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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

You can't have it all...


Não poderíamos jamais deixar de polemizar com algumas agruras comportamentais dos séculos XX e XXI. Se hoje é normal quase tudo e se é fato que de perto ninguém normal, estamos, para dizer o mínimo, em uma encruzilhada. Afinal queremos tudo e podemos tudo, mas não seria o comportamento do just do it mais um dos tantos "ismos" que compõem este aguerrido e querido "totalitarismo da vontade" que nos assola? Neste texto, Talyta Carvalho chama para a briga um dos tantos mal-entendidos comportamentais do século XX: o feminismo engajado.

Por Talyta Carvalho

Passei uma semana intensa de estudos, daquelas em que atravessamos madrugadas em claro e nas quais manter-se disposto só é uma possibilidade real quando ingerimos doses cavalares de café e cigarros. Nada de muito grave. Grave mesmo foi perceber o estado em que se encontravam minhas unhas: não havia nelas mera sombra do cuidado que um dia já espelharam.

Decidi que o mestrado deveria ser colocado em suspenso, mesmo que por apenas uma tarde, afinal, era patente que eu me lembrasse de que era mulher. Logo após o almoço, corro para aquele templo do bem-estar feminino, repleto de encanto, cappuccinos e mimos, chamado salão de beleza. Enquanto fazia as minhas patinhas, já me sentindo muito feliz e satisfeita em minha própria pele, noto uma mulher ao meu lado, também fazendo as suas. A única diferença entre nós eram os acessórios que portávamos: eu trazia comigo uma bolsa, dessas que qualquer mulher ligada em moda gostaria de exibir, e um celular do qual não desgrudo; ela trazia consigo uma bolsa igualmente desejável, e... um bebê. Sim, enquanto eu não desgrudava do meu aparelho celular aguardando, ansiosamente, algum sinal de vida no bbm, minha colega não desgrudava daquela mini-pessoa rosinha e gordinha, que ao contrário do meu celular, correspondia todas às suas expectativas e lhe era somente sorrisos gratuitos.

Eu, obviamente, fiquei babando mais do que o próprio bebê ao presenciar aquela relação tão poderosa que acontecia bem diante dos meus olhos. Não pude evitar minha curiosidade e, entre uma bebericada de cappuccino e outra, tomo coragem e inicio uma conversa com a recente mamãe. Pergunto a ela a idade daquela fofura, e ela responde que a fofura em questão não contava mais de seis meses.

Não foi necessário muito esforço de minha parte para que aquela mulher, intensamente apaixonada por sua cria, começasse a falar o quanto estava realizada e feliz. Sim, as palavras são justamente essas: realizada e feliz. Cara leitora feminista: sinto muito ser eu a pessoa a lhe informar, mas a maternidade não é um meio de dominação e opressão de uma sociedade patriarcal. E quanto mais cedo as mulheres perceberem esse engodo, melhor.

A minha colega de salão não era uma mulher sem oportunidades, reprimida, e com poucas opções acerca do que fazer de sua vida. Muito pelo contrário, durante nossa conversa, descobri que ela tinha 32 anos, estudou em bons colégios, cursou Arquitetura na USP, e que possuía um escritório próprio montado com a ajuda do marido. Ela ainda não voltara ao trabalho desde o nascimento do bebê, e afirmou que não voltaria até que a criança começasse a freqüentar a escola, pois queria estar 100% presente durante o seu crescimento. Indaguei o porquê dessa decisão, e a provoquei com interrogações como: “Você não acha que sua carreira será profundamente afetada por essa decisão? Que seu crescimento profissional será prejudicado?”

Ela, serena, responde que eu só seria capaz de entender a grandeza daquela experiência e a razão de tudo o mais ter se tornado, subitamente, secundário no dia em que também me tornasse mãe. Penso que ela está absolutamente certa.

Há tempos o feminismo enche jovens mulheres de falsas expectativas. A pregação feminista ensina que as mulheres têm sido maltratadas desde os primórdios da humanidade. Enquanto movimento social, o feminismo prega que uma sociedade justa é aquela em que homens e mulheres são tratados igualmente em todas as circunstâncias, muito embora seja razoável pensarmos que devam sim ser considerados de forma diferentes (pequeno adendo a este respeito: duvido que alguma feminista iria querer igualdade caso estivesse presente no naufrágio do Titanic e não houvesse lugar para todos no último bote de salvação. Tivesse o Titanic afundado em tempos pós-revolução feminista, certamente a maioria dos sobreviventes não seria composta de mulheres – aliás, obrigada feminismo por ter nos legado também a morte do cavalheirismo e da gentileza!); enquanto movimento econômico ensina que a verdadeira realização da mulher só pode ser encontrada no trabalho pago.

Deve ficar claro ao leitor que há uma diferença entre feminismo e feminino. O feminismo pode ser também chamado, em razão de sua missão, de “movimento de liberação das mulheres”. "Liberação de quê?", indagará o leitor. Liberação daquilo que se julgou oprimir e diminuir a mulher, a saber: o casamento, o marido, os filhos, o lar. Para uma feminista, exercer essas funções colocava a mulher em relação de inferioridade ao homem, e legitimava a dominação masculina. Para citar Betty Friedan, o lar se configuraria como um “campo de concentração confortável”.

Já o que é feminino é de outra ordem, totalmente diversa. Uma mulher feminina (não feminista) nos tempos atuais é aquela que aprecia ser mulher em todas as suas particularidades e diferenças, que está ciente de que pode realizar-se em diversas carreiras de sua opção, inclusive a carreira doméstica de mãe e esposa. Sei que não estou sendo original, muito antes de mim, mulheres como Phyllis Schlaflly e Carolyn Graglia, por exemplo, já haviam dito o mesmo. De fato, pode-se encontrar lucidez em toda parte, até mesmo entre as feministas: para citar apenas duas sugiro Naomi Wolf e Susan Pinker (link fechado para assinantes UOL).

O que minha colega de salão percebeu foi a urgência de estar perto e cuidar de seu bebê por todo tempo que fosse possível. Talvez, o que ela pretenda evitar seja o já tão batido arrependimentos das mães que se focaram em suas carreiras, e por isso, precisaram entregar seus filhos aos cuidados de babás e creches. De fato, no momento derradeiro ninguém pensa “Eu gostaria de ter passado mais tempo no trabalho”. O que a maternidade traz é um apelo milenar cujo conteúdo não trata somente da criança precisar da mãe, mas também da mãe precisar da criança. E isso está além de qualquer suposta opressão social. Culpem Deus... ou Darwin, tanto faz. Mas que é assim é!

Evidente que não estou propondo uma revolução feminista ao contrário, tampouco está se dizendo aqui que todas as mulheres devam abandonar suas carreiras por todo sempre para serem mães. Apenas proponho que as mulheres de hoje, principalmente as mais jovens, exerçam sua faculdade reflexiva e ajam com ceticismo mediante propostas feministas falaciosas que fazem crer ser possível ter tudo depois de obter sucesso profissional. O fato é que muito provavelmente o mundo não será seu, e escolhas deverão ser feitas a respeito do conflito “carreira X maternidade”.

O problema da escolha não está no que você escolherá para si propriamente, mas sim, no que escolherá abrir mão.

Por Talyta Carvalho

Um comentário:

Anônimo disse...

Aguardamos ansiosos a continuacao..

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