, Willi Graf (1918-1943), Kurt Huber (1893-1943), seu professor de filosofia, e outras dez pessoas foram condenadas à morte dois meses mais tarde.

Hans, Sophie, Christoph, Schmorell, Graf e Huber formavam o núcleo do movimento de resistência que ficou conhecido como "A Rosa Branca" (Die Weiße Rose). Sobre ele há dois filmes: o primeiro "Die Weiße Rose" (1982) dirigido por Michael Verhoeven, é baseado em documentos pertencentes às famílias dos envolvidos e teve ampla repercussão na Alemanha; o segundo, "Sophie Scholl: The Final Days" (2009), concentra-se nos dias que antecedem a prisão dos integrantes da Rosa Branca e focaliza a comovente experiência de Sophie Scholl. O roteiro utiliza documentos ainda não conhecidos nos anos oitenta - reproduzidos quase literalmente em vários diálogos do filme (no interrogatório, por exemplo).


As primeiras informações sobre a "Rosa Branca" tornaram-se conhecidas graças ao livro da irmã mais nova de Hans e Sophie, Inge SCHOLL, "Die Weiße Rose" (Frankfurt a. M.: Fischer, 2001). O livro é amplamente conhecido na Alemanha, em muitas escolas ainda está na lista de leituras obrigatórias.

Em tempo: houve outros movimentos de resistência ao nacional-socialismo na Alemanha – a Jüdischer Kulturbund, o Kreisauer-Kreis, Schulze-Boysen/Harnack Organisation, por exemplo. De diversas tendências políticas e religiosas, procuravam se opor ao regime da forma como lhes era possível: todos eles foram mais cedo ou mais tarde violentamente reprimidos pelo regime. Mais informações? Veja o estudo de Corina Petrescu, "Against All Odds: Subversive Spaces in National Socialist Germany" (Oxford et. al.: Peter Lang, 2010).

Quanto ao grupo "A Rosa Branca", o que faz dessas seis pessoas – que talvez contassem com a colaboração de vinte ou cinquenta estudantes dos cerca de oito mil inscritos na Universidade de Munique – algo especial?

Em primeiro lugar, a quase ingenuidade de suas ações: entre junho de 1942 e janeiro de 1943, os estudantes redigiram e distribuíram panfletos de crítica ao regime. Dos primeiros panfletos foram feitas cem cópias, do último, entre duas ou três mil. Os pesquisadores costumam dividir as ações dos estudantes em 3 fases: a que inclui a redação dos quatro primeiro panfletos, que exortavam à resistência passiva; a segunda fase acontece após a volta dos estudantes do front; e a última fase, que incluiu pichações de muro pela cidade de Munique – ato temerário na época –, e o último panfleto, que causou a prisão. Os panfletos impressionam tanto por unirem a reflexão filosófico-existencial a uma corajosa análise política, quanto por expressarem a convicção de que qualquer mudança social só seria possível a partir do momento em que a responsabilidade pessoal diante dos acontecimentos fosse plenamente assumida.

Mas a falta de sistematicidade das ações e a complexidade dos panfletos – de forma nenhuma dirigidos às “massas” – são apenas alguns indícios do que vários estudiosos do tema já confirmaram: a chamada “Rosa Branca” não chegou a se constituir como movimento, era um grupo de amigos. Suas iniciativas, que lhes custariam a vida, não nasciam de projeto político ou cultural, mas de um “anseio por liberdade individual e de uma coletividade que levava a sério o ser humano em sua subjetividade e respeitava a sua dignidade pessoal” (como diz Jens e lembrado por Corina Petrescu em sua pesquisa).

Seis pessoas, seis panfletos mimeografados, uns pouco mil leitores desconhecidos, se tanto, em busca de liberdade e respeito. Nada mais perigoso para um regime ditatorial.

2 comentários:

Anônimo disse...

"[...] alguns meses antes da decaptação de um de seus autores."

Capta-se recursos... decap*i*ta-se pessoas.

Leandro Oliveira disse...

Opa, obrigado anônimo! foi um erro aqui do editor. Abraços.

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