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terça-feira, 19 de abril de 2011

Em busca de um outro modelo


por Leandro Oliveira

Jamais deixei de tratar aqui o "caso OSB" como o que definitivamente é: uma comédia de erros, de enredo pífio, sem pé ou cabeça, onde as conclusões últimas são nada mais que desdobramentos conseqüentes de decisões invariavelmente desastrosas que sucedem-se a exaustão. Os protagonistas são diletantes vaidosos e sindicatos, que agem em nome dos incompetentes. A esta altura o assunto se tornou por demais enfadonho para que possamos seguir a riso; e que todos o sigam levando a sério não deixa de tornar tudo ainda mais enfadonho.

Para ser didático, chamo apenas a atenção para uma idiossincrasia. Os jornalistas e amigos que defendem o processo de reestruturação partem de uma perplexidade, a de que tudo não passa da ação de um grande maestro realizando os procedimentos necessários para reconstruir uma que um dia foi uma grande orquestra; ele estaria sendo sabotado.

Então, questão de ordem: quem é que disse que Roberto Minczuk é um grande maestro? Quem disse que a OSB um dia foi uma grande orquestra? Apenas em um país onde a cultura musical é paupérrima coisas assim podem reverberar inadimplentes. Ninguém precisa acreditar em mim e por isso trago, para provar o primeiro, que o segundo é hors de question, a crítica da atuação do maestro junto à Philadelphia Orchestra.

E o faço não por crueldade mas para tomar o verdadeiro assunto do post que é a Philadelphia Orchestra - uma das big five, as cinco mais poderosas instituições orquestrais dos EUA, e que acaba de pedir concordata. Após a greve da Orquestra Sinfônica de Detroit (que durou alguns meses e terminou semana passada), este é o verdadeiro assunto da música clássica internacional. No Brasil, nenhum caderno de cultural deu uma notinha sequer, jornalistas especializados provincianos que temos.

(A título de exemplo, imaginem se o clube do Barcelona pedisse falência, imaginem a possibilidade da notícia passar incólume pelos grandes veículos de esporte!)

Todos especialistas do mundo da música clássica se perguntavam, a boca pequena, já há muito tempo, qual seria a primeira grande orquestra a fechar as portas. Minha aposta pessoal era alguma da Itália, que cancelara parte das suas subvenções estatais no governo Berlusconi. Mas a surpresa veio mesmo após a crise americana.

A Philadelphia Orchestra é uma das mais influentes e tradicionais do Ocidente. "Influente" e "tradicional" de fato, não algo como a a OSB onde a palavra "tradição" é apenas um sucedâneo para "velhice". (Para casos como a OSB, Gustav Mahler nos deixou uma frase ótima: Tradition ist Schlamperei!). Diante da Philadelphia Orchestra estamos frente a um monumento norte-americano, uma orquestra que teve sua fase áurea com Eugene Ormandy, e por onde passou, antes dele, Leopold Stokowsky, e após, Wolfgang Sawalisch ou Christoph Eschenbach.

Seu eventual fechamento é o primeiro que pode, de modo real, acontecer no universo das grandes instituições clássicas. Esta é a notícia musical do mês: pode fechar as portas uma orquestra fundada em 1900 que desbravou parte importante do mercado fonográfico em 1925 e - sobretudo - participou, em 1940, da gravação do extraordinário "Fantasia" de Walt Disney; uma orquestra que não deitou em berço esplêndido e, sempre antenada com os tempos, se tornou, em 2006, a primeira a disponibilizar para download a gravação de suas performances, diretamente de seu website.

Na prática, a concordata a alivia de pagamento a credores, e permite a renegociação imediata do contrato com os músicos - inclusive com os fundos de aposentadoria. De fato, esperamos todos, deverá servir como o primeiro passo para uma eventual reconstrução. O que devemos entender atentamente é como tal reconstrução apresentará saídas para um modelo de negócios que, fundado no trinômio "subvensão pública - venda de assinaturas - verbas de patrocinadores", parece fadado ao fracasso.

Gestores de cultura de todo mundo acordaram em um pesadelo - ele contava que uma orquestra sinfônica é uma entidade muito cara para não prever permanentemente fórmulas generosas e criativas de geração de receita e controle de gastos.

O mundo clássico virou seus olhos para Philadelphia. Parece impossível deixar de acompanhar as bobagens aqui ao lado, mas ao menos alguns de nós para lá é que deveríamos virar.

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