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sábado, 28 de agosto de 2010

Oasis e o jazz...


Por Leandro Oliveira

O "Jazz", se preciso fosse uma definição, seria antes de tudo o gênero baseado na permanente reestruturação em performance de estruturas musicais reconhecíveis - reestruturadas a partir de alguns parâmetros mais ou menos herméticos e que devem, por um lado, à permanente inserção e reconhecimento dos standards originais, por outro à inventiva criatividade disponibilizada pela mistura de duas "tecnologias" distintas: a partitura e o fonograma.

Ufa!

Pois se a tradição da música clássica entrou em colapso foi exatamente naqueles sub-gêneros específicos onde o suporte escrito era mais do que essencial e impossível de dissociação da performance. Por isso é que no século XX os gêneros mais elaborados como a Sinfonia, por exemplo, entram em franco declínio - como gênero ela é intrinsicamente ligada às estruturas "discursivas" do século XVIII ou (com Beethoven a reinventando) à mentalidade de construção "orgânica" que será tão cara à estética romântica.

Assim como as técnicas e demandas do discurso público se tornam paulatinamente obsoletas, a estrutura da Sinfonia se torna crescentemente esotérica. No século XX seu único defensor regular de alto nível foi Shostakovich - que se vale de forma bem particular do gênero a partir dos destroços deixados por Mahler e Sibelius.

Os demais compositores - Stravinsky incluído - não fazem mais sinfonias em sentido estrito. Suas obras não seriam entendidas no século XIX como tais e, se remetem ao cânone, o fazem mais pela verossimilhança de valores tangencias como "grandiosidade" ou "formato" do que efetivamente pela sua estruturação estética. A noésis que permitia o gênero "Sinfonia" ser um dado da cultura acabou em 1975 com o falecimento de Shostakovich e se preserva atualmente apenas como empreendimento intelectual.

E onde entra o Jazz? Será ele exatamente aquele que se erguerá neste novo ambiente de informação como o gênero capaz dos mais complexos gestos estruturais. Suas raízes para tanto são, como foi afirmado, a inserção completa na tradição escrita por um lado mas também sua mentalidade tão típica de uma "oralidade" de segunda mão, uma oralidade que deve sobretudo aos recursos das tecnologias da gravação. A tese é arriscada mas boa para investigação: o "Jazz" é o gênero máximo de nosso tempo exatamente por ser aquele que traduz em alto nível o tipo de mentalidade e sensibilidade atual. Mentalidade e sensibilidade que se fazem ricas pela trama de referências permanentes e inesgotáveis - sempre a serviço e atualidade da performance.

Nesse sentido é que os standards são elementos essenciais desta nova tradição. Caso inexistissem o ouvinte perderia sua capacidade de estabelecer qualquer sentido musical - não existe improvisação se não temos aquilo sobre o que se deve improvisar.

(A propósito, este é o contexto para entendermos parte da querela entre Keith Jarrett e Wilton Marsalis.)

Entre os novíssimos "standards", algumas pérolas do pop servem exatamente por serem melodias bastante simples, conhecidas e dadas a reinterpretações. No verdadeiro jazz, não se apresentam como covers, como alguns gostam de dizer - o cover é uma tentativa de imitação com pequenas alterações. Aqui temos versões absolutamente repaginadas do original.

A prática. No vídeo, uma música da banda Oasis - Wonderwall - pode ser ouvida:


Com ela em mente, proponho duas escutas: primeiro aquela de Paul Anka, bem no estilo swing - um "jazz" de primeira fase bastante agradável mas bem pouco dado às improvisações e, embora responsável pela popularidade do gênero, ainda é uma espécie de arranjo de uma melodia, por isso para alguns, um proto-jazz.


Depois esta leitura de Brad Mehldau, típica mostra do pós-bebop contemporâneo (no caso, uma espécie de "cool jazz" senil).

4 comentários:

Julio disse...

Uh, de tirar o fôlego! Gostei muito. Fez-me pensar enquanto olhava os peixinhos no pé-de-página... Sou fã do Brad Mehldau, e perdi a oportunidade de ir a dois shows dele.

Leonardo disse...

Gostei muito! Fiquei pensando: dentro de sua tese onde fica o Love Supreme do Coltrane? Seria ele um reflexo maior do que a "mentalidade estética atual"? (Cara, sou fascinado por este disco!)

Pedro Gonzaga disse...

Boa pergunta, Leonardo. De todo modo, Leandro, parabéns pela reflexão. É um assunto que renderia uma abordagem bem mais ampla, mas acredito que tuas teses são fortíssimas. Sobre as versões, a do Brad é 10 vezes mais interessante. Essa coisa de swingar standards do pop já não apresenta muita crocância.

Leandro Oliveira disse...

Estou aqui fazendo o inventário para situar o "Love Supreme" nessa panorâmica. De qualquer maneira, os gênios são por definição os pontos fora da curva - e o Coltrane é um gênio, pois não. Mas parte relevante da resposta está na matéria do Keith Jarret que dei como link. Vale a pena ler com carinho, principalmente a parte que fala do Marsalis (que é um "geriatra nato", como diria Bruno Tolentino).

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